PS sacrifica o sistema de protecção social francês
24-04-2014 - Eduardo Febbro
Governo francês anuncia um plano de economias de 50 mil milhões de euros, onde 40% desse valor será retirado do sistema de protecção social.
Um esqueleto a mais no mausoléu socialista das promessas sem futuro: um plano de economias de 50 mil milhões de euros, onde 40% desse valor será retirado do sistema de protecção social. Essa medida colocou a última rosa murcha nas escassas ilusões que restavam. Um olhar que se chama quase como uma piada ou um eufemismo de “esquerda francesa” responde aos imperativos fixados pela União Europeia em matéria de redução do déficit. Este plano, que também inclui o congelamento de salários dos funcionários públicos e dos aposentados, fracturou a maioria socialista na Assembleia Nacional. Um grupo de 100 parlamentares socialistas escreveu ao primeiro-ministro Manuel Valls para denunciar o que consideram um “plano perigoso economicamente” que “acarretará retrocessos sociais e perturbações em serviços públicos essenciais”.
A pressão dos socialista históricos, na medida do engano de que são vítimas aqueles que votaram há dois anos por uma política totalmente diferente da que é aplicada hoje. O presidente François Hollande navegou por dois mares distintos: começou seu mandato em 2012 com um pacote tributário e conservando quase intacto o gasto social. Dois anos depois, procurou no apoio social a diferença que faltava para cumprir com o limite do déficit imposto pela Comissão Europeia (3%). Quando apresentou seu plano, o chefe do Executivo assinalou que era preciso dizer a verdade aos franceses: “não é a Europa que nos impõe suas escolhas, mas sim nosso gasto público que equivale a 57% do PIB”.
O primeiro-ministro disse que a austeridade era uma questão de “soberania”, mas a frase soa como uma brincadeira em relação aos eleitores. No momento em que Manuel Valls ousava fazer essa comparação, ou seja, a austeridade equivale à soberania, Paris se encontrava sob a ameaça da grande direcção liberal que é a Comissão Europeia. Bruxelas pressiona a França para que apure o passo das reformas e respeite os planos negociados a fim de cumprir a agenda com um déficit máximo de 3% em 2015. A França fechou 2013 com um déficit de 4,3% do PIB, um desemprego de 11% e uma dívida de 98% do PIB. A herança deixada por três presidências consecutivas de direita é abismal, sobretudo a última, de Nicolas Sarkozy. Mas o socialismo francês desmanchou todas as expectativas em que se apoiou e que havia consolidado que o levou à vitória em 2012.
François Hollande se apresentou como o Cavaleiro Vermelho da Europa, o homem que ia renovar a social-democracia mundial, fazer frente à chanceler alemã Angela Merkel e combater com capa e espada os dogmatismos bíblicos da União Europeia, que só jura pela Deusa Austeridade. O grande reformulador acabou se revelando um seguidor que, em apenas dois anos, tocou no fundo da impopularidade, perdeu de modo estrondoso as eleições municipais deste ano, viu o desemprego crescer como marés vivas e teve que mudar de primeiro-ministro. O congelamento da reformas e das chamadas prestações sociais é um pesadelo para a esquerda parlamentar que se sente totalmente enganada.
Esses 50 mil milhões de euros de cortes seguramente financiarão outra medida, o Pacto de Responsabilidade, destinado às empresas. Este mecanismo prevê reduzir o custo dos impostos sociais para as empresas em troca da manutenção dos empregos. A perspectiva parece de um idealismo desmedido. A primeira coisa que fez o chefe do patronato francês, Pierre Gattaz, foi propor a redução ou a suspensão do salário mínimo para os jovens. A direita não tem muito o quê dizer ante à nova medida socialista. Ficou muda com o espectáculo da medida liberal adoptada pelos socialistas. No entanto, na esquerda do PS a música é outra, ainda mais que os parlamentares descobriram pela televisão qual o caminho fixado por Manuel Valls. A subtileza não escapa a ninguém: não se faz numa semana um plano como o de cortar 50 mil milhões. O pacote já estava na mesa e só faltava armar o cenário para o anunciar.
O Executivo havia prometido um “contrato” com os parlamentares socialistas, mas tampouco cumpriu essa promessa. Confirmado o voto de confiança para Valls, o “contrato” virou fumo. O parlamentar socialista Arnaud Leroy disse sem rodeios: “foi um engano para conseguir a confiança”. Outro parlamentar, Christian Pol, confessa estar “estarrecida pela forma e pelo conteúdo”. Um grande sector do PS sente-se espoliado, sem direito a dizer nada e com a única obrigação de votar aquilo que a presidência determina. Alguns meios de comunicação perguntam-se com certa ironia se, além de querer cumprir a todo custo a austeridade europeia, François Hollande não se propôs também a destruir o PS e a esquerda no seu conjunto.
A ironia é mais extensa. Como Espanha, Grécia, Itália e Portugal, a França, uma das potências da UE, vitrina de muitas conquistas sociais e de uma capacidade inata de negociação, está sendo governada por esse trio conhecido como Troika: Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI. Trata-se do mesmo polvo que impôs a Espanha, Grécia, Itália e Portugal seu plano para salvar o capitalismo e afundar a sociedade. Em resumo, até agora, a breve experiência socialista tem sido o caminho mais curto para chegar...ao clube liberal e das suas receitas universais de austeridade, reformas, ajustes e retrocesso social.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
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