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Marine Le Pen: o perigo neofascista afastado

19-05-2017 - Leneide Duarte-Plon, de Paris

A maioria dos franceses quer continuar a pertencer à União Europeia e manter o euro, rejeita o neofascismo mas não adere totalmente a Macron.

Enquanto os jornais, telejornais e revistas apresentam o mais jovem e improvável presidente jamais eleito pelos franceses – ele nunca concorreu a nenhum cargo eletivo e começou por onde todos terminam – muitos se perguntam se o perigo neofascista foi definitivamente afastado do Palácio do Eliseu.  
 
Para alívio da maioria, Marine Le Pen não receberá de François Hollande as chaves do château, como os jornalistas franceses se referem ao Eliseu. Muitos comentaristas foram alarmistas agitando o espantalho do Front National nos últimos dias da campanha para incitar os eleitores de esquerda a irem votar em Macron, com o objetivo de afastar o « risco Le Pen ».  
 
Ainda assim, os abstencionistas chegaram a 25% do eleitorado, fora os votos nulos e brancos.  
 
Será que o perigo neofascista foi definitivamente varrido da França com a derrota da herdeira de Jean-Marie Le Pen?
 
Esperemos que sim.  
 
A França viveu no século XX a ocupação alemã e teve um governo de colaboração com os nazistas dirigido pelo Marechal Pétain, que representava o que o país tem de mais incompatível com a divisa « liberté, égalité, fraternité ». Pétain editou leis antissemitas e ajudou os alemães a deportarem para os campos de extermínio nazistas dezenas de milhares de judeus franceses e judeus europeus exilados na França.
 
Em plena campanha, Marine Le Pen provocou uma nova polêmica ao recusar que a França seja responsabilizada pela deportação no episódio conhecido como « La rafle du Vél’ d’Hiv », em 1942, quando o Estado francês, cujo governo tinha sede em Vichy, prendeu e deportou 13 mil judeus.  
 
« O Estado francês não era a França. Esta estava em Londres, representada em De Gaulle », disse Marine Le Pen, provocando um acalorado debate sobre a responsabilidade da França na colaboração com o invasor nazista.  
 
Por toda essa História cujas marcas ainda estão vivas na memória de muitos sobreviventes e que está onipresente na política, em livros e em filmes, o perigo fascista é tão temido no país dos Direitos Humanos. Num dos debates antes do primeiro turno, Emmanuel Macron dirigindo-se a Marine Le Pen exclamou : « O Front National é o partido da anti-França ».  
 
Votar em Macron foi também um « não » a Le Pen

Só os que não conhecem a História da França podiam considerar possível a vitória de Marine Le Pen, à luz do que aconteceu nos Estados Unidos com a eleição de Trump.
 
Milhões de eleitores votaram em Macron, apesar de não terem votado nele no primeiro turno por discordarem de seu programa neoliberal e pró-business. O que os levou a votar contra suas ideias ? O perigo, ou melhor, o « pesadelo Le Pen » que horripilava corações e mentes.
 
Numa França em que o voto é facultativo, dos 47,5 milhões de franceses inscritos nas listas eleitorais, somente 37,5 milhões foram votar no primeiro turno. Emmanuel Macron obteve 24% dos votos úteis e Marine Le Pen, 21,3%. Não houve surpresa, a presença dela era prevista no segundo turno.
 
Tendo tido menos de um quarto dos votos no primeiro turno, Macron foi eleito com 66,1%, quase três vezes seu score anterior. Apesar de derrotada, a candidata da extrema-direita teve quase 11 milhões de votos, apresentando um crescimento consequente em relação à sua votação de 2012, quando ficou em terceiro lugar no primeiro turno.  
 
Seus eleitores são considerados pelos analistas como os « perdedores » da mundialização. São os camponeses, esmagados com o capitalismo e os supermercados que impõem preços irrisórios a seus produtos além da concorrência de outros países europeus, os desempregados e os operários que veem a cada ano suas vidas se tornarem mais difíceis e o emprego mais incerto.
 
« O Front National não reconhece a ‘questão social’ como relação de conflito de classes mas apenas uma questão cultural e indiretamente étnica, que revolverá miraculosamente os problemas de precaridade, de desemprego, de poder de compra quando a soberania econômica, migratória e monetária for aplicada pela ‘preferência nacional’ o fim da imigração e a saída do euro. A luta contra as desigualdades não está no horizonte do Front National que só concebe um tipo de grupos antagonistas, os ‘povos’ e as ‘culturas’ e não as classes sociais », afirma Cécile Alduy, professora de literatura da Universidade de Stanford e pesquisadora do Centro de pesquisas políticas de Sciences-Po, de Paris.
 
Muitos dos que votaram em Macron no segundo turno queriam apenas dizer « não » à candidata da xenofobia, da desigualdade, do racismo e do isolamento da França num mundo globalizado. Os franceses querem majoritariamente continuar a pertencer à União Europeia e manter o euro.
 
A chegada do Front National ao segundo turno fora anunciada diversos meses antes pelas pesquisas de opinião. Nada a ver com o eletrochoque da classificação para o segundo turno de Jean-Marie Le Pen em 2002, fato não previsto nas pesquisas de opinião que apontavam Chirac e Jospin no segundo turno.
 
Para chegar onde chegou, Marine Le Pen tratou de se diferenciar de seu pai, produziu uma remaquiagem em seu partido e afastou Jean-Marie Le Pen, acusado de participar de torturas pessoalmente durante a Guerra da Argélia (1954-1962).
 
Tal pai tal filha

Depois de assumir em 2011 a direção do partido fundado por seu pai na década de 80, Marine Le Pen começou a limpar a imagem do partido de ultra-direita, começando por recusar esse epíteto. « Le Monde » e outros jornais continuaram a chamar o Front National de partido de ultra-direita, apesar das ameaças de processo.  
 
O sobrenome e as ideias do pai estão de tal forma impregnados na imagem de Marine Le Pen que por mais que ela tentasse se distanciar dele, o ranço das ideias neofascistas voltavam sempre.  
 
Como em 2014, quando entrevistada num programa de rádio, ela defendeu o uso da tortura « em alguns casos », usando exatamente o mesmo argumento de seu pai anos antes. Pressionada, Marine Le Pen voltou atrás. Mas a polêmica já estava criada, levando  jornais como « Le Monde » e « Libération » a relembrar a história de seu pai na Guerra da Argélia e sua defesa sistemática da tortura, que ele chama eufemisticamente de « interrogatoires poussés ». Exatamente a mesma expressão usada pelo General Paul Aussaresses, o chefe dos esquadrões da morte durante a Guerra da Argélia, que está no centro de meu livro « A tortura como arma de guerra, da Argélia ao Brasil ».  
 
A defesa de um referendo para revogar a lei que aboliu a pena de morte em 1981 foi também abandonada por Marine Le Pen para se tornar mais palatável aos eleitores franceses. Ela provocou um verdadeiro lifting no partido para convencer que seu movimento de extrema-direita não era racista e não iria « semear uma guerra civil », como disse o ex-primeiro-ministro Manuel Vals.
 
Apesar de a França ter sido vítima de muitos atentados em 2015 e 2016, apesar da crise dos migrantes, da deliquescência dos partidos tradicionais (Partido Socialista e Les Républicains), apesar dos escândalos de empregos fictícios atribuídos à mulher e aos filhos de François Fillon (Les Républicains), a campanha de Marine Le Pen não decolou, como esperavam seus seguidores.
 
Apesar das críticas à política migratória da esquerda e da direita e dos ataques ao « sistema » que ela denuncia apresentando-se como a candidata « anti-sistema », a candidatura de Marine Le Pen foi atingida pela denúncia de empregos fictícios em seu gabinete de deputada do Parlamento europeu.  
 
Ela vai se explicar aos juízes que a convocaram no processo que corre na justiça, no qual é acusada de ter causado mais de 5 milhões de prejuízos ao Parlamento europeu empregando por muitos anos pessoas que trabalham para seu partido como « assessores parlamentares ».
 
Depois da derrota, o Front National vive uma crise interna e Marine Le Pen anunciou a mudança de nome do partido de extrema-direita e a necessidade de abrir-se a novas alianças. Tudo isso com vistas às eleições legislativas de junho nas quais a nova formação que ela quer construir espera eleger em torno de 50 deputados.
 
Em entrevista, Jean-Marie Le Pen manifestou-se contra a mudança de nome do FN.

 

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