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Partido em guerra consigo mesmo: Comité Nacional Democrata enfrenta insurgência de sua base progressista

28-09-2018 - Dave Lindorff

O último nocaute imposto a um congressista democrata veterano, Michael Capuano, de Massachusetts, mostra que os eleitores estão descontentes com os liberais e querem candidatos mais progressistas.

A liderança do Partido Democrata, composta por democratas centristas e conservadores que cobiçam o dinheiro doado aos cofres do partido por grandes bancos de Wall Street, fabricantes de armas e instituições farmacêuticas e médicas, está abalada com a vitória surpreendente nas primárias de Alexandria Ocasio-Cortez, uma jovem porto-riquenha e estrela ascendente no distrito congressional de Bronx Queens, sobre um congressista distrital em exercício há 10 mandatos em junho, assim como as vitórias de candidatos de esquerda e socialistas em diversas primárias legislativas estaduais e locais por todo o país.

Porém, agora eles estão ficando furiosos com a vitória em Boston na semana passada de Ayanna Pressley, uma vereadora negra apoiada por socialistas, sobre outro congressista em exercício há 10 anos, desta vez o representante Michael Capuano, um clássico congressista liberal tradicional.

Se os democratas ativistas — aqueles que mais provavelmente votarão nas eleições — estão dispensando os candidatos liberais do partido em troca de radicais incendiários ou até socialistas, a liderança inteira corporativista e neoliberal do partido que teve o domínio pelo menos desde 1992 com a eleição do democrata de “terceira via” Bill Clinton está em risco.

O nervosismo dentro da liderança do partido nos últimos dias está se tornando palpável.

Em 23 de agosto, o Comité Nacional Democrata (DNC), deu início a uma reunião de três dias em Chicago onde o principal assunto a ser discutido não era como ganhar o controle do Congresso na próxima eleição nacional em 6 de novembro, mas como desacelerar ou parar a crescente influência de progressistas de esquerda dentro do partido.

No primeiro lugar da pauta estava a constante série de sucessos que progressistas conseguiram tanto em eleições especiais para preencher os meses restantes de mandato de membros do Congresso que saíram do cargo antecipadamente ou faleceram, quanto em primárias para determinar os candidatos do partido em disputas estaduais e federais no próximo mês de novembro.

Os candidatos apoiados por progressistas e endossados e até financiados pelo movimento fundado pelo socialista independente e candidato da primária presidencial democrata de 2016 e rival de Hillary Clinton, senador Bernie Sanders, não ganharam todas essas disputas. Mas alguns chegaram perigosamente perto de ganhar, e candidatos suficientes ganharam — como Ocasio-Cortez, e mais recentemente a socialista Rashida Tlaib, que ganhou a primária democrata para se tornar a candidata do partido para substituir o representante democrata de longa data John Conyers em Detroit — para que líderes do partido ficassem preocupados. Os progressistas até conseguiram deixar a senadora democrata de longa data Dianne Feinstein da Califórnia constrangida por negar a ela o apoio do Partido Democrata do estado durante a primária no mesmo.

No caso de Ocasio-Cortez, líderes descontentes do partido, incluindo o ex-presidente Barack Obama, recusaram-se a endossá-la após sua vitória. Alguns líderes do partido brincaram com a ideia de uma participação por um terceiro partido na eleição geral por parte de Crowley, a pessoa que ela tinha acabado de derrotar — uma proposta que enfureceu os progressistas e que poderia arriscar que o cargo seja ganho por um republicado apesar da gigantesca maioria de eleitores democratas registados no distrito (a ideia parece ter morrido por falta de um mínimo de apoio de eleitores).

Mas é isso o que acontece com um partido devastado por divisões entre sua base ativista progressista de um lado — que quer assistência médica nacional, medidas agressivas para reduzir o uso de combustíveis fósseis e uma mudança na economia nacional rumo a energia não-baseada em carbono, o fim da economia de guerra permanente do país com uma conversão para o que Ocasio-Cortez chama de “economia da paz”, um salário mínimo nacional de pelo menos USD $15/hora (cerca do dobro do valor atual), e acabar com o papel do dinheiro corporativo no apoio a candidatos — e do outro lado uma elite imutável e envelhecida do partido, incluindo muitos de seus políticos eleitos, que não quer nenhuma dessas coisas e está determinada a angariar fundos enormes de doadores corporativos e ricos — em muitos casos os mesmos doadores que estão em grande parte financiando candidatos republicanos.

Alguns anos atrás, o DNC votou por reverter, somente dois meses depois de tomá-la, uma decisão de banir doações ao Partido Democrata de quaisquer fundos da indústria de combustíveis fósseis, uma medida que enfureceu a base ativista. Jamie Henn, co-fundador do grupo de ação ambiental 350.org, que escreveu furiosamente sobre o retrocesso, afirmou que “esse tipo de concessão corporativa covarde é o motivo pelo qual os democratas continuam a perder eleições.”

Jeff Cohen, jornalista, crítico de mídia e fundador da organização de ação progressista de raiz RootsAction.org, explica a luta atual no Partido Democrata, dizendo que "parece haver dois Partidos Democratas: um partido de elite que fica onde está, dominando, por causa de sua relação com doadores corporativos e com a mídia corporativa — e um partido progressista e insurgente que representa a maioria dos eleitores democratas (e a maioria dos eleitores em geral, incluindo os independentes) e quer mudanças ousadas em políticas econômicas e sociais. Essas duas facções do partido estão batalhando intensamente agora.”

Ele prevê que “em janeiro, os democratas progressistas insurgentes estarão representados no Congresso como nunca antes, com recém-chegados como Ocasio-Cortez de Nova York, Tlaib de Detroit, Ilhan Omar de Minnesota e Pressley, que provavelmente ganharão a eleição.”

O grupo de Cohen organizou um piquete do lado de fora do hotel onde os líderes do Partido Democrata estavam se reunindo em Chicago. Nessa reunião, talvez por causa do piquete constrangedor conduzido por ativistas do partido, a liderança votou para impedir que os chamados super delegados votem em qualquer um na primeira rodada de votação na convenção do próximo processo de indicação de candidatura presidencial em 2020. O compromisso de quase todos os 714 super delegados de votar em Clinton na convenção — aqueles que ela conseguiu antes mesmo que ocorresse a primeira primária estadual — foi rotineiramente adicionado a seu total por sua campanha e pela mídia durante as primárias como uma forma de desestimular que apoiantes de Sanders votassem, diminuindo seu total de votos e seu total de delegados nas primárias. O resultado desastroso, para os democratas, foi a eleição do republicano Donald Trump como presidente, já que todas as pesquisas mostraram que Sanders teria esmagado Trump se tivesse sido o candidato.

A decisão dos super delegados foi uma vitória pequena, mas importante para os ativistas progressistas já que significa que a próxima convenção de nomeação será baseada nos votos dos delegados cujo candidato foi determinado por eleitores das primárias e frequentadores da convenção, não por líderes do partido.

A nível estadual, enquanto isso, os democratas também viram um número considerável de candidatos progressistas e até abertamente socialistas ganhar as primárias para essa temporada de eleições, com quatro socialistas escolhidos, por exemplo, para concorrer como candidatos democratas para legislaturas estaduais no próximo mês de novembro na Pennsylvania (um estado que votou por uma margem pequena em Donald Trump em 2016, mas que tem muito mais eleitores registrados como democratas do que como republicanos).

Os democratas progressistas argumentam que o motivo para o partido ter perdido o controle da Casa Branca e das duas câmaras do Congresso por uma margem pequena em 2016 foi a falta de entusiasmo pelos candidatos do partido, incluindo a candidata presidencial democrata Hillary Clinton, candidatos que, por causa de sua grande dependência de fundos de campanhas angariados de corporações dos setores de bancos, indústrias de armas, empresas de assistência médica, empresas de telecomunicação e até da indústria de petróleo e gás, acabaram realizando campanhas pouco inspiradoras dentro da retórica “Vote em nós. Não somos republicanos nem Trump.”

Operários que perderam seus empregos durante a recente recessão estavam irritados, frustrados e amedrontados, procurando algo mais positivo e inspirador do que isso. Muitos, apesar de votarem nos democratas há muito tempo, afastaram-se do partido e votaram em Trump e nos candidatos para o Congresso que ele endossou em 2016, esperando em vão que suas promessas de “trazer de volta” empregos que tinham sido alocados para o exterior fossem verdadeiras. Enquanto isso, muitos progressistas, desesperados com a retórica cuidadosa de Clinton de “mudança incremental”, ou enraivecidos por causa de como sua campanha, com a conivência do DNC, comprometeu a campanha insurgente do progressista Bernie Sanders, votaram no Partido Verde ou simplesmente decidiram não votar. Isso permitiu que Trump batalhasse para conseguir vitórias apertadas, mas importantes, em estados geralmente democratas como Wisconsin, Michigan e Pennsylvania.

Neste outono, os progressistas esperam provar seu argumento de que o Partido Democrata precisa mover-se bastante para a esquerda ganhando eleições que os candidatos estabelecidos do Partido Democrata têm perdido em estados no centro-oeste e talvez até no sul.

Um grande teste será no Texas, onde as pesquisas mostram o democrata progressista Beto O’Rourke em uma corrida disputada com o senador em exercício Ted Cruz e tendo boas chances de vencê-lo em novembro. Mas o DNC tem lutado contra, derrotando algumas das esperanças progressistas nas primárias ao fornecer pesado apoio financeiro para políticos em exercício mais conservadores ou oponentes de primárias, e por usar líderes do partido como o ex-vice-presidente Joe Biden ou o ex-presidente Obama em campanha ativa a favor dos candidatos mais conservadores (no caso de O’Rourke o partido tem pouca escolha além de apoiar sua candidatura se quiser ganhar novamente uma maioria no Senado no ano que vem).

Ainda resta ver como tudo isso influenciará as eleições de novembro. Se os progressistas estiverem corretos em dizer que a base eleitoral do Partido Democrata quer um Partido Democrata mais de esquerda e firmemente opositor que defenderá coisas como uma medicina socializada, um salário mínimo maior e o fim da política nacional de militarismo e orçamentos cada vez maiores para o Pentágono às custas de gastos sociais domésticos necessários, candidatos progressistas poderão ter grandes vitórias neste outono enquanto que candidatos democratas tradicionais e conservadores, incluindo alguns em exercício, poderão serão derrotados.

Como isso vai impactar as chances do partido de retomar a Câmara e o Senado é algo difícil de se prever no atual momento.

* Dave Lindorff é um premiado jornalista norte-americano, ex-correspondente da Ásia para a Business Week e fundador do site de notícias de propriedade coletiva de jornalistas ThisCantBeHappening.net.

**Publicado originalmente no RT News | Tradução: equipe Carta Maior

 

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