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Defender a Europa

09-06-2017 - George Soros

BRUXELAS – A União Europeia de hoje necessita tanto de salvação como de reinvenção radical. Salvar a UE é o mais importante, porque a Europa corre perigo existencial. Mas tal como salientou o presidente francês, Emmanuel Macron, durante a sua campanha eleitoral, não será menos importante reavivar o apoio de que a UE costumava gozar.

O perigo existencial que a UE enfrenta é, em parte, externo. A União está rodeada por potências hostis ao que esta representa: a Rússia de Vladimir Putin, a Turquia de Recep Tayyip Erdoğan, o Egipto de Abdel Fattah el-Sisi, e a América que Donald Trump criaria se conseguisse.

Mas a ameaça também provém do interior. A UE é governada por tratados que, no seguimento da crise financeira de 2008, perderam em grande parte relevância face às condições prevalecentes na zona euro. Até as inovações mais simples e necessárias para tornar sustentável a moeda única só podem ser aplicadas através de acordos intergovernamentais à margem dos tratados existentes. E, à medida que o funcionamento das instituições europeias se complicou cada vez mais, a própria UE se tornou gradualmente disfuncional em alguns aspectos.

Em especial, a zona euro tornou-se no oposto do que era originalmente pretendido. A UE pretendia ser uma associação voluntária de estados que partilhavam a mesma opinião e que estavam dispostos a abdicar de parte da sua soberania para o bem comum. Depois da crise financeira de 2008, a zona euro transformou-se numa combinação em que os países credores definiram condições para os países devedores que não conseguissem cumprir as suas obrigações. Ao imporem a austeridade, os credores praticamente impossibilitaram que os devedores conseguissem crescer para além das suas responsabilidades.

Se a UE continuar neste caminho, não há muita esperança de melhorias. É por isso que a União precisa de ser reinventada de forma radical. A abordagem descendente (top-down) usada por Jean Monnet para iniciar a integração europeia na década de 1950 sustentou o processo durante muito tempo, antes de perder a dinâmica. Agora, a Europa precisa de um esforço colaborativo que combine a abordagem descendente das instituições da UE com as iniciativas ascendentes necessárias ao envolvimento do eleitorado.

Pensemos no Brexit, que irá certamente causar imensos prejuízos a ambas as partes. Negociar a separação com a Grã-Bretanha desviará a atenção da UE da sua própria crise existencial, e prevê-se que as conversações venham a demorar mais do que os dois anos que lhes foram atribuídos. Será mais provável que atinjam os cinco anos: uma eternidade na política, especialmente em tempos revolucionários como estes.

Por isso, a UE deveria abordar as negociações do Brexit com um espírito construtivo, reconhecendo a imprevisibilidade do futuro. Durante o prolongado processo de “divórcio”, o público Britânico poderá decidir que fazer parte da UE é mais atraente do que abandoná-la. Mas este cenário pressupõe que a UE se transforme numa organização a que outros países como a Grã-Bretanha queiram aderir, e que as pessoas em ambas as margens do Canal da Mancha mudem de posições.

As probabilidades de verificação de ambas as condições são remotas, mas não são nulas. Seria necessário um reconhecimento, por toda a EU, de que o Brexit é um passo no sentido da desintegração europeia, sendo por isso uma proposta desfavorável para todas as partes. Em contrapartida, restaurar a atractividade da UE daria às pessoas, especialmente às gerações mais jovens, esperança num futuro melhor.

Uma Europa assim diferiria do acordo actual em dois aspectos fundamentais. Primeiro, distinguiria claramente entre a UE e a zona euro. Segundo, reconheceria que a zona euro é governada por tratados ultrapassados, e que a sua governação não pode ser alterada porque a alteração aos tratados é impossível.

Os tratados sublinham que todos os países-membros devem aderir ao euro, se e quando reunirem as condições para tal. Isto criou uma situação absurda, em que países como a Suécia, a Polónia, e a República Checa afirmaram claramente não terem qualquer intenção de aderir ao euro, e contudo continuam a ser descritos e tratados como “pré-entrantes”.

Este efeito não é somente cosmético. A UE transformou-se numa organização em que a zona euro forma um núcleo central, e em que os restantes membros são relegados para uma posição inferior. Isto tem de mudar. Não podemos deixar que a UE seja destruída pelos vários problemas não resolvidos do euro.

A incapacidade de esclarecer o relacionamento entre o euro e a UE espelha uma falha mais ampla: o pressuposto de que vários estados-membros podem evoluir a diferentes velocidades mas que se dirigem todos para o mesmo objectivo. Na verdade, um número crescente de estados-membros rejeita explicitamente a pretensão da “união cada vez mais estreita”.

Substituir uma Europa “a várias velocidades” por uma Europa “a vários caminhos”, que permitisse uma maior variedade de escolhas democráticas aos estados-membros, teria um efeito benéfico de longo alcance. Actualmente, os estados-membros pretendem reiterar a sua soberania, em vez de abdicarem mais da mesma. Mas se a cooperação produzisse resultados positivos, as atitudes poderiam melhorar e os objectivos procurados pelas alianças de interessados poderiam atrair a participação universal.

São indispensáveis evoluções significativas em três áreas: na desintegração territorial, exemplificada pelo Brexit; na crise dos refugiados; e na ausência de crescimento económico adequado. Nestas três questões, a Europa parte de uma base de cooperação muito reduzida.

Essa base é especialmente reduzida no caso da crise dos refugiados, e com tendência para piorar. À Europa falta ainda uma política geral para a migração. Cada país defende aquilo que entende ser o seu interesse nacional e, como resultado, trabalha frequentemente contra os interesses dos outros estados-membros. A chanceler alemã, Angela Merkel, tinha razão: a crise dos refugiados pode destruir a UE. Mas não podemos desistir. Se a Europa conseguisse desenvolvimentos significativos no alívio da crise dos refugiados, a dinâmica encarregar-se-ia de mudar para um rumo positivo.

Acredito sinceramente na dinâmica. Mesmo antes da eleição de Macron, e começando pela convincente derrota do nacionalista holandês Geert Wilders nas eleições gerais de Março na Holanda, já podíamos assistir ao desenvolvimento de uma dinâmica que poderá alterar o processo político top-down da UE para melhor. E depois de Macron, o único candidato pró-europeu, ter ganho em França, estou muito mais confiante sobre o resultado das eleições alemãs em Setembro. Aí, várias combinações podem originar uma aliança pró-europeia, especialmente se continuar a diminuir o apoio ao antieuropeu e xenófobo Alternative für Deutschland. Então, esta crescente dinâmica pró-Europa poderá ser suficientemente forte para ultrapassar a maior das ameaças: uma crise bancária e migratória em Itália.

Também me sinto estimulado pelas iniciativas espontâneas e populares que actualmente presenciamos, apoiadas na sua maioria por jovens. Lembro-me do movimento “Pulse of Europe”, que começou em Frankfurt em Novembro, e se espalhou a cerca de 120 cidades no continente; no movimento “Best for Britain”, no Reino Unido; e na resistência ao Partido da Lei e da Justiça, no poder na Polónia, e ao partido Fidesz do primeiro-ministro Viktor Orbán na Hungria.

A resistência na Hungria deve ser tão surpreendente para Orbán como o é para mim. Orbán tentou enquadrar as suas políticas num conflito pessoal comigo, fazendo de mim o alvo da incansável campanha de propaganda do seu governo. Ele apresenta-se como o defensor da soberania húngara, e a mim como um especulador cambial que usa o seu dinheiro para inundar a Europa com imigrantes ilegais, como parte de uma qualquer vaga e funesta conspiração.

Mas a verdade é que sou o orgulhoso fundador da Central European University que, após 26 anos, ficou classificada entre as 50 melhores universidades mundiais em várias ciências sociais. Ao apoiar a CEU, permiti que defendesse a sua liberdade académica de interferências externas, provenientes do governo húngaro ou de qualquer outra pessoa (nomeadamente, do seu fundador).

Com esta experiência, aprendi duas lições. Em primeiro lugar, não chega confiarmos no estado de direito para a defesa das sociedades abertas; é preciso também defender aquilo em que se acredita. Os bolseiros da CEU e das minhas fundações estão a fazer isso mesmo. O seu destino é incerto. Mas estou confiante de que a sua defesa da liberdade académica e da liberdade de associação consiga finalmente pôr em movimento a lenta máquina europeia da justiça.

Em segundo lugar, aprendi que a democracia não pode ser imposta pelo exterior; precisa de ser alcançada e defendida pelas próprias pessoas. Admiro o modo corajoso como os húngaros resistiram aos enganos e à corrupção do estado mafioso implementado por Orbán, e sinto-me encorajado pela resposta enérgica aos desafios oriundos da Polónia e da Hungria. Embora o caminho em frente tenha perigos, consigo ver claramente nesses conflitos a perspectiva do renascimento da UE.

George Soros

George Soros é presidente do Soros Fund Management e Presidente do Open Society Foundations. Um pioneiro da indústria de fundos de hedge, ele é o autor de muitos livros, incluindo The Alchemy of Finance, O Novo Paradigma para os Mercados Financeiros: A crise do crédito de 2008 e o que ele significa, e A Tragédia da União Europeia.

 

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