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Redefinir a migração africana

12-10-2018 - Mukhisa Kituyi

Poucos assuntos são tão emocionais como o da migração humana. As imagens de pessoas desesperadas a deslocarem-se –seja a tentarem atravessar a fronteira entre os EUA e o México ou a atravessarem o mar Mediterrâneo em barcos frágeis e a abarrotar, tal qual sardinhas em lata –aumentaram as tensões e forjaram uma narrativa de que a migração não tem um lado positivo.

Mas essas imagens também nos deixaram cegos para o facto de que as pessoas sempre circularam e de que a migração é necessária e benéfica para o desenvolvimento humano. Em nenhum lugar esse facto é hoje mais relevante do que em África.

Apesar da atual crise política em torno da migração africana para a Europa, a realidade é que há menos africanos a migrar para países europeus do que em outubro de 2015, altura em que os números atingiram o pico. Na verdade, a maioria dos migrantes africanos movimenta-se dentro de África. E para os governos africanos, em particular, esse facto cria uma oportunidade para aproveitarem o poder positivo da mobilidade humana.

Perceber como é que a migração pode criar riqueza em África exige uma maior atenção às tendências migratórias. Segundo os dados da minha organização, a Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento (CNUCED), dos 41,5 milhões de pessoas que migraram de, para ou dentro de África, em 2017, quase metade –19 milhões –permaneceu no continente. Cerca de 17 milhões de pessoas saíram de África, enquanto 5,5 milhões migraram para África provenientes de outras partes do mundo.

Os migrantes africanos, tanto os operários como os executivos, e os que circulam dentro de África, muitas vezes fazem-no para preencher lacunas na mão-de-obra. Por exemplo, a escassez de mão-de-obra no setor mineiro, na construção, na agricultura e nos trabalhos domésticos impulsionaram a migração para a África do Sul e Costa do Marfim, dois dos mais importantes polos económicos do continente. Noutros lugares, os setores da madeira e mineiro do Gabão, a indústria petrolífera da Guiné Equatorial e várias indústrias do Quénia também atraíram a migração de países vizinhos.

Simplificando, a migração em África ajuda as economias de destino a crescer. Além do preenchimento das necessidades de mão-de-obra, a presença de grandes populações de migrantes estimula a diversificação económica, o desenvolvimento do setor privado e a produção de valor acrescentado. Além disso, os migrantes gastam cerca de 85% dos seus rendimentos dentro dos países que os acolhe. Essa infusão de capital aumenta a base tributária dos países de destino e alavanca o consumo local.

Mas os migrantes de África também contribuem para o desenvolvimento dos seus países de origem, graças às remessas e à partilha do conhecimento. De facto, o valor total de remessas enviado por migrantes africanos ultrapassa, presentemente, o montante que os países africanos recebem em Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD). Desde 2015, as remessas, que têm crescido fortemente desde 2000, têm representado a maior parte do total dos fluxos financeiros externos para África, uma vez que a APD diminuiu dos 37% em 2001-2003 para os 28% em 2012-2016. As remessas representaram 51% dos fluxos de capital privado para África, em 2016, acima dos 42% de 2010.

As previsões da CNUCED estimam que se as políticas pró-migração forem adotadas, o PIB per capita de África poderá aumentar 61%, até 2030 - para cerca de 3250 dólares. Por outras palavras, a migração intra-africana não é apenas um fenómeno humano e social; é, também, um ingrediente vital do crescimento.

Os governos africanos começam a reconhecê-lo. Muitos países estão a apoiar o novo Quadro Político sobre a Migração para África, da União Africana. E, desde março de 2018, mais de metade dos quase 50 países que se comprometeram em criar uma Área de Livre Comércio Continental Africana tem adotado o seu protocolo sobre a livre circulação de pessoas.

Para desenvolverem estes resultados, os governos africanos têm de se inspirar uns nos outros. Por exemplo, iniciativas como o programa de visto temporário do Ruanda para os migrantes semiqualificados e o recente alargamento das categorias profissionais, de Marrocos, para os estrangeiros, trarão políticas laborais mais flexíveis para estes dois mercados. Muitos outros países de destino beneficiariam de inovações semelhantes.

Outro marco que faria avançar a migração intra-africana seria a implementação do tão aguardado passaporte para toda a África. Infelizmente, embora o objetivo da iniciativa –promover o comércio, a integração e o desenvolvimento socioeconómico dentro da UA –seja louvável, a inércia burocrática está provavelmente a atrasar a sua implementação.

Finalmente, a comunidade internacional está a preparar-se para adotar o primeiro Pacto Global pela Migração Segura, Ordenada e Regular. Este acordo histórico representa um modelo para gerir os fluxos migratórios globais. Também é a validação de que a migração é uma necessidade económica, e não apenas para a África. Quando o pacto estiver finalizado ainda este ano, em Marrocos, terá de refletir as prioridades com as quais os líderes de África já se comprometeram.

Com acordos bem elaborados e adequadamente executados, a migração pode ser uma dádiva para as pessoas e para os locais que apelidam de lar. As atuais narrativas distorcidas da comunicação social ignoram ou negligenciam os benefícios da migração. Mas com factos e empenho, é possível contar uma história bem diferente.

MUKHISA KITUYI

Mukhisa Kituyi é secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD).

 

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