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Ao encontro de um país perdido

09-02-2018 - Leneide Duarte-Plon

Dois documentários palestinos da cineasta Maryse Gargour foram recentemente vítimas de uma censura velada em dois canais de televisão franceses, impedindo os espectadores de conhecer, através dos filmes premiados, importantes momentos da história de Israel-Palestina. Um deles, « À la rencontre d’un pays perdu », recebeu o primeiro prêmio no festival de documentários no Qatar. Pude vê-lo em Paris num debate com a historiadora franco-palestina Sandrine Mansour.

A historiadora e pesquisadora da Universidade de Nantes destacou os anos terminados em 7 na história da Palestina, a começar pelo ano de 1897, quando foi realizado o primeiro congresso sionista, na cidade de Basel, na Suiça. Entre aquele ano e 2017, quando Donald Trump reconheceu Jerusalém como capital de Israel, houve diversas datas terminadas pelo algarismo 7 que marcaram a história do povo palestino e de sua luta pela autodeterminação.

Através do depoimento de franceses que moravam em Jaffa antes da criação do Estado de Israel, o filme conta como a cidade palestina foi esvaziada de seus habitantes passando de 100 mil a 10 mil pessoas em poucos dias. Jaffa era um importante centro econômico e político e, da mesma maneira que o resto da Palestina, viu seus habitantes serem expulsos pelos sionistas.

O conflito Israel-Palestina – ou que nome for dado à guerra de baixa intensidade entre israelenses e palestinos que já dura várias décadas – chegou a um ponto de esgotamento.

Os palestinos estão esgotados, exauridos, garante Sandrine Mansour.

Autora do livro L’histoire occultée des Palestiniens (1947-1953) , ela deu embasamento histórico à realização dos dois documentários de Maryse Gargour. Recém-chegada da Palestina, onde visitou diversas cidades como Belém, Ramallah e Hebron acompanhando um grupo de vinte prefeitos e vereadores de esquerda e de direita de cidades francesas, Sandrine Mansour me deu uma entrevista exclusiva para a Carta de Paris depois de sua palestra.

Num café de Montparnasse, a historiadora comentou o estado de espírito atual dos palestinos e resumiu a opinião geral : não há mais condições de fazer dois Estados independentes.

A reflexão que deve ser desenvolvida é nessa base porque todo mundo está consciente de que a solução com dois Estados não é mais possível. Quando você visita Israel e a Cisjordânia você se convence que retirar 600 mil colonos israelenses é simplesmente impossível , diz a historiadora.

Assim sendo, resta sonhar com a criação de um Estado único, que não se chamaria mais Israel, e que reuniria os dois povos vivendo em igualdade de direitos. Esse é o novo horizonte possível. O editor e escritor Eric Hazan também pensa que a solução de dois Estados ficou totalmente irrealizável com 600 mil colonos ocupando a Cisjordânia e fracionando todo o território do que seria o Estado Palestino, criado pela ONU, em 1947, no Plano de Partilha.

LDP: Por que nem o canal estatal France 5 nem o franco-alemão Arte puderam programar « La terre parle arabe » e « À la rencontre d’un pays perdu », os dois documentários de Maryse Gargour sobre a Palestina?

SANDRINE MANSOUR: Os direitos do primeiro filme de Maryse Gargour, La terre parle arabe, que participou de diversos festivais nos quais foi premiado, tinha sido comprado por France 5 por três anos. Mas nunca foi programado. No momento de ser dublado para a projeção na televisão, o diretor de deontologia disse que não era possível deixar o filme passar.

LDP: France5 explicou por quê ?

SANDRINE MANSOUR: Maryse foi à Justiça e justificaram dizendo que não havia horário livre para exibi-lo. Jornalistas de France5 nos disseram que era uma censura velada. Por isso, o filme foi bloqueado. Porque eles não querem mostrar filmes sobre a Palestina. Podem-se ver filmes sobre a colonização e outros assuntos mas neste filme falamos de História e isso não pode. Contar que os palestinos foram expulsos e não foram embora por decisão própria, contar que havia um projeto de colonização que data do século XIX e que esse projeto foi bem orquestrado e refletido, isso não pode passar na televisão na França de hoje, seja por razões de censura, como foi o caso, seja em outros momentos por auto-censura.

LDP: No caso do segundo filme À la rencontre d’un pays perdu o que aconteceu ?

SANDRINE MANSOUR: Esse filme teve o primeiro prêmio do Festival do Filme Documentário em Doha, em 2014. Arte recebeu-o com entusiasmo mas depois disse que não podiam exibi-lo. O que é totalmente paradoxal porque é um filme que fala de famílias francesas que nasceram e viveram na Palestina, trabalharam na Palestina, são cristãos, sempre defenderam a presença católica da França e sua importância na Palestina. A França se tornou o único país em que o filme não será exibido.

LDP : Ele já passou em outros países da Europa ?

SANDRINE MANSOUR: Sim, passou na Suécia, na Itália e em outros mas não passará na França, mesmo que se trate de uma história de franceses. Ele faz parte da História da França, da presença francesa na Palestina, o que muitas vezes é ignorado na França. Mesmo se o mandato sobre a Palestina tenha sido dado aos britânicos, a França tinha um estatuto privilegiado desde o século XIX, sob o império otomano. Pois ela será o único país europeu que não passará o filme na televisão.

LDP: O filme mostra a fuga massiva dos palestinos da cidade de Jaffa, esvaziada em poucos dias. Eles abandonaram suas casas e apartamentos. Ora, essas casas e apartamentos vão ser ocupados pelos judeus que chegavam à Palestina. Isso nos lembra a Alemanha nazista e a fuga dos judeus. Isso incomoda Israel, não ?

SANDRINE MANSOUR: Sim, incomoda muito porque a espoliação dos judeus na Alemanha nazista foi do mesmo tipo, as casas dos judeus foram ocupadas com seus bens. Os judeus que chegavam à Palestina eram autorizados pelo movimento sionista. Houve testemunhas de certos judeus que ficavam chocados em fazer isso. Li testemunhos em livros que diziam: Entramos em casas onde havia ainda a refeição na mesa e nos apossamos da louça, das comidas, dos brinquedos das crianças. Houve quem ficasse incomodado com isso. Mas foram minoritários. As pessoas se serviram do que encontraram como num mercado e havia da parte dos judeus europeus uma visão bastante colonial dos palestinos e dos árabes em geral, uma visão muito negativa. Para eles, não eram humanos. Excetuando-se alguns que tinham tido essa consciência, os outros não se questionaram muito. Aproveitaram.

Com relação à França, isso podia ser dito e mostrado nos anos 1970 ou 1980 mas não na mídia. Podia ser dito nos círculos universitários, de reflexão, de intelectuais. Hoje, não é mais possível.

LDP: Por quê ?

SANDRINE MANSOUR : Porque a propaganda do Estado de Israel funcionou tão bem que hoje, mesmo num meio inteligente, de reflexão, sobre a questão da Palestina vão dizer, não foi isso que aconteceu, os Estados árabes incitaram os palestinos a partir . É a propaganda de Israel que tornou-se tão presente que virou uma verdade. Por isso digo que a propaganda é mais forte que os fatos. Ainda que nos anos 1980 tenha aparecido toda a pesquisa dos « novos historiadores israelenses » que fizeram um excelente trabalho nos arquivos do Estado de Israel e não somente confirmaram o que os palestinos diziam como deram números e tinham documentos para provar a expulsão, os massacres etc. E apesar desses documentos que estão disponíveis, as pessoas continuam a repetir o que Israel conta. A narrativa israelense predomina ainda hoje.

LDP: Por que aqueles palestinos de Jaffa partiram em massa, 90 mil numa população de 100 mil pessoas?

SANDRINE MANSOUR: Jaffa era a principal cidade intelectual, econômica e política da Palestina na época. No momento da execução do Plano de Partilha da Palestina, em 1948, Jaffa não deveria se tornar israelense. Por outro lado, o movimento sionista e depois Israel, tinha um único objetivo, esmagar o lado político, intelectual e econômico da cidade como tinham feito com Haiffa, que era uma cidade menos engajada politicamente. Sua importância era sobretudo econômica, possuía uma refinaria de petróleo e era um centro econômico muito dinâmico. Por isso, em 1937 o movimento sionista decidiu construir um outro porto em Haifa. Havia, pois, dois portos em Haifa, o primeiro, palestino e para se opor à economia palestina os sionistas conseguiram dos britânicos a construção de um segundo porto.

No filme, vê-se uma senhora francesa de Jaffa contar que no seu prédio havia três dos principais jornais palestinos importantes. Traduziam do hebraico artigos de jornais sionistas. Eram muito bem informados do que estava se passando. Houve ameaças. Depois de outros massacres, o movimento sionista disse que eles iam massacrar a população de Jaffa. Foram jogados folhetos dizendo à população que partisse. Gilles Boureau conta no filme. E os britânicos vieram reforçar essa advertência dizendo que se não partissem o movimento sionista os massacraria. Eles deixaram tudo para trás pensando que poderiam voltar poucos dias depois.

LDP: Qual o estado de espírito atual dos palestinos depois do reconhecimento por Trump de Jerusalém como capital de Israel e da visita do vice-presidente Pence a Israel para garantir o apoio americano ?

SANDRINE MANSOUR: Os palestinos estão exaustos. É uma população que luta por sua independência há mais de 100 anos. Ela não começou em 1948. Isso é importante frisar pois houve fases anteriores que não são levadas em conta.

LDP: Você considera o começo da luta em que ano ?

SANDRINE MANSOUR: Considero o começo dessa luta em 1915 com a Conferência pela Paz, quando os palestinos souberam que o movimento sionista tinha veleidades de tomar a Palestina. Prometeram aos alemães e dois anos depois a Declaração Balfour tirava o tapete dos pés dos palestinos. Faz 100 anos que a resistência e a luta pela autodeterminação começaram.

LDP: Você diz que eles estão exaustos ...

SANDRINE MANSOUR: Sim, mas é uma população que tem uma imaginação política muito forte e ao mesmo tempo tem muita vontade de viver. O poeta Mahmoud Darwich dizia sempre isso. A relação de forças nunca esteve a favor dos palestinos. Sempre esteve a favor dos sionistas e dos israelenses. Com a explosão da colonização na Cisjordânia, os palestinos constatam que não vão retirar 600 mil colonos. Viu-se o quanto foi difícil retirar 5 mil colonos de Gaza. Por isso é preciso imaginar outra coisa.

LDP: O que, por exemplo ?

SANDRINE MANSOUR : Existem várias hipóteses sobretudo a de um Estado único com igualdade para todos. Ele não se chamaria mais Israel e nele todos poderiam viver juntos democraticamente. As premissas já estão presentes : a economia é única, o shekel é a moeda imposta por Israel aos palestinos, os bancos passam obrigatoriamente por bancos israelenses. O sistema econômico é uma base do Estado único. Seria muito simples criar esses Estado que poderia ter um dinamismo extraordinário porque de fato as populações dos dois povos têm criatividades, imaginários e potenciais muito grandes. E para Israel seria uma vantagem, o país legitimaria sua presença no mundo árabe através de sua boa relação com os palestinos. E não haveria esse combate permanete com o conjunto da região, que tem riquezas a explorar em todos os níveis.

A reflexão que deve ser desenvolvida é nessa base porque todo mundo está consciente de que a solução com dois Estados não é mais possível. Quando você visita Israel e a Cisjordânia você se convence que retirar 600 mil colonos israelenses é simplesmente impossível.

Fonte: Carta Maior

 

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