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Venezuela: o que acontece agora?

29-12-2017 - Aram Aharonian

Após as eleições regionais a Venezuela parece se abrir a um novo momento, com um governo consolidado do ponto de vista institucional embora invisibilizado.

Após as eleições regionais a Venezuela parece se abrir a um novo momento, com um governo consolidado do ponto de vista institucional embora invisibilizado e rechaçado pela direita internacional, num país que seguirá enfrentando grandes dificuldades econômicas e financeiras e uma oposição que deverá refazer seu discurso e sua forma de atuar se pretende disputar as eleições presidenciais no final de 2018, além das municipais, que devem acontecer entre o próximo mês de dezembro e o primeiro trimestre do ano que vem.

O analista político Leopoldo Puchi é um dos que afirma que o processo “mostra sinais de que vai continuar pela via eleitoral e democrática”, já que atualmente existe um certo grau de equilíbrio no terreno eleitoral. Indicou que as regionais criaram um clima que possibilita trabalhar em função do novo período eleitoral para escolher o novo presidente do país, o qual, segundo ele, deve acontecer dentro de um acordo entre o governo e a oposição.

Antes do dia 15 de outubro, 20 dos 23 estados tinham governadores da coalizão governista, e somente 3 eram da oposição. Agora, o chavismo terá 18 e a direita 5 (quatro deles da social-democrata “Acción Democrática”, o setor de Henry Ramos Allup), depois que o Conselho Nacional Eleitoral confirmou o chavista Justo Noguera Pietri como governador do Estado de Bolívar, com uma diferença de 0.26% sobre seu oponente.

Numerosinhos

Nesta eleição competiram 226 candidatos de 76 organizações políticas. O padrão eleitoral contou com 18,09 milhões de eleitores e foram habilitados 13.559 centros de votação, com 30.274 mesas eleitorais. Foi registrado um aumento da participação eleitoral de 7,2 % em comparação ao processo de 2012, o que significa que votaram cerca de 61,14 % dos eleitores (índice de abstenção de 38,86 %, talvez o mais baixo da América Latina para eleições regionais).

O processo eleitoral deste dia 15 levou a reeleição de 9 governadores, todos governistas, nos estados de Apure (Ramón Carrizalez: 51,96%), Barinas (Argenis Chávez: 53,04%), Cojedes (Margaud Godoy: 55,61%), Delta Amacuro (Lizeta Hernández: 59,34%), Monagas (Yelitze Santaella: 54%), Sucre (Edwin Rojas 59,71%), Trujillo (Henry Rangel Silva 59,88%), Vargas (Jorge Luis García Carneiro 52,88%) y Yaracuy (Julio León Heredia 62%). Das sete mulheres que se apresentaram como candidatas, cinco venceram.

Zulia é o Estado com maior número de eleitores e também o das maiores reservas de petróleo e gás do continente, e é um dos que viu uma vitória da oposição: o candidato do grupo “Primero Justicia”, Juan Pablo Guanipa, se impôs com 51,6 % dos votos – o partido é o mesmo do ex-presidenciável Henrique Capriles.

No Estado de Miranda (que inclui os bairros de classe média e alta de Caracas), o segundo com maior número de eleitores e que nos últimos tempos foi um bastião da oposição, cenário de derrotas de figuras proeminentes do chavismo como Diosdado Cabello e Elías Jaua – ambos vencidos por Capriles –, aconteceu um dos resultados mais interessantes: o triunfo de Héctor Rodríguez, representante da nova geração do PSUV.

Rodríguez é um ex-ministro de Educação e de Esportes. Superou o candidato da Mesa de Unidade Democrática (MUD), Carlos Ocariz, prefeito da cidade de Sucre e membro do “Primero Justicia”, com 52,54 % dos votos a seu favor, contra 45,92 do concorrente. Capriles não concorreu devido a uma decisão judicial que o impede de ser candidato durante 15 anos, por estar envolvido em casos de corrupção durante sua gestão como governador, relativo aos anos de 2011, 2012 e o primeiro trimestre de 2013.

Com este resultado, Miranda deixa de ser o umbigo da percepção dos estratos A e B da população, e o “Primero Justicia”, que se julgava uma espécie de moderador entre os radicais favoráveis à resistência terrorista nas ruas e os pragmáticos eleitoralistas, na verdade não tinha sua situação interna tão pacificada, pelo contrário, se despedaçava internamente, enquanto outros grupos buscam se beneficiar com a lenha da árvore que tombou.

Em Carabobo, o terceiro maior estado (com 1,5 milhão de eleitores), o chavismo se impôs com 51,96 %. O quarto estado com mais eleitores é Lara, onde triunfou a ex-ministra Carmen Meléndez sobre um dos líderes da oposição, Henry Falcón – de passado chavista e que foi duas vezes governador

As condições no país continuam sendo de crise econômica e de abastecimento, e asfixia financeira internacional, mas o resultado das eleições regionais mostram novamente a poderosa máquina eleitoral e de mobilização de massas do chavismo, apesar do efeito de desencanto derivado da inflação e dos sucessivos erros de uma burocracia ineficiente, ineficaz e corrupta, segundo comentário feito em outubro de 2013 pelo próprio presidente Hugo Chávez.

O Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) e seus sócios elegeram 18 dos 23 governadores. Segundo muitos analistas, a partir da violência nas ruas e do terrorismo político produzido pela oposição entre abril e julho aflorou novamente no imaginário popular venezuelano o suporte afetivo construído pela liderança de Chávez.

Isso demonstra que as despudoradas campanhas de desprestígio e desalento desenvolvidas dentro e fora do país nos últimos quatro anos naufragaram, devido à confrontação entre essa realidade-virtual – hoje chamada de pós-verdade, antes conhecidas apenas como “mentiras” – e a realidade-real, aquelas que é verificável, que se vê no cotidiano.

A estratégia de convocar o referendo da Assembleia Nacional Constituinte (ANC), no dia 1º de maio passado, demonstrou que o PSUV tem ainda tem poder para “despertar” as afiliações e identidades reunidas ao redor da figura de Chávez. O presidente Nicolás Maduro se viu obrigado a mudar seu discurso político, insistindo num compromisso de busca de saídas negociadas e de diálogo que na confrontação permanente, desgastante e improdutiva.

As eleições regionais – geralmente com menos afluência que as nacionais – deram ao PSUV cerca de cinco milhões e meio de votos, ou seja, mais de 2,5 milhões a menos que o conseguido há dois meses, na eleição constituinte. Mas a oposição também perdeu votos se comparamos com os 7,7 milhões do pleito legislativo de 2015 – desta vez obteve 4,7 milhões, o que significa 3 milhões a menos.

A oposição paga por seus erros, sua falta de credibilidade, sua ausência de ideias, por suas políticas incongruentes e de marchas permanentes, além das divisões internas, dispersão das lideranças – algumas figuras da MUD parecem mais entusiasmadas com as viagens ao exterior e as selfies com políticos da direita estadunidenses, latino-americana ou europeia. Ainda assim, conseguiram saltar de 3 a 5 governadores eleitos.

Cenários

Em termos absolutos, os números dão estabilidade ao governo, pois controla o eixo central do país (estados de Aragua, Carabobo, Distrito Capital, Miranda e Bolívar). Mas não se pode menosprezar as perdas que sofreu em Zulia, Táchira e Mérida, o que é bastante perigoso dentro de uma lógica geopolítica.

Em Zulia e Táchira, os governadores Francisco Arias Cárdenas e José Vielma Mora – dois militares que acompanharam Chávez na revolta do dia 4 de fevereiro de 1992 – tentaram se reeleger, mas foram frustrados pelo rechaço proveniente das bases chavistas, que pediam por uma renovação que o PSUV não soube ouvir. Arias e Vielma foram os alvos do voto de castigo, por sua incapacidade de combater os meses de violência e o contrabando colombiano na fronteira venezuelana.

Os 2,2 mil quilômetros quadrados da fronteira ocidental venezuelana marcam a divisa com a Colômbia, país estratégico dentro dos planos do Comando Sul estadunidense e que possui 8 bases militares com pessoal, tropas e transporte norte-americanos, e por isso é uma região importante no que diz respeito a possíveis agressões (inclusive militares) contra a Venezuela.

A Colômbia, através de suas Forças Especiais vem realizando exercícios de treinamento de outras forças militares no continente, sempre dirigidas pelos Estados Unidos.

Ainda assim, os governadores da oposição que ganharam as eleições nos estados fronteiriços foram instigadores do terrorismo nas ruas que se viu entre os meses de abril e julho, o que leva a antever um cenário de alta conflitividade e desestabilização. Não se deve esquecer que o diretor da CIA, Mike Pompeo, deixou claro que a Colômbia está disposta a colaborar com a “recuperação da democracia na Venezuela”.

Um dos cenários que a geopolítica estadunidense busca plantar na América Latina é o de favorecer os projetos divisionistas (como o da Meia Lua boliviana). Zulia, Táchira e Mérida contam com enormes recursos – água, petróleo, gás e muitos outros – e poderiam ser incluídos em algum plano separatista alimentado por Washington e Bogotá.

Juan Pablo Guanipa e Laidy Gómez, eleitos governadores de Zulia e Táchira respectivamente, já falaram em separatismo e em abrir a fronteira com a Colômbia – talvez para facilitar a entrada de grupos paramilitares e narcotraficantes.

Tampouco se pode esquecer que a Colômbia mantém históricas demandas a respeito do Golfo da Venezuela, zona com potencial petroleiro superior a 543 bilhões de barris e reservas de gás superiores a 192 milhões de metros cúbicos.

Falando em democracia

Não há limites para o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), o uruguaio Luis Almagro, que em seu afã por desestabilizar a Venezuela não só desconhece a vitória democrática do chavismo como também o próprio processo eleitoral, e apela a pedir ele mesmo apoio aos “dirigentes opositores no exílio”, aceitando o papel de peão do plano de Donald Trump.

Seguindo o roteiro de Washington, os governos de Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Honduras, México, Panamá, Paraguai e Peru consideraram que “é necessário fazer urgentemente uma auditoria de todo o processo eleitoral, com o acompanhamento de observadores internacionais especializados e reconhecidos, com o fim de esclarecer a controvérsia gerada sobre os resultados e conhecer o verdadeiro pronunciamento do povo venezuelano”. Controvérsia?

Jesús “Chuo” Torrealba, dirigente da MUD, considerou que “a oposição não respondeu ao povo como deveria”, e explicou que se a oposição tem como provar que houve fraude, então deveria demonstrá-lo com suas atas em cada mesa.

“A declaração da MUD me preocupa porque não é compreensível. Não se trata de acreditar ou não nos resultados. A oposição tem observadores em todas as mesas e cópia de cada uma das atas dessas mesas. O que tem que fazer é dizer `aqui estão as atas e ali se vê que os resultados não batem´”, afirmou.

Henry Ramos Allup, máximo dirigente da força opositora “Acción Democrática”, questionou as declarações de Almagro sobre a participação da oposição nas eleições regionais. “Eu acredito que Almagro está completamente equivocado, porque quando competimos nas eleições legislativas não era porque estávamos reconhecendo o governo”, retrucou.

“Vamos reconhecer o que se deve reconhecer e impugnar o que não”, afirmou Ramos Allup, que qualificou o pleito regional como uma fraude sistêmica. De acordo com os dirigentes da oposição, a tal “trapaça” do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) é feita previamente ao processo eleitoral.

Ángel Oropeza, coordenador político da MUD, afirmou que é perfeitamente possível que os números oferecidos pelo CNE sejam fiéis ao ocorrido no dia 15 de outubro, apesar de não baterem com os números das pesquisas. Também disse que se é para reclamar de trapaça era preciso focar nos acontecimentos prévios ao dia da votação.

“Responsavelmente digo: nós perdemos, simples assim, e é preciso aceitar isso, porque também é preciso ter a dignidade de reconhecer a verdade na adversidade. Este não é o momento de buscar culpados, e sim o de estudar para entender o que aconteceu”, declarou o governador opositor do estado de Lara, Henri Falcón, que não conseguiu sua reeleição.

E agora?

Nicolás Maduro informou que está pronto para assinar o acordo que o governo venezuelano e alguns representantes da oposição discutiram na República Dominicana: “95% (de convergência) já temos, podemos agregar outros tópicos, como a auditoria de 100% das atas das eleições regionais. Querem incluir a auditoria? Então incluiremos, estou pronto. Somos nós os que fizemos o sistema de auditoria prévia, durante e depois das eleições, buscando dar maior transparência”.

O chefe do Estado convidou para o debate os dirigentes dos partidos Henry Ramos Allup (“Acción Democrática”) e Julio Borges (“Primero Justicia”). Este segundo foi o que dedicou todos os seus esforços nos últimos meses a solicitar uma intervenção estrangeira nos assuntos soberanos da Venezuela, e foi um dos principais impulsores das ações de violência política entre abril e julho, em diversas cidades do país. A proposta de Maduro é realizar este encontro para o início de um diálogo político.

Ainda assim, detalhou que Henry Ramos Allup e Henrique Capriles impediram a oposição de participar da Assembleia Nacional Constituinte (ANC). Neste sentido, Ramos Allup se afastou da mesa de diálogo instalada na República Dominicana entre o governo e a oposição, já que, segundo ele, aquele “não era o momento para dialogar”. E agora?

 

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