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Enfrentar os trolls misóginos do jornalismo

24-08-2018 - Hannah Storm

Antes de a Internet revolucionar o modo como as notícias eram reunidas e partilhadas, os jornalistas raramente tinham de se preocupar com a ameaça de violência virtual. Os principais riscos que enfrentavam estavam no terreno: as preocupações com a segurança física e psicológica ao informarem sobre catástrofes e conflitos. Mas os atuais campos de batalha dos meios de comunicação social são cada vez mais virtuais e, mais do que nunca, são as mulheres que estão debaixo de fogo.

De acordo com o Demos, um grupo de reflexão sediado no Reino Unido, as jornalistas têm três vezes mais probabilidades de serem alvo de comentários abusivos no Twitter, do que os seus colegas homens, com os agressores a usarem frequentemente uma linguagem de teor sexual (tal com “vadia” e “puta”) contra os seus alvos. Em 2016, a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa publicou uma pesquisa que revela que as mulheres que trabalham na comunicação social eram internacionalmente e desproporcionalmente alvo de ameaças sexuais, assinalando que o abuso tinha “um impacto direto na sua segurança e em futuras atividades   online ”.

As ameaças de violência contra as mulheres que trabalham na comunicação social estendem-se, muitas vezes, a familiares e a natureza íntima dos ataques, que recebem quando navegam nos seus dispositivos pessoais fora dos parâmetros profissionais da redação, também aumenta o impacto. Aqui vemos a indefinição das linhas da frente virtuais, físicas e psicológicas da segurança.

Embora esta mordacidade digital não seja novidade, o teor misógino está claramente a intensificar-se. A menos que os executivos de empresas de comunicação comecem a levar estes movimentos a sério, as vozes das jornalistas poderão ser silenciadas.

Outra forma pela qual as jornalistas são frequentemente o alvo na Internet é através do enfraquecimento do seu trabalho ou da sua reputação. Já existem evidências de que as mulheres são autocensuráveis e se abstêm de escrever sobre certas questões, especificamente questões baseadas em direitos e aquelas que afetam as comunidades marginalizadas. Mas, ao fazerem-no, as vozes dos vulneráveis também são silenciadas.

Não há dúvida de que algumas mulheres estão a combater a violência e que se recusam a deixar que os   trolls   vençam. Alexandra Pascalidou, uma jornalista sueca-grega, que vivenciou ameaças   online   e   offline   devido ao seu trabalho sobre questões de direitos humanos, falou abertamente sobre as suas experiências e até perdoou publicamente um dos neonazis que promoveu uma campanha de abuso contra ela. Numa intervenção na conferência de imprensa News Xchange, no final do ano passado, Pascalidou descreveu o ato como sendo o seu “dever” para chamar a atenção para o abuso que ela e outras jornalistas enfrentam regularmente. “Do que nós precisamos é de mais gente como nós”, afirmou. “Se formos poucas, tornar-se-á mais fácil para eles assustar-nos”.

Maria Ressa, ex-correspondente de guerra da CNN, é igualmente franca. Fundadora e CEO da   Rappler.com , uma organização de notícias   online   nas Filipinas, ela tem sido o alvo de uma campanha de assédio sexual, desde 2016. Ressa já perdeu a conta ao número de ameaças de morte que recebeu e diz que nenhuma das suas experiências anteriores relacionadas com conflitos físicos poderia tê-la preparado para a escala de violência dirigida a ela e às suas colegas da   Rappler .

Mas ela está a ripostar com uma estratégia que poderia muito bem servir de modelo para os líderes da comunicação social que reconhecem a gravidade do assédio   online . Entre as táticas que ela usou está o jornalismo de investigação, para identificar os seus agressores, e apelou publicamente às plataformas de redes sociais para que fizessem mais no combate aos abusos e reconhecessem o impacto psicológico que eles têm sobre as vítimas.

Infelizmente, a maioria das jornalistas intimidadas   online   está menos determinada em desafiar os seus acusadores. Para muitas, o medo de prejuízos para a sua reputação ou até mesmo danos físicos criou uma cultura de vergonha que desencoraja uma reação firme e digna.

Esta hesitação é compreensível; afinal de contas, existe alguma verdade no argumento que diz que confrontar   trolls   apenas alimenta os incêndios de ódioonline. Mas ao permanecerem em silêncio, os alvos e quem os apoia são basicamente vitimizados duas vezes – primeiro, pelas palavras e atos dos seus atacantes; segundo, pela impotência em dar resposta. É uma forma antiquada de dinâmicas de poder de género, atualizada para a era digital.

A maioria das jornalistas que eu conheço admite autocensurar o seu envolvimento   online . Muitas mais abandonaram completamente as plataformas de redes sociais, como o Twitter, Facebook e Instagram, apesar da pressão dos chefes em se manterem “ligadas” ao público. Para as jornalistas que já se estabeleceram, este afastamento digital pode não ser um problema assim tão grande. Mas para as jornalistas que estão no início de carreira, a decisão de abdicar das redes sociais acarreta riscos profissionais e de reputação. Por outras palavras, os abusadores virtuais estão a obrigar as mulheres da comunicação social a fazer escolhas impossíveis.

Apesar das evidências de que alguns executivos de empresas de comunicação estão a caminhar em direção à melhoria da igualdade de género, muitos não estão a dar a atenção devida ao assédio virtual. Quando discuti esta questão com vários veteranos, predominantemente líderes masculinos da indústria, a maioria ficou chocada ao ouvir que as suas colegas se sentiam assim tão ameaçadas no espaço digital. Pior, os executivos não tinham respostas adequadas sobre como resolver o problema.

A falta de sensibilização é, em parte, devido à forma como as mulheres minimizam as suas experiências   online ; muitas têm receio de que se falarem irão, de alguma maneira, afetar o seu estatuto profissional de forma negativa. Por exemplo, uma colega disse-me que não queria armar confusão em relação a uma mensagem de teor assediante que tinha recebido, porque era “apenas” uma ameaça de violação – e não uma ameaça de morte como a que uma amiga tinha recebido. Outra colega achou que a sua experiência de violência digital não iria ser levada a sério, uma vez que não tinha acontecido no “mundo real”.

Não podemos culpar as mulheres por se sentirem desta forma, mas podemos exigir mais aos executivos que são responsáveis pela segurança e proteção das suas jornalistas. Presentemente, a maioria das empresas de comunicação não consegue lutar contra o problema e se isso resultar em mais mulheres a abandonar completamente o setor, o jornalismo ficará mais inclinado para as perspetivas masculinas do que aquilo que já está.

Os ambientes jornalísticos tradicionalmente hostis – como zonas de guerra – têm, por razões óbvias, atraído mais simpatia do público e dos executivos de empresas de comunicação; alertar sobre o assédio   online   não significa diminuir os perigos que os jornalistas enfrentam nessas circunstâncias. E, no entanto, tal como qualquer jornalista sabe, os confrontos digitais também deixam cicatrizes. Se se pretende que as mulheres naveguem nas linhas da frente virtuais da indústria sem sofrer danos, não se pode esperar que entrem na batalha sozinhas.

Hannah Storm

Hannah Storm é diretora do International News Safety Institute.

 

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