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A desumanidade da política europeia para os refugiados

15-06-2018 - Costas Georgiades e Luca Bücken

Para os requerentes de asilo no campo de refugiados de Moria em Lesbos, na Grécia, a palavra “quase” transformou-se num motivo de devastação. Quase conseguiram. Estão quase no fim da sua viagem brutal. Como diz Aarash, de 27 anos, oriundo de Cabul, no Afeganistão, pai de uma filha e detentor de um MBA, “No fim de contas, somos quase humanos”. E a Europa quase lhes dá as boas-vindas.

O “quase” provoca um desespero insuportável aos requerentes de asilo encurralados em Lesbos e Samos, que já passaram pelo trauma provocado pela sua jornada e pela vida nos campos. Segundo um   relatório divulgado em Outubro pelos Médicos sem Fronteiras, perto de 50% dos refugiados em Samos foram alvo de violência durante a sua passagem pela Turquia, e perto de 25% foram alvo de violência desde que chegaram à Grécia. Os funcionários que realizam avaliações à vulnerabilidade em Moria já não perguntam se alguém foi vítima de violação, mas sim com que frequência e com que grau de brutalidade.

Neste contexto, não surpreende que os residentes sofram psicologicamente. Porém, a lista de espera para tratamento psicológico tem mais de 500 nomes, o que significa que poucos chegarão a ter qualquer apoio. Entretanto, uma pequena clínica em Moria gerida pela Emergency Response Center International, uma organização grega sem fins lucrativos, é confrontada diariamente com casos de automutilação, e o suicídio não é incomum.

O especialista em traumas Paul Stevenson descreveu um síndroma de desmoralização, que observou durante o seu trabalho em centros de detenção de migrantes em Nauru, ao largo da costa Australiana. Depois de uma catástrofe natural, refere, a incidência do stress pós-traumático é de cerca de 3%. Depois de um ataque terrorista, esse valor sobe para perto de 25%. No caso da tortura e do encarceramento, salta para 50%, porque essa “é considerada a situação mais desmoralizadora” que alguém pode viver.

A tortura psicológica e o encarceramento são, efectivamente, aquilo que os requerentes de asilo no campo de Moria hoje enfrentam. Embora lhes seja permitido entrar e sair quando querem, não existem áreas habitacionais alternativas nem pontos de distribuição de alimentos. E as condições do campo caracterizam-se por instalações superlotadas e inadequadas – cerca de 6600 requerentes de asilo residem actualmente num campo construído para 3000 – para não falar da ameaça constante de abusos.

Esta situação contrasta acentuadamente com a narrativa da União Europeia. Um ano depois da crise europeia dos refugiados – ou, mais precisamente, da crise de gestão dos refugiados – ter atingido o seu auge no Verão de 2015, a UE declarou que a situação estava sob controlo. Mas embora seja verdade que o número de refugiados que chega às praias da Europa tenha diminuído, qualquer pessoa que tenha ido ultimamente a Lesbos sabe que a crise está longe de ter terminado.

Os analistas compararam as políticas de asilo e de segurança da UE para o Mediterrâneo desde 2015 à construção de uma "fortaleza Europa”. Se a UE é uma fortaleza, o campo de Moria é a sua câmara de tortura, com condições de pesadelo que já foram bem documentadas. Esta deixou de ser uma “crise de refugiados” ou uma “crise de gestão de refugiados”. Actualmente é uma crise humanitária, por definição. Considerando os dados e recursos da UE, este resultado só pode ser encarado como intencional.

Com efeito, permite-se que prevaleçam condições terríveis nos campos de refugiados, porque as autoridades querem dissuadir outros requerentes de asilo – incluindo alguns que não terão qualquer direito à protecção internacional – de tentarem a entrada, e até mesmo impelir alguns que já aí se encontram a voltarem para casa. Melhorar as condições dos campos e permitir que os refugiados cheguem à Grécia continental, diz a lógica, contribuiria para um novo aumento nas travessias. O supremo tribunal administrativo da Grécia questionou a legalidade desta política de contenção, uma consequência do controverso acordo entre a UE e a Turquia. Contudo, o governo grego contestou a decisão do tribunal.

Isto representa uma estratégia impiedosa e cínica de desrespeito irresponsável pela dignidade humana, justificada por um discurso fanático e por narrativas tendenciosas. Estarão os cidadãos e os líderes europeus realmente preparados para abandonar valores básicos como a solidariedade e a empatia, por um futuro de muros guardados por mercenários Líbios, um acordo possivelmente ilegal com a Turquia, e condições inconcebíveis para as pessoas que procurem refúgio da pobreza e dos conflitos que a Europa ajudou a criar?

Contra toda a lógica, e apesar de “quase” atrás de “quase”, os residentes do campo de Moria continuam a confiar em que a Europa não demore a recordar e respeitar os seus compromissos de defesa dos direitos humanos. Entretanto, demonstram que é frequentemente em condições desumanas que a humanidade brilha com mais fulgor.

Os recém-chegados recebem apoio das suas comunidades, incluindo lições para sobrevivência no ambiente desmoralizante do campo. As várias comunidades étnicas do campo agem frequentemente em conjunto para garantirem que os compatriotas que desenvolvem psicoses, por exemplo, estão entre as pessoas que recebem tratamentos. Waqi, apesar de ter sofrido um incrível trauma pessoal antes e depois da sua chegada à Grécia, trata das crianças de duas famílias, já que os pais das mesmas, vítimas de depressão, não o podem fazer.

Isto não tem de ser assim. Foram propostas muitas políticas prometedoras, com potencial para criar um processo de asilo seguro e humano. Estas propostas incluem  vistos humanitários, compatibilização de preferências entre países de acolhimento e requerentes de asilo, realojamento, e um muito maior apoio para os países da linha da frente.

A defesa destas soluções poderá não ser confortável, nem popular do ponto de vista político. O desenvolvimento e a implementação de novas políticas de asilo que respeitem os direitos e a humanidade dos requerentes de asilo precisarão, então, de uma liderança corajosa. Mas o   status quo   é claramente inaceitável.

Costas Georgiade

Costas Georgiades é consultor júnior de política na Universidade de Maastricht, membro do conselho da Rede de Jovens Embaixadores da Paz e e um dos Jovens Embaixadores.

Luca Bücken

Luca Bücken é Assessor de Assuntos Públicos da Universidade de Maastricht, Director de Parcerias da Literatura e jvem Embaixador Mundial.

 

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