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Os custos da guerra comercial

22-06-2018 - Mukhisa Kituyi

De acordo com um provérbio africano antigo, “quando os elefantes lutam, a vegetação é que sofre”. O mesmo se aplica às guerras comerciais: quando as grandes economias entrarem em conflito, os países em desenvolvimento serão os mais atingidos.

No dia 1 de Junho, a administração dos EUA aplicou direitos de importação de 25% relativamente aço e de 10% para o alumínio. Estas taxas afectarão não só a China, como também o Canadá, o México e os países da União Europeia. Segundo observou Cecilia Malmström, Comissária europeia para o Comércio, num evento realizado recentemente pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento(CNUCED), “não estamos em guerra comercial, mas poderíamos estar.” Esta situação deveria merecer a preocupação de todos.

Sabemos pela história que não há “vencedores” numa guerra comercial. Os aumentos pautais aplicados pelos grandes países representam um retrocesso dos esforços envidados desde o final da II Guerra Mundial no sentido de eliminar as barreiras ao comércio e facilitar o comércio mundial. Desde a entrada em vigor do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (GATT) em 1947, o valor médio das tarifas em vigor a nível mundial registou uma redução de 85%. Não se trata de uma coincidência, mas sim do resultado da cooperação multilateral e oito rondas de negociações sobre o comércio à escala mundial, primeiro no âmbito do GATT, e, posteriormente, no quadro da sua sucessora, a Organização Mundial do Comércio.

As reduções pautais, juntamente com a evolução tecnológica, impulsionaram a extraordinária expansão do comércio mundial a que assistimos. Em 1960, o comércio em termos de percentagem do PIB mundial situava-se nos 24%; actualmente ascende a quase 60%.

A expansão do comércio fomentou o crescimento económico, a criação de emprego e o aumento do rendimento familiar em todo o mundo. Constitui um dos factores-chave da ascensão do hemisfério Sul, onde dezenas de países em desenvolvimento registaram um forte crescimento económico e uma transformação social positiva. Além disso, tornou possível uma das mais notáveis realizações da história humana: tirar mil milhões de pessoas da pobreza em apenas duas décadas.

Contudo, a expansão comercial não beneficiou todos de forma equitativa. Em certos casos, teve como consequência a degradação ambiental e as deslocações económicas, e muitas pessoas sentem que foram deixadas para trás. É necessário abordar estas questões, que são graves legítimas. No entanto, não é através do unilateralismo que o problema deve ser resolvido. Os desafios mundiais exigem soluções à escala mundial.

Infelizmente, as acções actuais no plano comercial auguram uma situação em que todos perderão. Numa guerra comercial, as empresas de uma vasta gama de sectores perderão lucros, e os trabalhadores ficarão sem emprego. Os governos irão perder receitas, e os consumidores terão menos opções disponíveis a nível de produtos. Além disso, independentemente do local onde se encontrem, as empresas, os governos e as famílias suportarão custos mais elevados.

Pior ainda, uma guerra comercial à escala global pode pôr em risco o sistema de comércio multilateral. O resultado seria, sem dúvida, um aumento das tarifas superior ao de sempre na história recente. O trabalho de investigação da CNUCED revela que as tarifas médias poderão aumentar de níveis negligenciáveis para 30% para os exportadores dos EUA e 35% e 40% para a UE e os exportadores chineses, respectivamente. Assim sendo, mesmo que os “elefantes” tenham peso económico suficiente para resistir a uma guerra comercial, não colherão quaisquer benefícios da mesma.

É evidente que os países em desenvolvimento que não tiveram qualquer responsabilidade no desencadear do conflito teriam ainda menos condições económicas para o suportar. Em média, as tarifas aplicadas às exportações dos países em desenvolvimento poderiam aumentar de 3% para 37%. Contudo, enquanto as tarifas médias que afectam países como a Nigéria e a Zâmbia não aumentariam acima de 10%, as aplicadas ao México poderiam ascender a 60%. Da mesma forma, países como a Costa Rica, a Etiópia, o Sri Lanka, o Bangladeche e a Turquia poderiam ficar sujeitos a tarifas médias de 40-50%.

Além disso, uma guerra comercial constituiria um duro golpe para os países mais pobres do mundo, e para a esperança de duplicar, até, 2020, a “percentagem de exportações mundiais” dos países menos desenvolvidos no âmbito dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Comprometeria a frágil recuperação económica que se tem vindo a conquistar desde a crise financeira global que ocorreu há dez anos, reduzindo assim o crescimento e o desenvolvimento em todo o mundo. Limitaria também a dimensão em que o comércio poderia ser utilizado para a prossecução dos objectivos globais.

Os danos causados por uma guerra comercial seriam sentidos muito além da esfera do comércio internacional. O actual ambiente comercial reflecte uma tendência global preocupante para o unilateralismo nacionalista. Os países que ajudaram a remodelar o nosso mundo para melhor através do comércio estão agora a abandonar a cooperação internacional, e esta mudança pode implicar consequências graves noutros domínios, como os esforços envidados a nível mundial para combater as alterações climáticas e assegurar a paz e a prosperidade para todos. A maneira mais fácil de ganhar uma guerra comercial é evitá-la de forma decisiva.

Mukhisa Kituyi

Mukhisa Kituyi é secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD).

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