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"Charlie Hebdo" e "Mediapart": a esquerda e o Islão

01-12-2017 - Leneide Duarte-Plon

As denúncias de assédio sexual e estupro despertaram um mal-estar apenas recalcado.

A mais nova batalha de ideias na França opõe o director do jornal "Charlie Hebdo", Riss, que escapou ao atentado de 2015, ao jornal online "Mediapart" e seu director, Edwy Plenel.

Como na França a questão do Islão é onipresente e penetra frequentemente o debate político, ela não está fora do ring em que Plenel enfrenta Riss. E, rapidamente, a questão do sionismo e do antissemitismo emergem.

Frequentemente acusados de islamofobia, os jornalistas do actual "Charlie Hebdo" são apoiados por intelectuais e políticos próximos dos meios sionistas, que se defendem de qualquer "parti pris" anti-Islão, protegendo-se no argumento da defesa da laicidade e da liberdade de expressão.

A laicidade na França virou um bom pretexto para legiferar contra os muçulmanos, uma comunidade de cerca de 6 milhões de franceses vistos, assim como os franceses de origem africana, muitas vezes como menos franceses que os brancos. O debate identitário é recorrente na direita francesa.

"É uma armadilha desse debate. Quando se fala de laicidade deveria se tratar das religiões em geral mas há 20 anos que só se trata de uma religião e de uma comunidade. O que divide é o Islão e o lugar dos árabes na sociedade francesa", disse em excelente entrevista ao "Le Monde", o professor de Oxford Sudhir Hazareesingh, especialista da França nos séculos XIX e XX.

Ele acrescenta que esse tipo de debate é inexistente na Inglaterra, onde o multiculturalismo é a norma e onde a capital, Londres, tem um prefeito de origem paquistanesa. Um prefeito de Paris de origem árabe é totalmente impensável na França.

E novamente a islamofobia de certa camada de franceses vem à tona, agora reforçada pelas denúncias de estupro e assédio sexual ao mais midiático e conhecido especialista do Islão, Tariq Ramadan, professor de Estudos Islâmicos Contemporâneos da prestigiosa Universidade de Oxford.

Defesa dos muçulmanos

Um livro lançado por Edwy Plenel em 2014, "Pour les musulmans" - uma ode ao republicanismo e à tolerância, no mesmo espírito de Voltaire ou de Emile Zola, que defendeu o judeu Dreyfus contra o antissemitismo da França do fim do século XIX – marcou o diretor de Mediapart como islamo-esquerdista, no jargão da esquerda que se pretende defensora incondicional da laicidade da République. Detalhe: Plenel é casado com uma intelectual judia, Nicole Lapierre.

Para falar do livro, Plenel participou de alguns debates com Ramadan, islamólogo detestado por intelectuais sionistas franceses, como Bernard-Henri Lévy, que não perde oportunidade para criticá-lo.

Acontece que, na época dos debates Plenel-Ramadan, as denúncias de assédio e mesmo de estupro feitas contra Ramadan não eram conhecidas. As mulheres francesas sentiram-se estimuladas a denunciar supostos agressores apenas depois do "Affaire Weinstein" que chocou os Estados Unidos e a Europa, com repercussões no mundo inteiro.

"Charlie Hebdo" encontrou o pretexto ideal para voltar a caricaturar Ramadan apresentando-o numa capa com um pênis monumental em ereção com a legenda "Eu sou o 6° pilar do Islão".

Na semana seguinte, foi a vez da capa de Edwy Plenel, representado em desenhos que mostravam seu bigode cobrindo ora a boca, ora os ouvidos, ora os olhos, numa clara alusão ao facto de que ele foi cúmplice de Ramadan por calar-se. Ora, ninguém tinha conhecimento dessas histórias até o dia 20 de outubro quando a primeira mulher foi à Justiça acusar Tariq Ramadan de estupro. Puro pretexto para exercer um pouco a má-fé que caracteriza o jornal humorístico.

Plenel acusou Charlie Hebdo de "provocar um clima de guerra aos muçulmanos" e foi violentamente acusado por Riss num editorial de apontar o jornal como alvo de novo ataque terrorista. O ataque a "Charlie Hebdo" quase dizimou toda a redação dia 7 de janeiro de 2015.

O ex-primeiro-ministro Manuel Vals, que detesta Mediapart tanto quanto cultiva uma islamofobia mal disfarçada, saiu de seu ostracismo para acusar Plenel de cumplicidade com o Islão radical representado, a seu ver, por Ramadan. Vals vê em Ramadan um radical que pratica certa ambiguidade em relação ao islamismo radical. Ele teria o radicalismo em seu DNA pois é neto do fundador da Irmandade Muçulmana, do Egito.

Como se não bastasse, um jornalista de origem judaica, Frédéric Haziza, foi também acusado formalmente, esta semana, de assédio sexual por uma jornalista. Haziza foi defendido em um tweet pelo filósofo sionista Bernard-Henri Lévy, que já havia defendido Roman Polanski e Dominique Strauss-Kahn, também envolvidos em graves acusações de estupro.

O ator Gérard Depardieu, que não costuma participar das polémicas políticas, escreveu um tweet assassino : "Bernard-Henri Lévy, Relações Públicas da guerra na Líbia, mais uma vez aparece ilustrando seu grande humanismo e a presunção de inocência de geometria variável. O pseudo-filósofo decretou sua "amizade" a Frédéric Haziza, acusado de agressão sexual. Provocação ou desconexão ?"

O ideólogo de extrema-direita, Alain Soral, escreveu em seu jornal online "Égalité et Réconciliation" uma nota cujo título "Solidariedade sionista" não deixa dúvidas quanto ao tom :

"Para Bernard-Henri Lévy, é estritamente inconcebível que um de seus correligionários seja culpado de assédio sexual : depois de Dominique Strauss-Kahn, Polanski e Weinstein, ei-lo em ação para socorrer Frédéric Haziza. As vítimas apreciarão".

Esperemos que novos actos terroristas não venham dar razão a Riss que responsabilizou Edwy Plenel pelo que pode vir a suceder à redação de "Charlie Hebdo".

Fonte: Carta Maior

 

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