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Donald, o tigre de papel

14-04-2017 - Barry Eichengreen

Os comentários de Donald Trump sobre a China, durante a campanha presidencial nos EUA, não criaram grandes expectativas para as relações Sino-Americanas depois da sua eleição. Trump acusou a China de “ficar com os nossos empregos,” e de “[roubar] centenas de milhares de milhões de dólares da nossa propriedade intelectual.”

Acusou repetidamente a China de manipular a sua divisa. O ponto mais baixo aconteceu no passado mês de Maio, quando Trump alertou os seus seguidores de que “Não podemos continuar a deixar que a China viole o nosso país. É isso que eles estão a fazer. É o maior roubo na história do mundo.”

Com esta retórica inflamada, muitas pessoas compreensivelmente sentiram uma inquietação considerável durante a preparação da cimeira de Trump com o Presidente chinês, Xi Jinping, na propriedade de Trump, Mar-a-Lago. Não foi difícil imaginar um aperto de mão recusado, ou a apresentação de uma factura para pagamento, como a que Trump alegadamente entregou à Chanceler alemã Angela Merkel (um relato negado pela Casa Branca).

Em vez disso, Trump tratou Xi com respeito considerável. Uma explicação para tal, é que estaria preocupado com o iminente ataque de mísseis dos EUA sobre a Síria. Uma outra, é que será mais fácil ganhar o respeito de Trump quando se tem um porta-aviões, 3 000 aviões militares, e 1,6 milhões de tropas terrestres.

Mas, claramente, a melhor explicação é que os EUA dependem demasiado da China, tanto económica como politicamente, para até um presidente tão imprudente do ponto de vista diplomático como Trump desencadear um conflito.

Economicamente, os EUA e a China estão demasiado interligados por cadeias globais de abastecimento para serem capazes de cortar relações. As empresas dos EUA não só competem com as importações chinesas; também estão extremamente dependentes das mesmas. Retalhistas como a Target e a Walmart dependem das importações chinesas para encher as suas prateleiras. Empresas de electrónica, como a Apple, dependem de trabalhadores na China para montar os seus produtos. E a ideia de que os EUA poderiam facilmente munir-se das mesmas mercadorias noutros países é ilusória. Dito de maneira simples, embora Trump tenha observado repetidamente que a China vende mais aos EUA do que os EUA vendem à China, começar uma guerra comercial num esforço para corrigir este suposto desequilíbrio ainda custaria muito caro às empresas americanas.

E se existe um grupo a que Trump dá consistentemente ouvidos, é o das empresas. Sanções comerciais agressivas dos EUA contra a China fariam cair os preços das acções, e alarmar um presidente dos EUA que mede o sucesso da sua política económica pelo nível do mercado bolsista. A Lei Aduaneira de Smoot-Hawley de 1930 não causou o Grande Colapso, nem muito menos a Grande Depressão. Mas essa lei e as retaliações estrangeiras que provocou fizeram o mercado bolsista cair ainda mais, o que não ajudou.

Também politicamente, os EUA não podem correr o risco de um conflito sério com a China, dada a crise crescente na Península Coreana, que as provocações norte-coreanas e a reacção imprudente de Trump trouxeram à ribalta. Maneirismos à parte, Trump será forçado a reconhecer que a força militar não é opção. Um ataque cirúrgico contra as instalações nucleares da Coreia do Norte provavelmente não seria bem-sucedido, e um ataque maciço provocaria uma retaliação devastadora sobre a Coreia do Sul.

A única estratégia viável consiste em sanções mais severas e maior pressão política, para trazer a Coreia do Norte à mesa de negociações. E o único interveniente capaz de agravar sanções e de aplicar pressão política eficaz é a China, cuja boa vontade é agora considerada como essencial pelos EUA.

A reviravolta de Trump relativamente à China está em consonância com o seu “reajuste” quanto à revogação do Obamacare, à reforma do código tributário, à organização de uma vasta iniciativa de investimento de infra-estruturas, e à renegociação do Acordo de Comércio Livre Norte-Americano (NAFTA). Em todos os casos, as suas eloquentes frases de propaganda chocaram de frente com a dura realidade da elaboração de políticas.

Em todas estas áreas, Trump está a aprender que está limitado pelas mesmas restrições que levaram a administração de Barack Obama a fazer as escolhas que fez. Tal como Obama, o agente da mudança está a revelar-se um agente da continuidade.

Os EUA têm algumas queixas económicas legítimas contra a China; por exemplo, relativas ao tratamento da propriedade intelectual Americana e às exportações de carne e cereais dos EUA. Mas o local adequado para dirimir tais disputas é a Organização Mundial do Comércio. E é provavelmente aí que a administração Trump acabará, tal como a de Obama.

A administração Trump poderia ainda acusar a China de manipulação cambial, repreendendo-a por manter a sua taxa de câmbio artificialmente baixa. Poderia fazê-lo agora, ou mais perto do fim do ano. Mas essa acusação seria contrária aos factos: o renminbi está hoje valorizado de forma justa, e a China tem na verdade intervindo para sustentar a taxa de câmbio, e não para enfraquecê-la ainda mais. Porém, nas correias de transmissão de Washington, DC, os factos já não são o que eram. Denunciar a China por manipulação ainda poderia agradar a um presidente que dá tanto valor ao simbolismo como Trump.

Mas esse acto teria poucas consequências. Os EUA dependem demasiado da cooperação Chinesa para arriscarem contrariar abertamente os líderes chineses. Acusar a China de manipulação cambial seria o equivalente económico de lançar 59 mísseis de cruzeiro contra uma base aérea isolada na Síria. Seria muito barulho e muita fúria, sem qualquer significado.

Barry Eichengreen

Barry Eichengreen é professor de Economia na Universidade da Califórnia, Berkeley; Pitt Professor de História e Instituições da Universidade de Cambridge American; e ex-conselheiro sénior de políticas do Fundo Monetário Internacional. Seu último livro é Hall of Mirrors: A Grande Depressão, a grande recessão, e os usos - e abusos - de História.

 

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