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Europa em xeque? A deterioração do colectivo

06-06-2014 - Isis Sartori

O episódio da eleição do Parlamento Europeu suscita uma série de questionamentos e preocupações com relação à vida em sociedade.

O episódio da eleição do Parlamento Europeu suscita uma série de questionamentos e preocupações com relação à vida em sociedade. Primeiro, a preferência de países como a França e o Reino Unido por representações políticas radicais, que demonstra uma insatisfação com o modelo da integração regional. Afinal, de facto, cresce um descontentamento na Europa desde que a crise se instaurou em 2008 e passou a intimidar até o mais optimista cidadão europeu. Mas o quadro nos deve fazer reflectir não apenas porque o maior, e melhor, exemplo de sucesso em termos de integração regional pode estar fadado ao fracasso, mas porque algo mais básico em nossa sociedade pode estar ameaçado: o pensamento colectivo e os direitos humanos tão arduamente estabelecidos.

Quando li as notícias sobre a vitória estrondosa da Frente Nacional na França e do Partido da Independência (Ukip) no Reino Unido, comecei me perguntando se a memória dos europeus estaria fraca, se talvez tenham esquecido os episódios sombrios de sua história, pois só uma amnésia poderia justificar (minimamente) a eleição de partidos extremistas. O que dizer então do deputado neonazi eleito na Alemanha do NDP, que pela primeira vez conseguiu eleger alguém para o Parlamento.

Tudo isto assusta ainda mais quando vivemos um século tão cheio de lutas por questões sociais - sobretudo com relação à imigração na Europa -, com vitórias de minorias – como o Mariage pour tous - e de lento caminhar em prol de uma sociedade mais integrada, é uma aberração que extremistas de direita ganhem eleições. Estes são representantes desejosos não apenas de retirarem seus países do modelo de integração, mas que também gostariam de retirar de seus territórios grupos determinados de pessoas.

Mas minha indignação logo encontrou seu real catalisador, pois é claro que não existe uma amnésia colectiva capaz de apagar a memória de populações inteiras. A verdade é que a crise económica que assolou a Europa fez cair por terra os modelos de Estado de bem estar social, apertando o cinto de todos e, o pior, escancarando a verdade mais dura: o instinto de sobrevivência do ‘cada um por si’ prevalece quando há precariedade económica e suas consequentes políticas de austeridade. Ou seja, todo o aparato (inclusive institucional) que foi construído para melhorar a vida em sociedade perde importância perante a dureza do capitalismo que subjuga os pobres e embala os ricos. E que, em outros termos, mostra o pior do homem, capaz de esquecer-se de que vive em sociedade e que faz parte do mesmo mundo que todos os outros homens, tanto pobres quanto ricos, tanto negros quanto brancos, tanto héteros quanto homossexuais. Nada disso importa quando a economia vai mal (ou pelo menos parece esta a mensagem dada nas urnas europeias).

Tal comportamento é até compreensível se o caso se passasse em países com altos índices de pobreza e instituições fracas. Ali a discussão sobre direitos de segunda e terceira geração não tem tanta proeminência, afinal é preciso primeiro suprir a falta de elementos básicos que dêem estabilidade para a sociedade, que só então passará a discutir aquilo que antes não era vital para sua sobrevivência.

Mas isto não é nenhuma novidade, a garantia da sobrevivência (o direito à vida) precede qualquer discussão de questões sociais. O assustador é ver que as questões sociais não estão com perda de representatividade em países onde a situação é precária e a luta por sobrevivência é diária. Os países europeus estão dando sinais de afastamento destes temas. Justamente os países desenvolvidos, sempre tão orgulhosos de seus avanços democráticos e sociais, retornam ao instinto de sobrevivência primitivo. A França, sempre tão pronta para ir às ruas quando julga necessário lutar por seus direitos, votou pelo partido que representa um retrocesso no avanço de questões sociais. Onde o mundo esperava ver cada vez mais integração, há cada vez mais preconceito e extremismo para com “os outros”.

E a pergunta que resta: não era a parcela educada da sociedade, com seus direitos básicos conquistados, com capacidade crítica e ampla abertura para circulação de informações que deveria ser o avant-garde da integração, do pensamento colectivo e da defesa dos direitos? Está no resultado das urnas do Parlamento Europeu a amostra de que não é este o modus operandi quando as coisas não vão bem (sobretudo na economia). Por isso a necessidade urgente de pensarmos um modelo que supere essa falha, pois o mundo não pode recair numa exacerbação de individualismo toda vez que uma crise económica estourar.

Complemento dizendo que entendo a existência de demonstrações pontuais de posições extremas, afinal todos temos uma tia conservadora na família. Contudo, não entendo a existência de representatividades políticas extremistas e muito menos o tomarem o poder destas por vias democráticas. Isso demonstra que (1) ou existem mais pessoas de extrema-direita no mundo do que parece, ou (2) que as pessoas não aprenderam de facto o que é vida em sociedade e, quando insatisfeitas, remontam ao individualismo, que cega para as necessidades do colectivo. Seja qual for o problema catalisador deste comportamento, o pensamento individualista, a sede pela volta das fronteiras rígidas e o preconceito com imigrantes e demais minorias não são a solução, nem o caminho para um mundo melhor ou mais justo. E diria também que não é a receita para sair da crise.

Uma saída poderia ser a elaboração de políticas públicas que procurem necessariamente dar prioridade ao colectivo, como a distribuição de rendimentos. Isto, pois é preciso (1) retirar da pobreza extrema a parcela da população que ainda nem sequer concebe lutar por direitos que não sejam àqueles pertinentes à manutenção da sobrevivência e (2) favorecer a criação de uma igualdade entre os indivíduos que já desfrutam dos direitos de primeira geração, para que estes possam dedicar-se mais às questões sociais e menos às questões individuais, que podem – como observamos com a eleição do Parlamento Europeu - acabar se reflectindo desastrosamente em instituições políticas democráticas. Não podemos esquecer jamais que vivemos em sociedade e que pensar colectivamente é também pensar em si mesmo. Buscar o isolamento e recorrer às forças capazes de varrer para baixo do tapete aqueles que são indesejados não salvará a Europa.

Isis Sartori é formada em Relações Internacionais pela PUC-SP.

 

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