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A maior mentira do mundo

20-04-2018 - Pablo González Casanova

O império norte-americano nunca havia mentido tanto como hoje, ao ignorar o poder que perdeu.

As ridículas e pedantes ameaças de seu grande chefe, como suposto defensor da democracia, são vistas como as de um demente que, ao amedrontar o mundo com seu imenso poderio, não convence mais ninguém, nem mesmo com a desfaçatez das suas mentiras. São preocupantes as suas declarações e decisões, devido à ferocidade insana que expressam, e que podem terminar em um holocausto que ele mesmo viveria, em seus últimos momentos, e compartilharia com todo o país que governa.

O problema é ainda mais grave, porque Mr. Trump, com sua alarmante cólera de Zeus tronante, é somente uma expressão da crise e da cegueira da qual padecem as classes dominantes do seu império, e de outros que, em uma ofensiva mundial, o apoiam, combinando seu silêncio cúmplice com seus meios de comunicação massiva, em um concerto de interesses e ganâncias em comum.

As potências dominantes e os diferentes apoios financeiros, militares, políticos e midiáticos dos quais se servem, em geral, deixam de lado seus distintos estilos de dominação e acumulação, e arremetem em função do poderio de seus donos e senhores, e dos interesses que uns e outros pretendem defender como valores respeitáveis, dos que cada vez mais se burlam, como a democracia, os direitos humanos e o estilo de vida civilizado, honorável e eficiente.

No caso dos Estados Unidos, os interesses e valores que realmente movem os senhores das grandes corporações os levam a apoiar, em suas zonas de influência e nas regiões que dominam – caso da América Latina e do Caribe –, governos golpistas ou encabeçados por multimilionários. Temos exemplos de ambos os casos com Michel Temer no Brasil e Mauricio Macri na Argentina. Ambos agem, em seus países, para destruir o poder dos movimentos de tendência socialista, nacionalista ou moderadamente patriótica, debilitando-os com variadas medidas de repressão, cooptação, pressão e, no caso dos governos vizinhos de caráter progressista, ajudando na desestabilização, seja contra a invicta Cuba, a cada vez mais contraditória Bolívia, a desmantelada Nicarágua ou o já traído Equador.

Mais que isso, muitos triunfos de revoluções passadas, e rebeliões ou movimentos progressistas, terminaram sofrendo com o fogo amigo como o tempo. As contradições afetaram sobretudo os processos mais recentes, onde as lutas e vitórias democráticas e sociais também trouxeram políticas que terminaram possibilitando a desestruturação, desintegração e desorganização. Nesse equívoco, que já havia levado ao fracasso as antigas revoluções, como a mexicana, agora afetou também o de alguns governos populares e seus sucessores, onde também temos casos recentes no Brasil e na Argentina. Muitos países da chamada “onda progressista latino-americana” aplicaram medidas de efeitos diretos e indiretos que, ao adotar a lógica do mercado e da globalização neoliberal privatizadora do Estado, terminaram promovendo, de um lado, a cultura do individualismo, do enriquecimento multimilionário e da macrocorrupção, e por outro, o desmantelamento do Estado-nação, ou de seus poderes, suas empresas e recursos estatais e nacionais, assim como a perda de sentido do interesse geral e do bem comum nos partidos políticos. Descartadas as ideologias e programas de governo, com alternativas que não mostram possibilidade alguma de serem viáveis, seja do ponto de vista social ou em projetos visando o futuro, a política agora se limita a oferecer o combate à corrupção, ou ao narcoterrorismo, sem explicar como o farão. Partidos e políticos profissionais dos governos de turno e das oposições sequer defendem um programa político que impeça o despojo dos recursos das nações, ou mesmo uma moderação levemente patriótica que se proponha defender ao menos a educação pública, ou que seja capaz, por sua política financeira e econômica de proporcionar emprego e segurança social aos formados. Mais que isso, nenhum partido político apresenta e defende um programa de controlo monetário e produtivo, ou de serviços. Tampouco propõem medidas necessárias para acabar com a sistemática acumulação das terras nas mãos de poucos, ou com os consequentes problemas do desemprego rural, as crescentes migrações de camponeses já sem fontes de vida e de trabalho, enquanto as grandes corporações agrícolas, mineiras e industriais impõem o terror e o narcotráfico no campo, deixando as comunidades sem segurança, sem território, sem terra, sem água, sem alimentação, sem saúde…

Assim, enquanto nenhum partido ou movimento institucional defende um programa coerente, que permita sair de tão grave situação, surge uma crescente rejeição aos imigrantes que tentam se refugiar nos países sede das corporações e do poder imperial. Desestruturadas, as nações em desenvolvimento já não têm nada a oferecer. Seu papel no simulacro de democracia neoliberal é garantir que os que obtém os cargos de eleição popular sejam os que vão fazer negócios com a venda dos bens que os Estados ainda conservam, sabendo que, se chegam a ser acusados de corrupção, nada acontecerá, ninguém os perseguirá, e se perseguem, tampouco poderão encontra-los. Tudo isso acontece porque, do começo ao fim, de cima para baixo, a corrução e o capitalismo tardio formam parte do atual sistema global e seu funcionamento, como política da acumulação através da transferência de renda aos mais ricos, e da exploração dos recursos humanos e naturais com as tecnologias mais avançadas e a mão-de-obra mais mal paga – quando não é simplesmente escravizada. Como os benefícios da ação formal e legal cabem na ordem dos delitos para seus beneficiados principais do centro e da periferia, os grandes bancos, que dominam o sistema, estabeleceram suas próprias redes de paraísos fiscais, que ademais servem para não pagar impostos ao fisco e esconder os bilhões desviados por velhos e novos multimilionários, que se enriquecem mais e mais, com todo tipo de alianças e apoios das corporações e bancos. Utilizam uma linguagem enganosa para justificar as crescentes taxas de juros e gerar dívidas impossíveis de pagar. Tudo isso cria um sistema de recolonização financeira, que conta com as empresas qualificadoras, como a Moody’s, e com uma rede de bancos vampiros, dependentes ocultos da grande banca.

Esses e muitos outros tipos de dominação e acumulação são os que caracterizam o sistema. Essa é maior mentira do mundo: dizer que defendem, com o aberrante pretexto de que correspondem às mais novas e eficazes políticas científicas, a luta pela democracia e pela liberdade, argumentos com os quais promovem uma guerra integral, formal ou informal, pacífica e violenta, a todos os movimentos e países que atentam contra seus valores e interesses. O problema, para este grande mentiroso – e por isso essa mentira se encontra assim tão escancarada –, é que decidiu fazer da vítima prioritária nesta região o atual governo da Venezuela.

O governo dos Estados Unidos – com o apoio das grandes potências do Ocidente – lançou a mais feroz ofensiva contra o pequeno e valoroso país da Venezuela, cujo patriótico, rebelde e democrático governo é acusado de oprimir o povo e deixa-lo à mercê da fome e da escassez, quando, na realidade, é um país que, com seu governo e a imensa maioria de seus cidadãos, está plenamente identificado com uma das mais importantes lutas libertadoras do nosso tempo.

Na ofensiva integral e crescente, o governo dos Estados Unidos e o complexo empresarial, militar, político e mediático do qual ele forma parte, mostram a mesma sanha que, desde 1959, vem mostrando contra a Revolução Cubana, que sofre com os ataques ao país que é seu principal provedor de combustível – e com esses recursos, caso continue os recebendo, a ilha pretende passar a impulsar novamente um maior desenvolvimento igualitário. Contra isso, os Estados Unidos fomentam e toleram um crescente mercado negro, e criam, eles mesmos, misteriosos e improvados ataques de som criminosos, como a curiosidade de que vitimaram apenas o pessoal da embaixada estadunidense, e ninguém mais nos arredores. Com esse tipo de farsa, pretendem renovar o medo contra a “ditadura comunista”, com a qual é impossível manter boas relações diplomáticas e comerciais.

Paradoxalmente, e como já ocorreu na longa história do processo revolucionário em Cuba, diante do insistente e crescente ataque contra a Venezuela, nem o poderoso império – que, com suas incontáveis mentira, diz fazer todo o possível para salvar o povo venezuelano de uma nova e feroz ditadura – nem o povo empobrecido e rebelde conseguem derrubar o “inepto governo”, e por isso o império se vê obrigado a promover outra farsa, sustentando que a situação política de Venezuela representa um “grande perigo para a segurança nacional dos Estados Unidos”.

Semelhante argumentação não é algo novo, pois antes se dizia que tudo era parte de uma estratégia de defesa conta o projeto comunista. Hoje, com a maior parte do mundo dominada pelo capitalismo, uma justificativa assim é francamente ridícula. O governo da Venezuela está muito longe de ser um perigo para a segurança dos Estados Unidos. Na verdade, é óbvio que o superpoder imperial esconde algo mais do que a suposta defesa do povo da Venezuela contra “um governo inepto, repressivo e corrompido”, para a qual tenta instaurar no país outro governo que sim respeite a democracia e a liberdade do povo venezuelano, tal como esses conceitos são entendidos pelo império, como nos casos do Brasil, onde recentemente colocaram no poder um presidente, através de um golpe brando, e da Argentina, onde apoiaram o multimilionário Macri, que adquiriu sua imensa fortuna de forma comprovadamente ilegal.

Também vale a pena observar o silêncio cúmplice e o apoio velado das grandes potências do mundo ocidental, de seus governos e seus meios de comunicação massiva, que validam uma versão uniforme da realidade, mais que em outros tempos, e participam de um ataque subsidiado por milhões de dólares entregues aos meios de comunicação aliados, os quais se agregam à luta contra o “bárbaro, cruel e inepto” governo da Venezuela”.

A denúncia da “barbárie” e das “barbaridades” do governo venezuelano contra o seu próprio povo mostram uma estranha coincidência com os argumentos do governo de turno dos Estados Unidos, forma parte de uma bem coordenada campanha apoiada tanto em imagens de foto e vídeo quanto em análises publicadas nas páginas editoriais dos grandes diários do mundo, assim como comentários e notícias nas redes sociais, ou nos foros econômicos e políticos que defendem os direitos humanos. Para o desagrado maiúsculo dos apátridas, essa campanha sofreu uma grande e inesperada derrota quando o governo venezuelano convocou o referendo para a instauração de uma nova assembleia constituinte que, verdadeiramente represente o povo, e que tem a força para conduzir e organizar eleições nas que a máfia opositora, supostamente democrática, se nega a participar, com ridículos pretextos de perdedora, sabendo que enfrentar as ruas agora revelaria uma oposição que sofre com uma grande impopularidade.

Aqui é o momento de esclarecer que outras medidas o império e as forças oligárquicas empresariais, locais e internacionais – de países como Colômbia, Brasil e outros vizinhos alinhados – montaram para desestabilizar e derrubar o governo “inimigo da civilização, da democracia, dos direitos humanos e da segurança dos Estados Unidos”. Também é necessário explicar que o imperialismo já havia empregado, em intervenções anteriores, uma estratégia que parece ser aperfeiçoada, com o tempo e o auxílio das tecnociências da comunicação, que é a construção mentirosa de narrativas que comprovem as acusações feitas e as novas mentiras que aparecem para apontar a ineficácia do governo e das instituições do Estado. Também se faz necessário mostrar que, em outros casos, em outros países, não se trata só de publicar essas mentiras, mas também de semear provas que levem a um processo judicial humanitário, por tribunais que as grandes potências integram e dominam, e que agora julgam os governos das nações recolonizadas.

A síntese desses fatos terá que incluir também outra circunstância significativa: tamanha mentira não deve ser atribuída somente ao governo de Trump e das oligarquias que o acompanham. Tudo o que vemos agora começou durante o governo neoliberal e globalizador de Barack Obama, o que nos obriga a repetir estes fatos para não seguir alimentando a crença de que se trata da política de um presidente mentalmente insano, e sim de uma metodologia instalada pelo império, falsamente atribuída a um indivíduo.

Tampouco podemos fazer uma perfeita síntese da maior mentira do mundo se não falamos de outra grande razão que se esconde sob a nobre luta, para nos perguntar: por que tão grandes batalhas, e tão poderosas forças, com tamanhas técnicas e políticas antigas e modernas, agora renovadas e enriquecidas com as novas ciências e tecnociências, não são capazes de derrubar o supostamente ditatorial e bárbaro governo de Venezuela, que destrói, desgoverna, empobrece e mata de fome as pessoas em seu próprio país? Por quê?

Numa análise mínima das tentativas de derrubar esse governo, podemos destacar algumas das muitas razões políticas pelas quais a resistência venezuelana tem triunfado, e seguirá triunfando.

A enorme capacidade de resistência começou quando o comandante Hugo Chávez mostrou, com palavras e com ações, que a revolução venezuelana tem um caráter anti-imperialista e anticapitalista, e que devia e podia organizar uma nova força apoiada pelo exército bolivariano venezuelano, junto com um crescente sistema de poder baseado na estruturação de comunas e de redes de comunas, seus conselhos e comissões promotoras e coordenadoras.

Na Venezuela, se construiu uma resistência invencível, que o presidente Chávez formulou e entregou ao seu sucessor, Nicolás Maduro que a mantém, a enriquece. É essa resistência a que apoia cada um dos seus atos de governo e que explica o conteúdo dos seus discursos e entrevistas. Em todas as suas declarações sempre aparece com força a coincidência de que suas palavras têm, tanto nos fatos como na estruturação, a sintonia com a realidade ética de que Chávez foi o precursor de um novo projeto de revolução, não só venezuelana como bolivariana, original não só pelo fato de que foi apoiada desde o princípio e até agora pelo sucesso das políticas sociais, especialmente após o fracassado golpe de Estado de 2002, protagonizado por militares traidores, que logo foram dominados e presos pelo seu próprio exército, com o apoio de uma imensa multidão que desceu dos morros de Caracas para libertá-lo e protegê-lo, convencidos de que era o mais valioso defensor do povo. Assim, Chávez passou a governar com mais firmeza e apoio, e conseguiu unir aqueles que, fossem civis ou militares, tinham a convicção ética e política de trabalhar pelos empobrecidos povos do mundo. Povos e exércitos que façam seus os interesses gerais podem construir, e construirão outro mundo, que sem dúvida é possível, em que a organização da vida e do trabalho sejam capazes de alcançar a prática concreta da liberdade, da justiça, e uma genuína democracia estruturada, dando poder aos cidadãos, diferente das que deixam os pobres de fora, às vezes até sem direitos formais de serem considerados como cidadãos, reduzidos à condição de servos ou assalariados.

Nas alternativas ao mundo atual, o Movimento 26 de julho, em Cuba, e o Exército Zapatista de Libertação Nacional, no México, abriram caminhos de vida, liberdade, justiça e democracia que são referências universais. Junto com eles está o exemplo da Venezuela, iniciado pelo comandante revolucionário Chávez, que não só expressou as formas éticas e ideológicas que Nicolás Maduro, seu indiscutível herdeiro, segue fielmente, como também as formações da luta moral na qual se fundamenta a prática, com a estruturação dos programas e das políticas, um planeamento que vai muito além das palavras, verdadeiro estatuto sobre o que deve ser uma sociedade livre, democrática e socialista. Uma cartilha que sai das palavras e define as ações.

Assim, quando queremos falar sobre porque a grande mentira não foi capaz de derrubar o governo revolucionário da Venezuela, temos que explorar tanto os ideais e valores dos insubmissos como os que se fazem realidade na variada organização da resistência militar, à qual se inclui a forte e estruturada resistência intelectual e moral.

Ao poder dessa união estão adicionadas outras forças não menos importantes, como o poder defensivo para esta guerra integral – chamada de quarta geração –, cujo campo de luta abarca todas as atividades materiais, intelectuais, financeiras, econômicas, políticas e bélicas, articuladas entre si. E tudo isso respeitando e fazendo respeitar as diferenças religiosas e filosóficas, que no caso da Venezuela se identificam na maneira de pensar e de agir de seus dirigentes, como o fez reiteradamente Chávez, com o catolicismo como guia religioso e o marxismo como guia científico e revolucionário, e com o liberalismo ilustrado e radical como apoio, como foi para Bolívar, o pai da Pátria. Valores do Iluminismo que estão presentes desde a revolução francesa e que foram reformulados na América Latina pelos que propuseram lutarem pela independência. Hoje, o desafio é estruturar a soberania do povo, única autoridade legítima das nações, e por isso, capaz de impor, com seu poder organizado, a máxima felicidade possível de todos os habitantes, e capaz de alcançar, de verdade, a união dos países numa grande nação que inclua a todos.

A maior mentira do mundo é a mesma que o imperialismo usou para derrubar Salvador Allende em seu momento, e não há dúvidas que a Venezuela está trabalhando para fortalecer sua capacidade concreta de enfrentar essas políticas que agora ameaçam o seus país, seja através dos embargos, das desvalorizações da moeda, do ocultamento de provisões ou dos traidores infiltrados nas Forças Armadas.

A maior mentira do mundo pode seguir armando novas formas de ataque, como a que busca com os serviçais presidentes de outros países, reunidos numa espécie de cúpula das colônias, e que apoiam a falsa realidade. Porque, por trás da maior mentira do mundo está uma guerra visando se apoderar da maior reserva de petróleo do mundo.

Não passarão!

Pablo González Casanova é um sociólogo e doutor em ciências políticas da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), condecorado pela Unesco em 2003 por sua defesa da identidade dos povos indígenas da América Latina.

Fonte: La Jornada, do México

 

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