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Como a corrupção entrava a cobertura universal dos serviços de saúde

13-04-2018 - Sania Nishtar

ISLAMABAD – Metade do planeta não tem acesso aos serviços de saúde essenciais. Para muitas pessoas, pagar para ter uma consulta médica, obter medicamentos, procurar aconselhamento no âmbito do planeamento familiar ou, inclusivamente, obter vacinação para as doenças comuns é uma escolha entre permanecer saudável ou aumentar a sua pobreza. Além disso, as opções de que as pessoas carenciadas dispõem em termos de cuidados de saúde estão a ser, mais do que nunca, abaladas por um inimigo conhecido.

Em muitos países de rendimento baixo e médio, a corrupção, os gastos inadequados e o desperdício de recursos constituem desafios permanentes para os sistemas de cuidados de saúde. Tendo crescido no Paquistão, pude testemunhar situações de pessoas que se viram forçadas a tomar atitudes extremas para assegurarem os cuidados de saúde. Por exemplo, algumas famílias podiam ver-se forçadas a vender o gado e outros bens valiosos para pagarem contas médicas exorbitantes.

O que é chocante é que o flagelo da pobreza relacionada com a saúde continua a causar vítimas actualmente. De facto, em alguns países, as situações de pessoas que caem na pobreza devido ao elevado custo dos cuidados de saúde são uma realidade diária.

Numa viagem que fiz recentemente a África, ouvi uma história perturbante de um hospital onde as mulheres e os seus recém-nascidos ficam frequentemente retidos - por vezes durante meses - até que as famílias consigam reunir a verba suficiente para regularizar as suas contas. De acordo com investigadores da Universidade da Califórnia, em San Diego, a corrupção, o desperdício e a facturação anti-ética têm um custo anual para os doentes e para os sistemas de saúde que ascende a milhares de milhões de dólares. Nos EUA, cerca de 10% da despesa do sector público em cuidados de saúde é desperdiçada em resultado da facturação fraudulenta e dezenas de milhões de pessoas enfrentam barreiras económicas significativas no acesso aos cuidados de saúde.

É evidente que melhoria dos resultados sanitários requer o aumento da despesa pública e a cessação das prácticas duvidosas que espoliam o sistema de saúde de recursos fundamentais. A questão que se coloca é: como?

Em todo o mundo, a corrupção e o conluio estão institucionalizados em muitos sistemas de cuidados de saúde. Dos 6,5 biliões de dólares gastos anualmente em cuidados de saúde, estima-se que cerca de 455 mil milhões de dólares são perdidos, indevidamente utilizados ou usurpados. Em termos práticos, os custos com a saúde estão a levar à falência algumas das pessoas mais carenciadas do mundo, porque muitos dos mais abastados estão a encher os bolsos.

 

Existe um consenso crescente quanto ao facto de os cuidados de saúde economicamente acessíveis e de qualidade constituírem um direito humano básico. Os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU incluem a cobertura universal de saúde como um objectivo. Não foram só os países ricos que adoptaram este objectivo: desde a Tailândia até à Costa Rica e ao Ruanda, países com sistemas de saúde mistos e recursos limitados concederam fundos e capital político para tornar a saúde universal uma realidade.

Estão em curso medidas para ajudar estes países a serem bem-sucedidos. No ano passado, o Japão disponibilizou um fundo de 2,9 mil milhões de dólares para ajudar os países em desenvolvimento a alcançar a cobertura universal de saúde. Além disso, o Banco Mundial indicou que a capacidade de um país contrair um empréstimo junto desta instituição poderia acabar por ser associada a investimentos em capital humano, incluindo gastos com a saúde.

Contudo, estas acções, embora louváveis – e há muito necessárias – não serão suficientes para remover as barreiras que se colocam aos serviços de saúde de qualidade. Enquanto a corrupção, a usurpação e as despesas desnecessárias e ineficientes não forem abordados de forma mais vigorosa, a cobertura universal de saúde continuará a ser uma utopia.

Felizmente, os governos estão cada vez mais empenhados em resolver a crise da corrupção. A evasão fiscal e a fraude - ambos crimes comuns - estão a ser objecto de uma fiscalização maior por parte dos serviços de aplicação da lei. A evasão fiscal permite não só a lavagem de dinheiro como também depaupera o sector público de recursos importantes. Esta é uma das razões pelas quais a ONU integrou a redução dos fluxos financeiros ilícitos como um componente-chave para a concretização dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável.

Existindo amplo consenso quanto à necessidade de combater a corrupção no sector da saúde, o desafio mais árduo será desenvolver soluções exequíveis. Os tesouros públicos, os ministérios das finanças e as agências nacionais de combate à corrupção devem intensificar os seus esforços no sentido de cooperar na prevenção, detecção e aplicação das medidas. A melhoria da transparência nos sistemas financeiros também pode refrear a corrupção, ao passo que os grupos da sociedade civil, os jornalistas e os doentes devem exercer pressão no sentido de uma maior responsabilização dos governos e dos serviços médicos.

No futuro, as novas tecnologias como a prospecção de dados, a inteligência artificial e a cadeia de blocos poderão proporcional novas formas de detectar irregularidades no sector da saúde; estas e outras ferramentas deverão ser criteriosamente analisadas.

O aumento do acesso aos cuidados de saúde e a protecção das finanças do sector são dois desafios que a comunidade internacional deve abordar em conjunto. É necessário agir sem demora. As taxas de doenças não transmissíveis tais como o cancro, a diabetes e as doenças cardiovasculares estão a aumentar quase exponencialmente, e a falta de acesso a cuidados de qualidade contribuirá para os desafios que se colocam à governação de muitos países.

Os estrategas na área do desenvolvimento defendem que a saúde precária constitui um prenúncio da pobreza e um entrave à erradicação da mesma. Actualmente, cerca de 800 milhões de pessoas gastam, pelo menos, 10% do seu orçamento familiar na saúde, contraindo frequentemente empréstimos para financiar os tratamentos de que necessitam. O facto de tantas pessoas não poderem pagar uma consulta médica é verdadeiramente lamentável. O mundo carece de cobertura universal de saúde; porém, para alcançá-la, o sector da saúde mundial deve, ele próprio, ser submetido a um tratamento.

Sania Nishtar

Sania Nishtar é co-presidente da Comissão Independente de Alto Nível da Organização Mundial da Saúde para Doenças Não-transmissíveis, ex-ministra federal do Paquistão, e fundadora e presidente da Heartfile.

 

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