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Administração pública sob captura pela Microsoft

14-04-2017 - E.N.

No primeiro trimestre do ano, o Estado português gastou cerca de 5,2 milhões em licenças e serviços da Microsoft. As despesas das câmaras municipais de Loures e de Cascais, de 800 mil e 616 mil, respetivamente, e do Ministério da Defesa, de 711 mil euros, são as mais avultadas.

“O que levou a Câmara de Loures a gastar mais de 800 mil euros, no mesmo dia 17 de Janeiro em que o Ministério da Defesa pagou 711 mil euros, e poucos dias antes de o município de Cascais ter acrescentado 616.530,44 euros às suas despesas? (…) Em poucas palavras, a razão é aquela que a Comissão Europeia escreveu num documento oficial: as administrações públicas estão ‘numa situação de captura pela Microsoft’”, lê-se no artigo de investigação publicado este domingo pelo jornal Público, intitulado Europa, a “colónia digital” dos EUA.

Conforme avança o jornal diário, “a captura tem um número na Europa: cada funcionário público custa 200 euros anuais em licenças de software pagas à empresa norte-americana”. Em Portugal o valor não deve diferir, contudo, nem a Agência para a Modernização Administrativa (AMA) tem dados sobre o número exato de funcionários públicos que trabalham com computadores, nem tão-pouco a Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública (ESPAP) “dispõe de informação global que permita aferir o valor total dos contratos celebrados em 2015 e 2016 entre a empresa Microsoft Lda e a Administração Pública Portuguesa”.

Certo é que, só no primeiro trimestre do ano, o Estado português pagou cerca de 5,2 milhões de euros por licenças e serviços prestados pela Microsoft, e que as despesas das câmaras municipais de Loures, atualmente liderada por Bernardino Soares, do PCP, e de Cascais, encabeçada por Carlos Carreiras, do PSD, e do Ministério da Defesa são as mais elevadas.

Por ano, e segundo “a estimativa mais conservadora de uma fonte do Governo”, a Microsoft arrecada mais de 50 milhões somente com a Administração Pública portuguesa.

O caso de Almada

O artigo faz referência ao caso de Almada, lembrando que o Parlamento aprovou, em julho de 2011, um diploma que resultou dos projetos de lei do Bloco de Esquerda e do PCP que obriga o Estado a usar software compatível com formatos de fabricantes diferentes, em toda a “transmissão e armazenamento de informação em suporte digital”, e que estipula que “é nulo e de nenhum efeito todo e qualquer acto de contratação promovido pela Administração Pública que preveja a exclusão de normas abertas”.

Dois anos após a aprovação do diploma, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada anulou um concurso público lançado pela Câmara Municipal de Almada, do PCP, para licenciamento de software Microsoft, no valor de 550 mil euros.

A autarquia argumentou que a menção, no concurso público, a uma marca específica resultava da necessidade imperiosa de manter os serviços camarários a funcionar “sem interrupções” com o “mesmo software”. Contrariando o disposto no diploma aprovado, sublinhou estar por provar “por estudos e inúmeros testes de avaliação” a compatibilidade entre o software aberto e o de “marca”.

“A lei é taxativa”, frisou o juiz, assinalando que “é proibida a fixação de especificações técnicas que façam referência a um fabricante (…) a marcas, patentes ou modelos (…) que tenha por efeito favorecer ou eliminar determinada entidade”. “As normas concursais que restringem a admissão a concurso dos produtos Microsoft são ilegais”, determinou.

A justiça deu, desta forma, razão à Associação de Empresas de Software Open Source Portuguesas, segundo a qual as especificações técnicas do concurso lançado pela Câmara Municipal de Almada impediam qualquer empresa que não a Microsoft de apresentar propostas, deixando de fora todas as empresas que não fornecem software daquele fabricante, incluindo as empresas associadas da ESOP.

A ESOP congratulou a decisão, destacando ter-se tratado da primeira decisão judicial sobre esta matéria em Portugal que reconhece a ilegalidade deste tipo de procedimento para aquisição de licenças de software.

Tal como é sublinhado no artigo do Público, nem a posição do PCP na Assembleia da República nem a decisão do tribunal impediram a Câmara de Almada de ser a entidade pública portuguesa com mais contratos de aquisição de produtos Microsoft registados na base de dados da contratação pública. Ao todo são 24, sendo que o último data já de 2017.

Direita firmou contrato com a Microsoft que limita as opções de toda a Administração Pública

Em 2014, o então governo PSD/CDS-PP negociou com a Microsoft um acordo-quadro que limita as opções de toda a Administração Pública, e que é válido por cinco anos. Segundo o Público, este acordo foi renegociado em 2015, alegadamente para garantir valores mais baixos, mas o mesmo não é público.

O PSD foi o único partido a abster-se aquando da votação final da lei sobre as normas abertas, apesar de ter votado favoravelmente o texto da proposta quer no grupo de trabalho, quer na comissão. O coordenador para esta área era o deputado Pedro Duarte que, dois meses após a votação, foi contratado pela Microsoft, e que veio posteriormente a dirigir a campanha presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa à presidência da República.

A Microsoft conta ainda nos seus quadros com Mauro Xavier, responsável pela direção de campanha de Pedro Passos Coelho para a liderança do PSD e que é atualmente o responsável da concelhia de Lisboa do PSD.

Os acordos com a Microsoft não são, contudo, exclusivos do governo PSD/CDS. Em 2006, o executivo de José Sócrates, do Partido Socialista, firmou 18 acordos com a Microsoft, por ocasião da visita de Bill Gates a Lisboa. O presidente da Microsoft foi, à época, condecorado por Jorge Sampaio com a Ordem do Infante. Dos cerca de mil milhões de euros gastos no projeto e-escolas, a maior parte destinou-se ao pagamento de licenças do software e sistema operativo da Microsoft.

Comissão Europeia contraria recomendações dos seus próprios peritos

Um estudo de 2016 da consultora Price Waterhouse Coopers sobre a contratação pública de serviços informáticos concluiu que a Microsoft é a marca que encabeça a lista de falsos concursos públicos, que o relatório reporta conterem “referências explícitas a marcas, apontando para uma situação de captura, de facto, bem como para um desrespeito pelas diretivas da UE”. Portugal figura entre os países europeus com maior número de ocorrências de “desrespeito” pelas normas da contratação pública.

A própria Comissão Europeia, que encomendou este estudo, firmou um acordo-quadro com a Microsoft, que inclui todas as instituições comunitárias, entre as quais o Parlamento e o Tribunal de Justiça Europeu, contrariando todas as recomendações dos seus próprios peritos.

Em resposta aos nove jornalistas do projecto Investigate Europe, que o Público integra, economistas, especialistas em informática, especialistas em ciber-segurança, políticos e advogados de 12 países europeus reforçaram a ideia de que “a dependência dos Estados face à Microsoft – que causa um crescimento continuado dos custos e bloqueia a inovação nos serviços públicos – provoca um desrespeito sistemático pelas leis da concorrência e pelos processos legais de contratação pública”.

Segundo os especialistas, esta dependência representa um risco acrescido no momento em que Donald Trump defende abertamente a fragmentação da União Europeia, encontrando-se os dados vitais dos Estados europeus “à mercê das agências de segurança dos EUA”.

A Microsoft é uma das empresas que mais despendem em lobbying na União Europeia. Desde 2014, já foram registados mais de 70 encontros entre a Microsoft e membros da Comissão Juncker, cinco dos quais durante o presente ano.

Raúl Oliveira, professor universitário e programador de software open-source, que preside à ESOP, considera que é inconcebível que a informação dos Estados sobre os seus cidadãos e os seus recursos, não se encontrem em território europeu e defendidos por lei europeia. "Um estado sozinho não pode fazer frente à Microsoft, mas a Europa pode", frisou.

 

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