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Por que a América Latina está matando jornalistas

05-05-2017 - Guilherme Henrique

Miroslava Breach Velducea ainda se ajeitava no banco de seu carro quando, à espera de um dos seus três filhos, percebeu uma movimentação estranha em uma rua ainda pouco movimentada. O ponteiro do relógio indicava sete horas da manhã. Quando se deu conta do que lhe esperava, agradeceu por estar sozinha. Oito tiros à queima-roupa, disparados por um homem de estatura média e encapuzado, de acordo com a imprensa mexicana que noticiou abismada o assassinato da jornalista de 54 anos, repórter do jornal “Norte Digital” (no estado de Chihuahua).

“Ela fazia investigações ligadas à corrupção, crime organizado e políticos com conflitos de interesses”, disse à Calle2 Óscar Cantú Murguía, diretor do “Norte Digital”. A morte de Velducea e a vulnerabilidade motivaram Cantú a fechar o jornal no dia 2 abril, explicando em um editorial a decisão de encerrar as atividades do periódico após o ocorrido.

“Em Chihuahua, não existem condições para exercer um jornalismo de investigativo e crítico. É um exercício de alto risco, em que as agressões contra jornalistas e os níveis altíssimos de impunidade são uma constante. Passamos anos denunciando uma série de coisas e nada aconteceu. Não quero expor meus colaboradores. Acho que também é uma forma de protestar contra a falta de garantia”, ressalta Murguía.

Um dia após o assassinato de Velducea, o governador de Chihuahua, Javier Corral Jurado, deu uma entrevista coletiva afirmando que o assassinato ‘não ficaria impune’ e que as investigações iriam apresentar ‘resultados contundentes’.

Ainda de acordo com Jurado, uma equipe multidisciplinar seria criada para investigar o caso. No último dia 27 de março, o delegado responsável, César Augusto Peniche Espejel, revelou que já eram conhecidas as identidades do atirador e do motorista que fugiram após o assassinato de Velducea. Os nomes, porém, não foram revelados para não atrapalhar o andamento das investigações, informou Espejel.

O assassinato de Miroslava Velducea foi o terceiro somente no mês de março sofrido por jornalistas mexicanos.

No dia 2, o repórter Cecilio Pineda Brito, 38 anos, diretor do diário “La Voz de La Tierra Caliente”, foi alvejado por dois homens por volta das sete horas da noite no estado de Guerrero. No dia 19, no estado de Veracruz, Ricardo Monlui Cabrera, 57 anos, diretor do site “El Político” e colunista do jornal “El Diario de Xalapa”, foi morto enquanto tomava café da manhã com a mulher e o filho em uma lanchonete.

“O governo do México não tem sido capaz de garantir a possibilidade de jornalistas realizarem suas investigações. Estão fracassando na responsabilidade nacional de proteger a liberdade de expressão, que é um direito fundamental. Os jornalistas estão impossibilitados de publicar notícias simples de crime e corrupção. Eles fazem, mas estão encontrando dificuldades cada vez maiores”, afirma Carlos Lauría, diretor geral responsável pela América Latina no Committee to Protect Journalists (CPJ), sediado em Nova Iorque.

De acordo com o Comitê, 92 jornalistas mexicanos morreram desde 1992, quando a entidade passou a acompanhar a atividade pelo mundo. Os motivos variam entre crimes de corrupção, políticos e ‘queima de arquivo’.

Ainda segundo o CPJ, 86% dos casos terminam sem que culpados sejam encontrados; 11% apontam para “justiça parcial”, quando o atirador é identificado, mas o mandante do crime segue desconhecido; e 3% apontam para a resolução total do caso.

“Se há uma impunidade desse tamanho, desse nível, é porque o trabalho das autoridades é insuficiente. Em Chihuahua, está generalizada a ideia de que a imprensa é corrupta. Quando fazemos nosso trabalho, imediatamente as autoridades nos desqualificam, dizendo que queremos dinheiro. É uma situação péssima, que coloca os jornalistas à mercê dos leões, totalmente vulneráveis”, conclui Óscar Murguía.

O retrato observado na região não diferencia os outros países da rotina vivenciada pelo México. Ao contrário: a preocupação com a escalada da violência contra profissionais da imprensa é tema constante dentro do Comité.

'Nas últimas duas décadas vimos uma expansão do crime organizado e da generalização da violência na América Latina, além da instabilidade política de governos democráticos. Isso coloca em risco o jornalismo investigativo e profissionais que cobrem temas como corrupção, tráfico de drogas e abusos dos Direitos Humanos', avalia Lauría.

Segundo ele, “a imprensa e os jornalistas apresentam detalhes importantes dessas operações criminais, como rotas, preços, nomes, que certamente prejudicam essas atividades. O crescente número de ataques, mortes e desaparecimentos está produzindo danos nocivos ao jornalismo investigativo”.

Dados do CPJ dão um panorama trágico da violência contra jornalistas na América Latina. Em Honduras, dos 24 assassinatos contabilizados desde 1992, 79% (19) aconteceram a partir de 2010. Na Guatemala, a tendência cai para 26% (6), mas o número de mortes no total é semelhante: 23 assassinatos, com 17 deles sem a condenação dos culpados. Em El Salvador, ocorreram 6 mortes, com metade delas sem uma resolução do caso. Na Colômbia, o histórico que envolve o tráfico de drogas e a disputa com grupos guerrilheiros coloca o país na oitava colocação entre os que mais perderam jornalistas nas últimas duas décadas: 84 mortes e um percentual de 51% (24 mortes) motivados por crimes de corrupção.

Cuba e Chile são os únicos países que não apresentam registros de assassinatos no Comitê. Peru (16), Haiti (9) Venezuela (9) Paraguai (6), Argentina (4), República Dominicana (4) Equador (3), Bolívia (3), Nicarágua (2), Costa Rica (1) e Panamá (1) completam o mapa latino-americano.

O Brasil é o décimo país na lista de jornalistas mortos desde 1992. Foram 39 casos com motivos confirmados e outros 12 sem uma motivação aparente, de acordo com investigações.

No total, 51 óbitos, com apenas um caso em que a vítima não trabalhava diretamente com política ou direitos humanos. Valério Luiz de Oliveira, 49 anos, foi assassinado por um homem na cidade de Goiânia, depois de criticar pessoas ligadas ao clube Atlético Goianense enquanto trabalhava na Rádio Goiânia. O caso de Valério é um dos poucos em que a ação ocorreu em um grande centro do país, já que a maioria dos homicídios aconteceram em cidades pequenas, onde a fiscalização e o poder do Estado esbarram nos arranjos locais que envolvem corrupção e conflitos de interesses.

“No Brasil, esses assassinatos têm uma relação com a política local. Há jornalistas que são mortos porque estão sujeitos a um poder muito localizado, com políticos que são donos de estabelecimentos. Eles viram opositores pois o jornalista critica determinada administração e acaba sofrendo ameaças”, disse Natália Viana, diretora da “Agência Pública”, à Calle2.

“Nós temos visto no Brasil um surto de violência nos últimos cinco anos que acontece, principalmente, em cidades menores, mais distantes”, ressalta Carlos Lauría. Em 2016, ocorreram três mortes em cidades com menos de 100 mil habitantes. Foram assassinados o blogueiro Luciano Fernandes, em Piripiri, no Piauí; João Miranda do Carmo, em Santo António do Descoberto, em Goiás; e João Valdecir de Borba, São Jorge do Oeste, no Paraná. A rotina se repetiu em 2015, com óbitos em Camocim (62 mil habitantes), no Ceará; Governador Nunes Freira (25 mil habitantes), no Maranhão; e Lagoa de Itaenga (21 mil habitantes), em Pernambuco, entre outros.

O número crescente de homicídios na América Latina gera um debate: para Carlos Lauría, do CPJ, o jornalismo investigativo tem sofrido duríssimos golpes, o que, na visão dele, pode acarretar uma fuga de profissionais para outras áreas.

'A América Latina tem sofrido muito. No México é evidente que a violência teve um impacto muito forte no jornalismo de investigação. Mesmo na América Central esse cenário se repete, com o jornalismo sendo dizimado como consequência dessa violência dos grupos organizados', diz Lauría.

“É uma preocupação do Comitê analisar a quantidade e a capacidade de profissionais que investigam ser reduzida pelo clima de temor e intimidação recorrente, fazendo com que eles deixem seus países rumo ao exílio ou fechem seus jornais”, finaliza Lauría, lembrando o caso do mexicano “Norte Digital”.

“Eu não acho que vá acabar ou diminuir o nível de atuação. Desde que a Pública foi criada, em 2011, houve um aumento no número de publicações e de pessoas alcançadas por essas matérias. É claro que há um impacto quando uma ameaça acontece, mas não vejo o jornalismo investigativo a ponto de sucumbir por isso”, finaliza Natália Viana.

Fonte: CALLE2

 

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