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As lições aprendidas com o furacão Harvey

15-09-2017 - Joseph E. Stiglitz

NOVA IORQUE —O furacão Harvey deixou, no seu rescaldo, vidas destruídas e inúmeros danos materiais, estimados em cerca de 150-180 mil milhões de dólares. Contudo, a tempestade que atingiu a costa do Texas durante quase uma semana suscita igualmente questões profundas sobre o sistema económico e a política dos EUA.

É naturalmente irónico que uma ocorrência tão associada às alterações climática tivesse lugar num estado onde habita um número tão elevado de pessoas que negam as alterações climáticas, e em que a economia depende tanto dos combustíveis fósseis que aumentam o aquecimento global. É evidente que nenhum fenómeno meteorológico específico pode estar directamente relacionado com o aumento dos gases com efeito de estufa na atmosfera.

No entanto, os investigadores previram há muito que tais aumentos elevariam não só as temperaturas médias, mas também a variabilidade meteorológica; e especialmente a ocorrência de fenómenos extremos como o furacão Harvey. Tal como concluiu o Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas há alguns anos: «Existem provas de que alguns fenómenos extremos sofreram alterações em resultado de influências antropogénicas, incluindo aumentos nas concentrações atmosféricas de gases com efeito de estufa». O astrofísico Adam Frank colocou a questão de forma sucinta: «mais calor significa mais humidade no ar, o que implica uma precipitação mais intensa.»

É verdade que Houston e o Texas, por si sós, não poderiam ter feito muito relativamente ao aumento dos gases com efeito de estufa, embora pudessem ter desempenhado um papel mais activo em prol da adopção de políticas ambiciosas em matéria de clima. Contudo, as autoridades locais e estatais poderiam ter realizado um trabalho muito melhor na preparação para tais fenómenos, que atingem a região com alguma frequência.

Na abordagem da resposta ao furacão —bem como do financiamento de alguns trabalhos de reparação —todos se voltam para o governo, tal como aconteceu após a crise económica de 2008. É igualmente irónico que esta situação tenha agora lugar numa parte do país em que a acção governamental e colectiva são tão frequentemente censuradas. Não foi menos irónico o facto de os titãs da banca dos EUA —tendo pregado o evangelho neoliberal do governo de redução do capital e de supressão da regulamentação que proibia algumas das suas actividades mais perigosas e anti-sociais —se terem voltado para o governo quando sentiram necessidade.

Há uma lição óbvia a aprender com estes episódios: os mercados, por si sós, não têm condições para proporcionar a protecção de que as sociedades necessitam. Quando os mercados falham, como acontece habitualmente, a acção colectiva torna-se imperativa.

Além disso, tal como acontece com as crises financeiras, é necessária uma acção colectiva preventiva para atenuar o impacto das alterações climáticas. Tal significa garantir que os edifícios e as infra-estruturas sejam construídos de modo a resistir a fenómenos extremos e que não estejam localizados nas zonas mais vulneráveis a danos graves. Significa também proteger os sistemas ambientais, em particular as zonas húmidas, que podem desempenhar um papel importante na absorção do impacto das tempestades. Isto implica eliminar o risco de que uma catástrofe natural possa originar a descarga de produtos químicos perigosos, como aconteceu em Houston. Implica também a existência de planos de resposta adequados, incluindo a evacuação.

São necessários investimentos governamentais eficazes e uma regulamentação rigorosa para garantir cada um destes resultados, independentemente da cultura política predominante no Texas e noutras regiões. Sem uma regulamentação adequada, os cidadãos e as empresas não têm incentivo para tomar precauções adequadas, porque sabem que a maior parte dos custos decorrentes dos fenómenos extremos serão suportados por terceiros. Se não existir regulamentação e planeamento público adequados, nomeadamente para o ambiente, a intensidade das inundações será pior. A ausência de planeamento em matéria de catástrofes e de financiamento adequado poderá levar a que qualquer cidade se veja perante o dilema com que Houston se confrontou: se não for dada ordem de evacuação, haverá muitas mortes; mas caso seja dada ordem de evacuação, as pessoas morrerão no caos que se lhe seguirá, e o trânsito caótico irá impedir a sua saída.

Os EUA e o resto do mundo estão a pagar um preço elevado pela devoção à ideologia antigovernamental extrema adoptada pelo presidente Donald Trump e pelo seu Partido Republicano. O mundo está a pagar, porque as emissões cumulativas de gases com efeito de estufa dos EUA são superiores às de qualquer outro país; mesmo hoje em dia, os EUA são um dos líderes mundiais em emissões de gases de efeito estufa per capita. No entanto, os EUA estão igualmente a pagar um preço elevado: outros países, mesmo os países em desenvolvimento pobres, como o Haiti e o Equador, parecem ter aprendido (muitas vezes à custa de avultados gastos e apenas após algumas grandes catástrofes) a melhorar a gestão das catástrofes naturais.

Após a destruição de Nova Orleães pelo furacão Katrina em 2005, a paralisação de grande parte da cidade de Nova Iorque devido ao Sandy em 2012 e agora a devastação causada no Texas pelo furacão Harvey, os EUA podem e devem fazer melhor. O país dispõe de recursos e competências para analisar estes fenómenos complexos e as suas consequências, bem como para elaborar e aplicar regulamentos e programas de investimento destinados a atenuar os efeitos adversos sobre as vidas e os bens.

O que falta aos EUA é uma visão coerente de governo por parte da direita, que —trabalhando com interesses especiais que colhem benefícios das suas políticas extremas —continua a fazer afirmações contraditórias. Antes de uma crise, colocam resistência aos regulamentos e opõem-se ao investimento e ao planeamento do governo; depois, exigem —e recebem —milhares de milhões de dólares para compensá-los das suas perdas, mesmo das que poderiam ter sido facilmente evitadas.

Resta a esperança de que os EUA e outros países não venham a necessitar de uma persuasão mais natural para levarem a sério as lições aprendidas com o furacão Harvey.

Joseph E. Stiglitz

Joseph E. Stiglitz, vencedor do Prémio Nobel de Ciências Económicas em 2001 e a medalha Clark John Bates em 1979, é professor universitário na Universidade de Columbia, co-presidente do Grupo de Alto Nível de Especialistas sobre a Medição do Desempenho Económico-social e progresso na OCDE, e economista-chefe do Instituto Roosevelt. Um ex-vice-presidente sénior e economista-chefe do Banco Mundial e presidente do Conselho de Assessores Económicos do presidente dos EUA Bill Clinton, em 2000, fundou a Initiative for Policy Dialogue, um grupo de reflexão sobre o desenvolvimento internacional com sede na Universidade de Columbia. Seu livro mais recente é “Reescrevendo as regras da economia americana”.

 

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