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PARA ONDE VAI BERLIM?

22-12-2017 - Flavio Aguiar

Nesta terça-feira, quando escrevo estas linhas, a chanceler Angela Merkel deve estar encontrando os familiares das vítimas fatais e os sobreviventes do atentado de um ano atrás, na Feira de Natal junto à Gedachtnis Kirche, a Igreja da Memória. Esta igreja é uma ruína. Bombardeada, sobraram um pedaço de sua torre e uma pequena parte do átrio de entrada. Os espíritos irreverentes de Berlim a chamam de “Dente cariado”, devido à forma de cone truncado do que resta de sua torre original.

Há um ano atrás um terrorista sequestrou um caminhão de varias toneladas e matou o chofer polonês, hoje considerado um herói porque tentou impedir o atentado. De posse do caminhão, arremeteu contra a Feira de Natal que ali tradicionalmente se realiza. Matou mais onze pessoas, atropelando-as, e feriu gravemente outras mais. Conseguiu fugir, atravessar fronteiras, acabou sendo encontrado na Itália, em Milão, onde enfrentou a bala uma dupla de policiais que o interceptou por acaso. Feriu um, o outro o matou.

Neste ano as feiras continuam muito populares. Mas o clima é tenso. O policiamento, intenso. Blocos de cimento protegem as grandes feiras, mais de sessenta na cidade, mais de seiscentas no país inteiro. Um dos desdobramentos deste clima pesado foi o crescimento da extrema-direita nas últimas eleições. O Alternative für Deutschland, AfD, tornou-se o terceiro partido mais votado nacionalmente e conseguiu entrar, pela primeira vez, no Parlamento Federal, O Bundestag. Apesar de suas divisões internas, que não são poucas, o partido projeta tornar-se governo ou dele faz parte ate 2021. Improvável? Muita gente dizia o mesmo do PNSA (Partido Nacional Socialista Alemão) em 1932. Em 1933 deu no que deu.

Mas Berlim é um caso à parte na Alemanha. Não apenas por causa do Muro que a individualizou na Alemanha dividida da Guerra Fria, cujo rompimento (palavra que descreve melhor seu destino real do que a consagrada “Queda”) simbolizou a reunificação do país e abriu as portas para a derrocada do comunismo no Leste geopolítico da Europa. Berlim é a cidade dos paradoxos.

A Berlim comunista era a Oriental. Mas a Berlim dos movimentos de esquerda, e radicais, de diferentes tipos, era a Ocidental. Até hoje, depois da reunificação, Berlim é identificada como uma cidade relativamente à esquerda no espectro político alemão. É uma cidade onde os partidos com correntes à esquerda, ou de esquerda, conseguiram se unificar, já por duas vezes, e formar um governo: o SPD, a Linke e os Verdes. Como em Portugal, com a frente chamada lucidamente de “a Geringonça”, ou o Vaticano, com este “frentista” anti-establishment” chamado Papa Francisco I. Ou agora na Islândia, onde a primeira-ministra é Verde de Esquerda, embora em combinação com partidos conservadores.

Berlinenses irônicos (muito provavelmente os que batizam a Igreja ícone da guerra de “Dente Cariado”) dizem que, quando saem da cidade, “vão para a Alemanha”. Este é um símbolo concreto da autonomia que muitas cidades ganharam em relação aos países, regiões ou estados em que estão incrustadas. Algo parecido acontece com Hamburgo, Paris, Barcelona e outras. Ninguém vai tirar a primazia de Bolonha de ter sido governada durante 50 anos ou mais pelo Partido Comunista. Se quiserem um exemplo caseiro, não haverá MBL nem general Mourão, muito menos esta tresloucada brigadiana que invoca sacrilegicamente o nome “farroupilha” para ameaçar os manifestantes que se reunirão no dia 24/01 na Praça da Matriz, em defesa de Lula, da Legalidade e da Decência, que vai tirar de Porto Alegre o título de “Capital do Século XXI” por ter sido a sede e o berço do Fórum Social Mundial e da ideia de que “um outro mundo era possível”. Era? Ainda é, apesar do Trump e do Temer.

Berlim é uma cidade por onde todas as guerras - as quentes e as frias - desfilaram seus exércitos e suas palavras nos últimos duzentos e cinquenta anos. As cicatrizes abundam nesta cidade. Uma das mais eloquentes está no Cemitério onde repousam os restos de Brecht, Helene Weigel, Feurbach, Hegel, o arquiteto Schinkel, Herbert Marcuse, Heinrich Mann. Num dos recantos há um mausoléu todo crivado de balas. Que drama terá se passado ali? É evidentemente o repositório de uma última e desesperada batalha final da Segunda Guerra. Berlim está cheia destas marcas, muitas delas inadvertidas.

Ao mesmo tempo, é uma cidade aberta para o futuro. Na esquina perto de minha casa foi aberto o Urban Nation - o primeiro museu europeu de Arte de Rua (Street Art), com um acervo desde já excepcional. Artistas por ele convocados decoraram diversos prédios das ruas próximas.

Nem tudo são flores. Berlim este se tornando uma metrópole como outras. Preços encarecendo, carrões e engarrafamentos pelas ruas, cantadores de pneus no asfalto e motoqueiros de descarga aberta, insegurança por assaltos e furtos na cidade. Nada ai na que se compare a outras metrópoles como São Paulo ou Nova Iorque. Mas vai indo nesta direção.

Mas assim é Berlim: janelas para o passado, portas para o futuro.

PS - Até o ano que vem. Um bom Natal e um 2018 muito combativo pela democracia no nosso país e no mundo.

Fonte: Carta Maior

 

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