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Deixem de matar o mensageiro

02-11-2018 - Robert Mahoney

Quanto custa silenciar um repórter inconveniente? Nas Filipinas, as autoridades só precisaram de 250 dólares em 2011 para adquirir os serviços de um pistoleiro assassino de jornalistas. Na Eslováquia, Ján Kuciak e a sua noiva foram mortos em Fevereiro por cerca de 80 000 dólares.

Para políticos corruptos e patrões do crime, nenhum destes montantes é significativo. O custo para a democracia, porém, é incomensurável.

Todos os anos, são assassinados mais jornalistas por causa das suas reportagens do que os que morrem em zonas de guerra. Desde 1992, quando o Comité para a Protecção dos Jornalistas (CPJ) começou a recolher dados, 1324 jornalistas foram mortos no exercício da sua profissão, e 849 destes foram executados pelo seu trabalho. Mas em perto de 90% destes homicídios, as pessoas que ordenaram os ataques escaparam à justiça. Nas raras ocasiões em que se realizou um inquérito exaustivo, só foram apanhados colaboradores de baixo nível. O peixe graúdo normalmente escapa.

O problema não se limita aos países do Sul Global. A 16 de Outubro assinalou-se um ano desde que Daphne Caruana Galizia, uma jornalista maltesa que investigava casos de corrupção, foi morta por um carro armadilhado alguns minutos depois de entregar uma história que parecia prever a sua morte. Três homens foram acusados do seu assassínio, mas os verdadeiros responsáveis permanecem à solta.

Da mesma forma, a Eslováquia – como Malta, um país da União Europeia – não conseguiu assegurar justiça ao assassínio brutal de Kuciak e da sua noiva, Martina Kušnírová, na sua casa perto de Bratislava. Apesar de a polícia ter feito detenções neste caso, nem todos os organizadores – que tudo indica não quererem que ele vasculhasse acusações de actividade da máfia no país – foram encontrados.

E embora a Arábia Saudita já tenha admitido que o jornalista e colunista doWashington Post, Jamal Khashoggi, foi morto no consulado do Reino em Istambul, é igualmente pouco provável que a investigação em curso do caso leve à acusação de todos os responsáveis pelo seu desaparecimento.

A impunidade nestes casos é um cancro na responsabilização e na democracia. Os repórteres precisam do estado de direito para trabalharem eficazmente. Quando a acção policial e o poder judicial são dominados pelo crime organizado, os jornalistas sabem que ninguém os protegerá se desenterrarem histórias que ameacem os interesses de criminosos ou de funcionários corruptos.

As consequências são facilmente identificáveis num país como o México, onde o crime de cartel é ignorado em grande parte do país. Os repórteres corajosos que recusaram ser intimidados pagaram com as suas vidas, e os assassínios ligados a cartéis tiveram o efeito pretendido de silenciar outros. Na verdade, a maior parte dos jornalistas Mexicanos consegue identificar instintivamente “zonas de silêncio” onde se deterioram a democracia e a transparência.

Em 2013, as Nações Unidas procuraram chamar a atenção global para o problema, declarando o dia 2 de Novembro como o Dia Internacional para pôr termo à impunidade pelos crimes contra jornalistas. A minha organização apoia este esforço com o nosso Índice Global de Impunidade, que mostra que democracias como o México, Brasil, Índia, Paquistão e Filipinas falham consistentemente na condenação dos assassinos de jornalistas.

Os jornalistas sabem que a democracia e a imprensa livre são mutuamente dependentes, e que quando os repórteres são silenciados, aumentam os crimes de peculato, extorsão e ambientais. E embora muitos estejam a contra-atacar, precisam de ser ajudados.

Uma das armas mais prometedoras na luta contra a impunidade é a sanção. Desde 2016, a Lei Magnitsky Global da Responsabilização pelos Direitos Humanos nos Estados Unidos autoriza o presidente dos EUA a impor interdições de visto e a congelar os bens de nacionais estrangeiros sobre quem recaiam suspeitas de violações graves dos direitos humanos. O Canadá promulgou a sua própria lei Magnitsky em Outubro de 2017, e a Estónia, a Lituânia, a Letónia e o Reino Unido introduziram medidas semelhantes.

Mas promulgar uma lei não é o mesmo que aplicá-la. Com a excepção de alguns indivíduos implicados no assassínio, em 2004, do editor da   Forbes   Paul Klebnikov em Moscovo, as leis análogas à Magnitsky não têm sido utilizadas em defesa dos jornalistas. Os governos comprometidos com a defesa da democracia não devem hesitar em usar as ferramentas ao seu dispor, para protegerem aqueles que arriscam as suas vidas na defesa da liberdade de expressão. Os governos na Europa, em especial, têm a responsabilidade de garantir que são mantidos os compromissos a nível nacional e da UE.

As organizações para a liberdade da imprensa podem fazer mais do que acabar com a impunidade. No México, por exemplo, o CPJ trabalhou com repórteres e grupos de defesa para pressionar o governo nacional a tratar os ataques a jornalistas como ofensas federais – e a ultrapassar as forças de manutenção da ordem de nível estadual sempre que se suspeite de corrupção. O governo federal respondeu criando a Procuradoria Especial para Acompanhamento dos Crimes contra a Liberdade de Expressão (NdT: FEADLE, da designação em espanhol).

Mesmo assim, a falta de financiamento para o gabinete do procurador ameaça inverter as suas modestas conquistas. O futuro governo do presidente eleito, Andrés Manuel López Obrador, poderá lidar com o problema da impunidade, mas apenas se a FEADLE for dotada de recursos.

Enquanto os governos hesitam, os jornalistas defendem-se da melhor maneira que conhecem: com o jornalismo. A resposta colectiva às mortes de Caruana Galizia e de Kuciak ilustra bem este facto. Ambos pertenciam a redes de investigação internacionais, e hoje estes grupos estão a seguir as pistas e a terminar as histórias interrompidas pelo assassínio. A mensagem para os potenciais assassinos é simples: matar os repórteres não mata a história.

Robert Mahoney

Robert Mahoney é Diretor Executivo Adjunto do Comité para a Proteção dos Jornalistas.

 

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