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O EURO DOS POPULISTAS

22-06-2018 - Barry Eichengreen

A maioria dos italianos quer duas coisas: uma nova liderança política e o euro. Resta saber se poderão ter ambas.

A questão sobre a nova liderança é incontestável. Os dois principais partidos populistas do país, a Liga e o Movimento 5 Estrelas (M5S), recolheram em conjunto 50% dos votos nas eleições de 4 de Março e, como consequência, alcançaram maiorias nas duas câmaras parlamentares. As suas maiorias poderão ser escassas, mas estas eleições, em que os principais partidos de centro-direita e centro-esquerda não foram além dos 33%, representaram um repúdio retumbante do   status quo .

A segunda questão é menos bem conhecida, mas ainda menos controversa: sondagens recentes mostram que entre 60 e 72% dos italianos são a favor do euro. Alguns acreditam que a moeda única protege as suas poupanças, enquanto outros a consideram um emblema do estatuto da Itália como membro fundador da União Europeia. Mas mesmo que as razões divirjam, o saldo da opinião pública não se altera.

Inclinando-se perante esta realidade, os parceiros da coligação já descartaram a ideia de abandonar o euro, excluindo essa possibilidade do seu “contrato” e dos respectivos websites. A Paolo Savona, um obstinado opositor do euro, foi negado o ministério das finanças. Mas Carlo Cottarelli, cuja proposta de nomeação para chefiar um governo de tecnocratas teria sido vista com maus olhos por uma maioria dos eleitores, também não recebeu as rédeas do poder. De forma apropriada, considerando o resultado das eleições, os italianos têm actualmente o seu governo populista e o seu euro.

A sua manutenção será um outro tema. Se as medidas iniciais do novo governo não garantirem o crescimento económico, este perderá o apoio popular. Movidos pelo desespero e pela raiva, os seus líderes poderão recorrer a políticas ainda mais extremistas. O apoio ao euro também enfraquecerá, porque o governo e os seus apoiantes culparão a UE e a sua realização mais visível, o euro, pela frustração dos seus melhores planos.

Na verdade, não é difícil imaginar que se a coligação implementar os seus ambiciosos planos fiscais, instituindo simultaneamente um imposto uniforme, como propõe a Liga, e um rendimento mínimo universal (RMU), como defende o M5S, poderá ampliar o défice orçamental. Seguidamente, seria penalizada pela Comissão Europeia, considerada inelegível para apoio financeiro pelo Banco Central Europeu, e sofreria fuga de capitais. A Itália poderia rapidamente encontrar-se fora da zona euro e limitada por controlos de capitais, independentemente de este desfecho ter sido planeado pelo governo.

Com efeito, existe validade no argumento para um estímulo fiscal ponderado – embora não o tipo de estímulo fiscal previsto pela Liga e pelo M5S. Uma economia nas condições da Itália precisa de “políticas duplas”: no lado da oferta, reformas nos mercados de trabalho e de produtos, para aumentar a produtividade e a competitividade internacional; no lado da procura, estímulos que previnam as incertezas associadas às reformas e o ruído político associado à diminuição dos gastos do estado. Embora a Itália tenha um pesado fardo de dívida, também tem pouco espaço fiscal, dadas as baixas taxas de juro e um excedente orçamental primário.

Mas o que está em dúvida é se o governo usará esse espaço para fomentar novamente o crescimento. O imposto uniforme da Liga beneficiaria principalmente os mais ricos, que têm pouca propensão a gastar, e agravaria as queixas de desigualdade. E, dadas as suas graves implicações fiscais, o RMU proposto pelo M5S provocaria uma reacção acentuada dos mercados financeiros.

Uma melhor abordagem seria reduzir os impostos sobre os salários e a segurança social, reduzindo desse modo a terceira maior carga fiscal da OCDE. Isto deveria agradar aos votantes no M5S, que receberiam melhores pacotes salariais. Na medida em que os beneficiários gastassem o rendimento adicional, os cortes fiscais estimulariam a procura e o crescimento.

Mas estas reformas também promovem o lado da oferta, porque reduzem o custo do trabalho, e ao melhorarem o emprego também facilitam a transmissão de competências que melhorem a produtividade. Também deverão ser bem recebidas pela Liga, na medida em que os empresários que apoiam o líder do partido, Matteo Salvini, beneficiariam com a redução de custos e o aumento da competitividade.

A Comissão Europeia permitirá que o governo italiano exceda a meta estipulada para o seu défice orçamental? A Comissão está preocupada, como sempre, em criar um precedente perigoso. Mas deveria perceber que se contrariar todas as decisões do novo governo poderá apenas aumentar a intransigência das autoridades italianas. Se a alternativa a um défice orçamental um pouco maior, juntamente com reformas no lado da oferta, for um orçamento destrutivo, um conflito aberto com a UE, e uma enorme fuga de capitais, então a Comissão deveria pensar duas vezes.

A perspectiva das instituições da UE em Bruxelas é que, depois de ser penalizado pela Comissão e pelos mercados financeiros, o novo governo de Itália alterará o seu rumo, abandonando as suas ambições fiscais para evitar a catástrofe. Mas a perspectiva em Roma é que o novo governo tem os eleitores do seu lado, e que a Itália é grande demais para falir, e por isso quem deverá ceder será a Comissão e os outros estados-membros.

Na América existe um nome para esta situação: é um jogo de cobardia (NdT: no original, “game of chicken”). Dois carros avançam em direcção um ao outro, na velocidade máxima; o condutor que se desviar primeiro é o cobarde. Este é um jogo que nem sempre termina da melhor maneira.

Barry Eichengreen

Barry Eichengreen é professor de Economia na Universidade da Califórnia, Berkeley; Pitt Professor de História e Instituições da Universidade de Cambridge American; e ex-conselheiro sénior de políticas do Fundo Monetário Internacional. Seu último livro é Hall of Mirrors: A Grande Depressão, a grande recessão, e os usos - e abusos - de História.

 

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