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Aprender com a guerra mediática da Rússia

15-12-2017 - Tara Susman-Peña

WASHINGTON, DC – A má informação e a propaganda existem desde que existe a comunicação de massas. O que mudou foi a velocidade e a dimensão da distribuição. As plataformas das redes sociais intensificaram a difusão de teorias da pseudociência e da conspiração, ameaçando instituições democráticas com novas formas assustadoras. Basta ir ao Google e escrever “Rússia” e “Trump” para ver o impacto que as chamadas notícias falsas têm na democracia. Mas a melhor forma de combater a má informação talvez seja seguir o exemplo dado pela Ucrânia, um país que tem enfrentado a sua própria barreira de falsidades patrocinada pelos russos.

Em todo o mundo, as pessoas que acreditam que os factos ainda importam estão a reagir. Novas organizações dos EUA estão a fortalecer as suas posições ao reforçarem as práticas jornalísticas básicas, tais como a verificação de fontes e confirmação de factos. Verificadores independentes e inspetores de factos também se tornaram recursos importantes para o público.

Mas à medida que a linha entre produtores de notícias e consumidores se distorce, torna-se cada vez mais difícil navegar no pântano da má informação. Embora diversas novas iniciativas –tais como os cursos de formação Checkology do programa News Literacy Project e o Factitious, um jogo online que testa a capacidade dos utilizadores para identificar notícias falsas –estejam a tentar melhorar a capacidade de filtragem do público, o impacto tem sido limitado, até à data. Devido à tendência de confirmação, a exposição a conceitos que entram em conflito com crenças entranhadas pode reforçar suposições, em vez de nos conduzir à sua revisão. E, num panorama mediático em que até os políticos dependem da exploração de dados e da neurociência para elaborarem mensagens baseadas no estado de espírito dos eleitores, é difícil separar a verdade da falsidade.

Neste contexto, a formação em “literacia mediática” –competências que ajudam a analisar e a avaliar as notícias –tornou-se quase irresistível. Os programas de literacia mediática existem há décadas nos EUA, focando-se em questões como a parcialidade da comunicação social e o impacto da violência sobre as crianças. Mas a literacia mediática para o mundo dos nossos dias significa munir as pessoas de todas as idades com os meios para navegarem num ecossistema de informação cada vez mais complicado. E, tal como a recente experiência da minha organização na Ucrânia demonstra, a formação formal em literacia mediática pode talvez ser o melhor meio para se ganhar a guerra contra a propaganda patrocinada pelo Estado e motivada politicamente.

A guerra de propaganda da Rússia contra a Ucrânia –uma unidade mediática bem financiada, amplamente distribuída e altamente sofisticada destinada a prejudicar a legitimidade do governo ucraniano –está em curso há anos. O empenho russo tem sido tão agressivo que, em 2015, o governo ucraniano, alegadamente, advertiu os representantes do Facebook e o governo dos EUA de que uma estratégia semelhante poderia ser utilizada contra os EUA.

Parece que o Facebook dispensou esse aviso, mas organizações de desenvolvimento dos meios de comunicação social, como a minha, não o dispensaram. Em outubro de 2015, peritos da IREX –suportada por financiamentos do governo canadiano e pelo apoio de organizações locais ucranianas –lançaram um curso de formação de literacia mediática, com a duração de nove meses, chamado Learn to Discern (L2D). Através de workshops com base em competências e campanhas de sensibilização para notícias falsas, procurámos equipar os cidadãos com ferramentas para identificarem histórias fabricadas da Rússia. Os resultados foram encorajadores.

Os participantes do programa relataram que adquiriram uma apreciação profunda do que é necessário para se consumir notícias de forma sábia. Por exemplo, quando questionámos as pessoas no início do curso, apenas 21% disseram que “quase sempre” verificavam as notícias que consumiam, uma percentagem preocupante para um país onde a confiança nos meios de comunicação social é baixa, mas o consumo é alto. Após a formação, a percentagem aumentou para 81%.

Também constatámos que o programa produziu um efeito cascata: 91% dos formandos partilharam o conhecimento que receberam com uma média de seis pessoas, tais como membros de família e colegas de trabalho. Um número estimado de 90 mil ucranianos beneficiou indiretamente.

A formação L2D aproveitou os princípios desenvolvidos nos EUA, mas desenvolveu a metodologia a partir do zero. Ao colaborarmos com especialistas ucranianos, incorporámos o consumo mediático real, a partilha e padrões de produção para a estruturação do curso. Mais importante, transmitimos competências de pensamento crítico, ensinando aos participantes como selecionar e processar os meios de comunicação social e não o que consumir.

Os formadores L2D trabalharam em redes de pares, construindo conhecimento e competências com base em relações de confiança. Pesquisas mostram que a lealdade aos grupos sociais, juntamente com a partilha de identidades e valores, tem uma influência sobredimensionada naquilo que identificamos como sendo verdadeiro.

Talvez a característica mais inovadora do programa tenha sido o seu foco em ensinar aos consumidores como detetar a manipulação emocional e como se desvincular dessas informações. Num país onde as emoções sobre a influência da Rússia são fortes, esta competência é essencial. Muito tempo depois de o programa L2D ter formalmente terminado, os formadores continuaram a dirigir programas de forma independente, refletindo o crescimento da procura pelos seus serviços. Estudos realizados este ano indicam que os formandos também continuam envolvidos na luta contra o fenómeno das notícias falsas no seu país.

A nossa experiência na Ucrânia demonstra que uma abordagem estratificada, trabalhando ao nível do pensamento crítico, da psicologia individual e de grupo, e da confiança social, proporciona uma melhor defesa contra as notícias falsas do que o simples facto de verificação.

Claramente, mais trabalho deve ser feito para impulsionar o ceticismo saudável entre os consumidores de notícias e aumentar a procura por informações factuais. Mas a formação em literacia mediática, se organizada com as necessidades locais em mente, pode ajudar. À medida que a má informação amplifica as ameaças à democracia e o debate sobre como desativar notícias falsas se intensifica, os consumidores podem ficar mais descansados ao saberem que com um pouco de prática, é possível distinguir o facto da ficção bem disfarçada.

TARA SUSMAN-PEÑA

Tara Susman-Peña é consultora técnica senior de media do IREX Center for Applied Learning and Impact.

 

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