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Carta de Paris: Sarkozy indiciado no affaire que o liga a Muamar Kadhafi

30-03-2018 - Leneide Duarte-Plon

As acusações que pesam sobre Sarkozy são muito sérias. Desde 2012, o site de jornalismo online "Mediapart" revelou um documento e diversos indícios de que o coronel Muamar Kadhafi havia financiado a campanha do ex-presidente, eleito em maio de 2007.

No dia 22 de março de 1968, há 50 anos, começou o "Maio de 68" na França, quando um grupo de 300 estudantes atacou a sede da empresa American Express em Paris, perto da Ópera, para protestar contra a guerra do Vietnam e um deles foi preso.

À noite, em Nanterre, uma assembleia de estudantes deflagrava a revolta social que mais marcou o panorama francês no século XX. Greves de estudantes e de operários, passeatas, enfrentamento com a polícia no Quartier Latin ficaram para a história. De Maio de 68 emergiram diversos movimentos trotskistas, marxistas e maoístas e um dos estudantes virou um ícone internacional: Daniel Cohn-Bendit.

Este ano, os jornais e TVs francesas tinham uma atualidade quente para dividir o espaço com os 50 anos da revolta estudantil.

Neste 22 de março de 2018, em todo o país milhares de pessoas foram às ruas para defender o serviço público na mira do macronismo e suas reformas neoliberais. Os ferroviários tinham motivos de sobra para sair em passeatas em todas as grandes cidades: estão ameaçados de perder o estatuto de funcionários públicos com a "abertura à concorrência" prevista para a SNCF, a empresa estatal de trens do país, que religa a França de norte a sul e de leste a oeste.

"Abertura à concorrência" é um dos eufemismos da novilíngua do atual governo, sinônimo de privatização, refutada pela maioria dos franceses. Para lutar contra o rolo-compressor do macronismo, os ferroviários vão fazer uma greve de três meses, alternando dias de trabalho e de greve em todo o território nacional.

Contas de campanha

No mesmo dia, os jornais anunciavam com grande destaque que o ex-presidente Nicolas Sarkozy tinha sido indiciado depois de dois dias de interrogatório em Paris.

As acusações que pesam sobre Sarkozy são muito sérias. Desde 2012, o site de jornalismo online "Mediapart" revelou um documento e diversos indícios de que o coronel Muamar Kadhafi havia financiado a campanha do ex-presidente, eleito em maio de 2007. Depois de uma ligação que durou quatro anos, o ex-presidente foi indiciado por "corrupção passiva, financiamento ilegal de campanha eleitoral e receptação de fundos públicos líbios desviados".

"Sarkozy e o espectro de um affaire de Estado", intitulou o "Le Monde" na primeira capa, com reportagem detalhada em mais quatro páginas, além do editorial. Todos os jornais trataram do escândalo, a primeira vez em que um presidente francês se envolve em um affaire tão grave pois a se confirmarem os indícios, o presidente foi eleito de forma totalmente ilegal, financiado por um ditador nada frequentável, Kadhafi, que anos depois ele próprio ajudaria a derrubar, aliado à Inglaterra e aos Estados Unidos.

A própria morte de Kadhafi, em 2011, executado na rua depois de preso, já foi atribuída a agentes do serviço secreto francês.

É verdade que Sarkozy tem a presunção de inocência a seu favor, enquanto não forem provadas as acusações que pesam contra ele.

Particularmente, acho que ele tem tudo de um chefe mafioso e como advogado de formação não iria receber cheques nem dar recibos. Segundo uma das testemunhas, o franco-libanês Ziad Takieddine, que diz ter transportado 5 milhões de euros em três viagens, tudo vinha em malas de notas de 500 e 200 euros. E segundo alguns testemunhos, os pagamentos de muitas despesas de campanha foram feitos em dinheiro líquido, que circulava em profusão.

Depois de eleito, Sarkozy recebeu Kadhafi em Paris, com todas as honras e uma comitiva de 200 pessoas, além do direito de plantar sua tenda de beduíno nos jardins do palácio em que se hospedou na capital. Sua vinda a Paris causou escândalo e polêmica até mesmo entre ministros do governo Sarkozy.

Mas por que motivos Kadhafi financiaria a campanha do presidente francês? Diversas viagens de amigos e colaboradores de Sarkozy à Líbia indicam negociações secretas de sistemas de controle e espionagem, além de vendas de Airbus para a companhia líbia Afriqiyah Airways e aviões Rafale para o regime.

Desde que Mediapart revelou em 2012, a possível transferência de fundos ilegais para a campanha de Sarkozy de 2007, os três juízes de instrução consideraram que existem "indícios graves ou concordantes" contra o ex-presidente, "que os levam a pensar que sua campanha vitoriosa foi financiada pelo regime de Muamar Kadhafi".

No telejornal da cadeia privada TF1, na noite do dia 22 de março, Sarkozy clamou sua inocência e falou do inferno que vive desde 2012 com o que qualificou de "calúnia".

O affaire tem todos os elementos de um bom romance policial : um dos principais homens de Kadhafi, o ministro do petróleo Choukri Ghanem, cuja agenda com anotações de dinheiro enviado a Sarkozy foi mandada pelas autoridades norueguesas aos juízes franceses que investigam o caso, foi encontrado morto afogado no Rio Danúbio, em abril de 2012.

Bechir Saleh, chefe de gabinete de Kadhafi,sofreu um atentado em Johannesburg dia 23 de fevereiro deste ano. Seus próximos não excluem uma tentativa de assassinato.

Quanto ao filho de Kadhafi, Seif Al-Islam Kadhafi, ele garante ter "provas sólidas contra Sarkozy".

A Justiça francesa considera que existem hoje "indícios graves ou concordantes" que permitem pensar que a eleição presidencial francesa de 2007 foi manchada pela ilegalidade.

Os jornalistas Fabrice Arfi e Karl Larske lançaram no fim do ano passado o livro que resume todo o affaire, "Avec les compliments du guide, Kadhafi-Sarkozy l’histoire secrète".

As investigações do affaire podem durar ainda alguns anos.

 

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