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A América delinquente de Trump

09-06-2017 - Joseph E. Stiglitz

NOVA IORQUE – Donald Trump arremessou uma granada de mão à arquitectura económica global, construída de forma tão meticulosa nos anos seguintes ao fim da II Guerra Mundial. A tentativa de destruição deste sistema de governação global baseado em regras, agora manifestada pela retirada dos Estados Unidos, por Trump, do acordo de Paris de 2015 sobre o clima, é só a última faceta do assalto do presidente dos EUA ao nosso sistema fundamental de valores e instituições.

O mundo está lentamente a aperceber-se da malevolência da agenda da administração Trump. Ele e a sua camarilha atacaram a imprensa dos EUA, uma instituição vital para a preservação das liberdades, direitos, e democracia dos americanos, como sendo “inimiga do povo”. Tentaram comprometer os alicerces do nosso conhecimento e das nossas convicções – a nossa epistemologia – rotulando de “falso” tudo o que desafie os seus objectivos e argumentos, chegando mesmo a rejeitar a ciência. As justificações fictícias de Trump para menosprezar o acordo de Paris sobre o clima são a prova mais recente deste facto.

Durante milénios, e até meados do século XVIII, as condições de vida permaneceram estagnadas. Os enormes aumentos no nível de vida dos dois séculos e meio posteriores foram sustentados pelo Iluminismo, com a sua aceitação do discurso fundamentado e da pesquisa científica.

Com o Iluminismo, veio também um compromisso para descobrirmos e ultrapassarmos os nossos preconceitos. À medida que a ideia de igualdade humana (e o seu corolário, direitos fundamentais individuais para todos) se propagou rapidamente, as sociedades começaram a lutar para eliminarem a discriminação baseada na raça e no género e, eventualmente, noutros aspectos da identidade humana, como a incapacidade e a orientação sexual.

Trump procura reverter tudo isso. A sua rejeição da ciência, especificamente da ciência climática, ameaça o progresso tecnológico. E a sua intolerância relativamente às mulheres, aos hispânicos, e aos muçulmanos (exceptuando aqueles, como os governantes dos estados petrolíferos do Golfo, com quem ele e a sua família podem lucrar), ameaça o funcionamento da sociedade e da economia americanas, ao enfraquecer a confiança das pessoas em que o sistema seja justo para todos.

Como populista, Trump explorou o justificável descontentamento económico tão difundido nos últimos anos, com tantos Americanos a piorarem de situação no meio de uma desigualdade galopante. Mas o seu verdadeiro objectivo – enriquecer-se, e a outros capitalistas dourados, à custa de quem o apoiou – é revelado pelos seus planos relativos à fiscalidade e aos cuidados de saúde.

As reformas fiscais propostas por Trump, tanto quanto é possível ver, ultrapassam as de George W. Bush na sua regressividade (a parte dos benefícios transferidos para os que se encontram no topo da distribuição de rendimentos). E, num país onde a esperança de vida já está a decrescer, a sua remodelação nos cuidados de saúde deixaria mais 23 milhões de americanos sem seguro de saúde.

Embora Trump e o seu gabinete possam saber negociar em termos empresariais, não têm a menor ideia de como funciona o sistema económico. Se as políticas macroeconómicas da administração forem implementadas, terão como consequências um maior défice comercial e um declínio ainda maior da produção industrial.

A América vai sofrer sob Trump. O seu papel de liderança global já estava a ser destruído, mesmo antes de Trump ter faltado à palavra dada a mais de 190 países, ao abandonar o consenso de Paris. Neste momento, reconstruir essa liderança obrigará a um esforço verdadeiramente heróico. Partilhamos um planeta comum, e o mundo aprendeu da forma mais difícil que temos de entender-nos e trabalhar juntos. Aprendemos, também, que a cooperação pode beneficiar todos.

Então, o que deve o mundo fazer com um brutamontes infantil, que quer tudo para si e com quem não se pode argumentar? Como pode o mundo gerir uns EUA “delinquentes”?

A chanceler alemã, Angela Merkel, deu a resposta correcta quando, depois de reunir-se com Trump e outros líderes do G7 no mês passado, disse que a Europa já não podia “contar totalmente com os outros” e que “teríamos de lutar sozinhos pelo nosso próprio futuro”. Este é o momento em que a Europa se deve recompor, comprometendo-se novamente com os valores do Iluminismo, e de fazer face aos EUA, como o novo presidente francês, Emmanuel Macron, fez de forma tão eloquente, com um aperto de mão que esvaziou a pueril abordagem de macho-alfa de Trump à afirmação do poder.

Para a sua defesa, a Europa não pode confiar nos EUA liderados por Trump. Mas, ao mesmo tempo, deve reconhecer que a Guerra Fria terminou, independentemente da relutância do complexo militar-industrial em reconhecê-lo. Embora o combate contra o terrorismo seja importante e dispendioso, a resposta não está na construção de porta-aviões nem em poderosos aviões de combate. A Europa tem de decidir por si própria quanto deve gastar, em vez de submeter-se aos ditames dos interesses militares, que exigem 2% do PIB. A estabilidade política poderá ser mais seguramente conquistada pelo compromisso renovado da Europa com o seu modelo económico social-democrata.

Hoje também sabemos que o mundo não pode contar com os EUA para enfrentar a ameaça existencial colocada pelas alterações climáticas. A Europa e a China fizeram bem em aprofundar o seu compromisso com um futuro verde: fizeram bem ao planeta e à economia. Tal como o investimento em tecnologia e educação deu à Alemanha uma vantagem evidente na produção industrial avançada, comparativamente a uns EUA paralisados pela ideologia Republicana, também a Europa e a Ásia alcançarão vantagens quase insuperáveis sobre os EUA no campo das tecnologias verdes do futuro.

Mas o resto do mundo não pode deixar que uns EUA delinquentes destruam o planeta. Nem pode deixar que uns EUA delinquentes se aproveitem do planeta com políticas obscurantistas, verdadeiramente anti-Iluministas, de “a América em primeiro lugar”. Se Trump quer retirar os EUA do acordo de Paris sobre o clima, o resto do mundo deveria impor uma tarifa por ajuste de carbono às exportações dos EUA que não cumpram as normas globais.

A boa notícia é que a maioria dos americanos não está com Trump. A maior parte dos americanos ainda acredita nos valores do Iluminismo, aceita a realidade do aquecimento global, e está disposta a agir. Mas, no que respeita a Trump, já deve ser claro que o debate razoável não vai funcionar. É tempo de agir.

Joseph E. Stiglitz

Joseph E. Stiglitz, vencedor do Prémio Nobel de Ciências Económicas em 2001 e a medalha Clark John Bates em 1979, é professor universitário na Universidade de Columbia, co-presidente do Grupo de Alto Nível de Especialistas sobre a Medição do Desempenho Económico-social e progresso na OCDE, e economista-chefe do Instituto Roosevelt. Um ex-vice-presidente sénior e economista-chefe do Banco Mundial e presidente do Conselho de Assessores Económicos do presidente dos EUA Bill Clinton, em 2000, fundou a Initiative for Policy Dialogue, um grupo de reflexão sobre o desenvolvimento internacional com sede na Universidade de Columbia. Seu livro mais recente é “Reescrevendo as regras da economia americana”.

 

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