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Povo vs. Dinheiro nas eleições intercalares da América

19-10-2018 - Joseph E. Stiglitz

Todos os olhares se voltam para os Estados Unidos, com a aproximação das eleições para o Congresso em Novembro. O resultado responderá a muitas perguntas alarmantes colocadas há dois anos, quando Donald Trump venceu as eleições presidenciais.

O eleitorado dos EUA declarará que Trump   não   corresponde ao que é a América? Os votantes repudiarão o seu racismo, misoginia, nativismo e proteccionismo? Dirão que a sua rejeição do primado do direito internacional, consubstanciada no “América em Primeiro”,   não   corresponde ao que significam os EUA? Ou será que clarificarão que a vitória de Trump não foi um acidente histórico, resultante de um processo de eleições primárias Republicanas que produziu um candidato inadequado, e de um processo de eleições primárias Democratas que produziu o adversário ideal para Trump?

Como o futuro da América está em jogo, os debates apaixonados sobre o que provocou o resultado de 2016 são mais do que académicos. Em causa está o modo como o Partido Democrático – e partidos semelhantes da esquerda europeia – se deverá posicionar para ganhar o máximo de votos. Deverá inclinar-se para o centro, ou concentrar-se na mobilização de recém-chegados jovens, progressistas, e entusiastas?

Existem boas razões para acreditar que a última opção terá mais probabilidades de conseguir o êxito eleitoral e de travar os perigos representados por Trump.

A participação eleitoral dos americanos é terrível, e é ainda pior em anos de eleições não-presidenciais. Em 2010, apenas votou 41,8% do eleitorado. Em 2014, apenas 36,7% dos possíveis eleitores foram às urnas, segundo dados doUnited States Elections Project. A participação dos Democratas é ainda pior, embora pareça estar a crescer neste ciclo eleitoral.

Frequentemente, as pessoas referem que não votam porque acham que isso não faz qualquer diferença: os dois partidos são tão semelhantes como Tweedledee e Tweedledum. Trump demonstrou que isso não é verdade. Os Republicanos, ao abandonarem todas as pretensões de rectidão fiscal, e ao aprovarem no ano passado uma enorme redução de impostos para os bilionários e para as corporações, mostraram que isso não é verdade. E os senadores Republicanos que apoiaram a nomeação de Brett Kavanaugh para Juiz do Supremo Tribunal dos EUA, apesar do seu testemunho enganador e das provas completamente credíveis de comportamento sexual inadequado no passado, mostraram que isso não é verdade.

Mas os Democratas também são responsáveis pela apatia dos eleitores. O partido tem de ultrapassar uma longa história de colaboração com a direita, desde o corte de impostos sobre os ganhos de capital do presidente Bill Clinton (que enriqueceu os 1% mais abastados) e a desregulamentação do mercado financeiro (que ajudou a que a Grande Recessão acontecesse), aos resgates de bancos em 2008 (que ofereceram muito pouco aos trabalhadores deslocados e aos proprietários que enfrentaram execuções de hipotecas). No último quarto de século, o partido pareceu por vezes mais concentrado em ganhar o apoio das pessoas que vivem dos ganhos de capital do que das pessoas que vivem dos salários. Muitos eleitores abstencionistas queixam-se de que os Democratas estão a contar com o ataque a Trump, em vez de apresentarem alternativas reais.

A sede por um tipo diferente de adversário é evidente no apoio dos eleitores a candidatos progressistas, como o anterior candidato presidencial, o senador Bernie Sanders, e Alexandria Ocasio-Cortez, a nova-iorquina de 28 anos que recentemente derrotou, em eleições primárias do partido, o Democrata que se encontra em quarto lugar na Câmara dos Representantes dos EUA.

Os progressistas como Sanders e Ocasio-Cortez conseguem apresentar uma mensagem atraente aos eleitores que os Democratas devem mobilizar para vencer. Procuram repor o acesso a uma vida de classe média, através da disponibilização de empregos dignos e bem pagos, do restabelecimento de um sentido de segurança financeira, e da garantia do acesso a uma educação de qualidade – sem o garrote da dívida estudantil, actualmente enfrentada por tantos diplomados – e a cuidados de saúde adequados, independentemente da situação clínica prévia. Clamam por habitação acessível e uma reforma segura, onde os idosos não sejam vítimas de um sector financeiro movido pela cobiça. E procuram uma economia mais dinâmica, mais competitiva e mais equitativa, atenuando os excessos do poder de mercado, da financeirização e da globalização, e fortalecendo o poder de negociação dos trabalhadores.

Estes privilégios de uma vida de classe média são possíveis. Eram acessíveis há meio século, quando o país era muito mais pobre do que é hoje; e são acessíveis hoje. Com efeito, a economia americana e a sua democracia não se podem dar ao luxo de   não   apoiarem a classe média. As políticas e programas do Governo – nomeadamente nas opções públicas para a saúde, as prestações complementares de reforma, ou as hipotecas – são cruciais para implementar esta visão.

Sinto-me encorajado pela onda de apoio a estas propostas progressistas e aos líderes políticos que as apoiam. Numa democracia normal, acredito que as suas ideias prevaleceriam. Mas a política dos EUA foi corrompida pelo dinheiro, pela engenharia eleitoral (NdT:   gerrymandering , no original ) e pelas impressionantes tentativas de marginalização. A lei fiscal para 2017 não passou de um suborno para que as corporações e os abastados dirigissem os seus recursos financeiros para as eleições de 2018. As estatísticas demonstram que o dinheiro tem uma importância enorme na política americana.

Mesmo numa democracia imperfeita –incluindo um esforço concertado para evitar que algumas pessoas votem – o poder do eleitorado americano tem importância. Descobriremos dentro de pouco tempo se é mais importante do que o dinheiro que entra nos cofres do Partido Republicano. O futuro político e económico da América, e provavelmente a paz e a prosperidade do mundo inteiro, dependem desta resposta.

Joseph E. Stiglitz

Joseph E. Stiglitz, Prémio Nobel de Economia, é professor universitário na Universidade de Columbia e economista-chefe do Instituto Roosevelt. Seu livro mais recente é Globalização e seus descontentes revisitados: anti-globalização na era do Trump.

 

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