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A China e o Futuro da Democracia

18-05-2018 - Barry Eichengreen

LONDRES – Tornar-se-á a China a principal potência económica e geopolítica do mundo? Terá já alcançado este estatuto, como supõem algumas pessoas? E se a resposta a estas questões for afirmativa, quais são as implicações globais para o futuro da democracia?

Os indicadores da ascensão da China são claros. A China está preparada para ultrapassar os Estados Unidos em termos do PIB agregado nas próximas duas décadas, embora a previsão do momento exacto dependa dos pressupostos sobre as taxas de crescimento das duas economias e a taxa de câmbio usada para a conversão entre o renminbi e o dólar. A China já é a principal economia comercial do mundo, e o seu impulso para internacionalização do renminbi  teve como consequência que uma parte crescente desse comércio esteja a ser liquidada na sua própria moeda, desafiando potencialmente a posição do dólar como a principal divisa global.

Além disso, a China está a injectar investimento estrangeiro em economias por toda a África e na Ásia Meridional, conseguindo bases militares e outros activos geoestratégicos  junto dos seus parceiros comerciais altamente endividados. A sua Iniciativa de Portos e Estradas está a fomentar ainda mais o investimento externo da China e a fortalecer as suas ligações económicas através do continente Eurasiático.

E depois temos o poder cultural da China: os seus programas escolares, trocas culturais, espaços museológicos e projectos da UNESCO.

Esta influência geostratégica crescente, este poder cultural ascendente e, acima de tudo, o seu sucesso económico continuado sugere que os outros países verão a China como um modelo a igualar. Serão atraídos pelo seu modelo político, que foge do caos da democracia ocidental, preferindo um controlo administrativo centralizado. Esta atracção é ainda mais sedutora num cenário em que a administração Trump demonstra uma abordagem incoerente à governação, em que os conservadores Britânicos exibem esforços atabalhoados para a gestão do Brexit, e em que a Itália mostra a sua incapacidade em formar governo, para citar apenas três exemplos de confusão democrática.

Em contrapartida, quanto mais poder, prosperidade e estabilidade forem projectados pela China, maior será o apelo do seu modelo autoritário. Os observadores em países emergentes e em desenvolvimento têm razão em notar que, nos sistemas democráticos, as decisões são de consecução dispendiosa e de difícil manutenção. Tanto o processo, como os seus resultados, são pouco fiáveis. A abordagem da China, que dá frutos há duas gerações, tem mais pontos a seu favor, especialmente na perspectiva dos países pobres, onde a prioridade é o crescimento sustentado.

Isto aponta para a inevitabilidade, diz-se, de que mais países imitarão a governação chinesa. E esta observação lança sérias dúvidas sobre o futuro da democracia.

Mas esta previsão confiante esquece um ponto crucial. A democracia pode ser confusa, mas contém um mecanismo incorporado para correcção do rumo. Quando a política corre mal, os governantes em exercício responsáveis pelo erro podem ser, e são-no frequentemente, destronados pelo voto, para serem substituídos, pelo menos em princípio, por rivais mais competentes. 

Um regime autoritário não possui um mecanismo análogo de ajuste automático. Os líderes autocráticos não desistem facilmente do poder e poderão, a seu critério, insistir em políticas falhadas. Não existe um modo ordeiro para obrigá-los a fazer o contrário. Uma revolta popular, como o movimento Solidariedade na Polónia, ou uma revolta danomenklatura, como na União Soviética, podem forçar a mudança. Mas isto só costuma acontecer quando é preciso ultrapassar um impasse político – e tem normalmente um custo elevado em termos de violência pública e perda de vidas.

Além disso, a ideia de que os líderes chineses continuarão indefinidamente a evitar erros políticos sérios, e de que a sua capacidade enquanto gestores de crises nunca será testada é, muito simplesmente, ilusória. Basta um choque, entre vários – a falência de uma empresa sobre-endividada, a divulgação de problemas ocultos em instituições financeiras chinesas, um pico nos preços globais da energia, ou um acontecimento geopolítico grave – para que o crescimento comece a decair. A abertura dos mercados financeiros da China aumenta a exposição da economia a fluxos voláteis de capital e aumenta as hipóteses de fuga de capitais. E a China, estando tão perto como está da Coreia do Norte, não tem uma boa vizinhança geopolítica.

Em resumo, as coisas acontecem, e se os líderes Chineses não conseguirem gerir bem as consequências quando isso ocorrer, o público poderá virar-se contra eles. O modo como o regime responder nesse caso condicionará a história futura. E esta pode ser uma história - lembram-se da “Praça Tiananmen”? – que nenhum governo quererá repetir no seu país.

Claramente, a China está a emergir como uma potência mundial, ainda mais depressa do que se preveria, dado que os EUA estão a começar a ser vistos como parceiros pouco fiáveis, e apenas preocupados com a defesa dos seus interesses – à custa dos outros países, se for necessário. Mas a crença em que a China continuará a crescer a taxas elevadas durante um período alargado viola a primeira regra da previsão: não extrapolar o presente para o futuro. Num determinado momento, a China encontrará obstáculos no seu caminho, e não existem garantias de que os seus líderes admitam os seus falhanços e ajustem as suas políticas em conformidade.

Nessa altura, o modelo chinês de controlo político intenso parecerá menos atraente aos outros países, especialmente se o regime reprimir severamente a sociedade civil. Nesse caso, a democracia poderá mesmo vir a ter um futuro.

Barry Eichengreen

Barry Eichengreen é professor de Economia na Universidade da Califórnia, Berkeley; Pitt Professor de História e Instituições da Universidade de Cambridge American; e ex-conselheiro sénior de políticas do Fundo Monetário Internacional. Seu último livro é Hall of Mirrors: A Grande Depressão, a grande recessão, e os usos - e abusos - de História.

 

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