Edição online quinzenal
 
Quinta-feira 28 de Março de 2024  
Notícias e Opnião do Concelho de Almeirim de Portugal e do Mundo
 

Você não deve culpar o Islão pelo terrorismo. A religião não é um factor crucial em ataques

31-03-2017 - Mehdi Hasan

No que você pensa quando ouve a palavra “terrorista”? Barbas enormes e peles escuras? Migrantes muçulmanos do Oriente Médio com turbantes? Refugiados, talvez?

De acordo com um relatório da New America Foundation, “desde o 11 de Setembro, todos os jihadistas que perpetraram ataques letais dentro dos Estados Unidos eram cidadãos ou residentes legais”. Um recente estudo realizado na Grã-Bretanha, que acaba de sofrer o pior atentado terrorista desde 2005, revelou que mais de dois em cada três atentados “de inspiração islâmica” foram cometidos por indivíduos “que eram nascidos ou criados no Reino Unido”.

O estereótipo comum do terrorista nascido muçulmano no Oriente Médio não é só preguiçoso e impreciso, é também um terreno fértil para a extrema-direta anti-imigração e anti-Islã. Veja só a rápida reação de Sebastian Gorka, da Casa Branca, ao horrível ataque da semana passada em Londres: “A guerra é real,” disse ele à Fox News, enquanto os corpos das vítimas ainda estavam quentes, “e é por isso que ordens do Executivo, como a proibição de viagens imposta pelo presidente Trump, são tão importantes”.

Desculpe, como é que é? Khalid Masood, o autor dos ataques de Londres, de 52 anos, nasceu e cresceu na Grã-Bretanha.  Não teria sido afectado nem de longe por uma restrição à entrada de muçulmanos do Médio Oriente. Ele não era nem refugiado nem imigrante. Não era originário do Oriente Médio e passou a maior parte da vida sem ser muçulmano. Nasceu como Adrian Elms, de mãe branca e pai negro, e foi criado como Adrian Ajao. Acredita-se que se converteu ao Islão na prisão em 2003. Tinha uma extensa ficha corrida antes de sair atropelando transeuntes inocentes na Ponte de Westminster e de esfaquear um policial perto das Casas do Parlamento na tarde da última quarta-feira.

Parece que estou tentando isentar o Islão e os muçulmanos de culpa pelo crime hediondo de Ajao? Pode apostar que sim. E por que não deveria?

Afinal de contas, a fé islâmica teve alguma coisa a ver com a primeira condenação de Ajao por crime de dano em 1983, quando tinha 18 anos? Foi o Profeta Maomé que o orientou a traficar drogas na adolescência? Foi o Corão que, em 2000, inspirou um Ajao bêbado a furar o rosto de um homem que depois precisou tomar 20 pontos? Ajao fazia parte da luta jihadista quando esfaqueou o nariz de outro homem que depois precisou passar por uma cirurgia plástica?

Não, não, não e não. Anos depois, já como Khalid Masood, ele pode ter se radicalizado junto a islamistas violentos numa prisão inglesa ou com jihadistas salafistas numa visita à Arábia Saudita   – não sabemos e talvez nunca saberemos. Mas o que é certo é que suas inclinações violentas e seu comportamento antissocial antecediam sua conversão ao Islão, tenha ela sido “radical” ou não. Até o britânico Adrian Hilton, um académico conservador e blogueiro cristão, reconheceu: “Adrian Elms já era um cristão violento antes de se tornar o terrorista muçulmano Khalid Masood… Não foi o Islão que o transformou num degenerado miserável; ele já era um sujeito imprestável”.

Assim como outros muçulmanos convertidos que aderiram ao terror – como o canadiano Aaron Drive   e o texano John Georgelas, além dos irmãos Kouachi de Paris e os Tsarnaev de Boston –, Masood pode ter se valido de uma interpretação distorcida, simplista e politizada do Islão para justificar a acção violenta, mas duvido muito que ela tenha servido para motivá-lo. Políticos e especialistas estão obcecados pelo peso da ideologia política (o islamismo) e da fé religiosa (o Islão). Convenientemente, quando não irresponsavelmente, desviam o olhar de outros factores que podem ser ainda mais determinantes: o papel das redes sociais e dos laços familiares; as questões de identidade e pertencimento; o sentimento de perseguição; doenças mentais; dificuldades socio-económicas; a indignação em relação a conflitos e torturas; o anseio por glória, por um propósito na vida, por ação e aventura. Esses elementos vêm se revelando muito mais eficazes para prever tendências terroristas do que a religião e, mais especificamente, a religiosidade.

Não precisa confiar só na minha palavra (de muçulmano). Em 2008, apareceu um relatório feito por investigadores do MI5, o serviço de inteligência para segurança interna da Grã-Bretanha.   Alan Travis, do Guardian , obteve o documento secreto, baseado em “centenas de estudos de caso” realizados pela agência. O relatório aponta que “bem longe de serem fanáticos religiosos, muitos dos envolvidos em actos de terrorismo não praticam a fé regularmente”.

“A maior parte era de cidadãos britânicos, não de imigrantes ilegais; e eram novatos na religião, não fundamentalistas islâmicos”, escreveu Travis sobre o relatório. “Pouquíssimos foram criados em ambientes familiares religiosos, e a proporção de convertidos está bem acima da média. Alguns estão envolvidos com uso de drogas, outros bebem e frequentam prostitutas.”

Soa familiar?

A reportagem do Guardian ainda traz outra revelação: “De acordo com o MI5, há provas de que identidades religiosas bem estabelecidas, na verdade, previnem contra a radicalização violenta”.

Desde o aparecimento da pesquisa do MI5, na década passada, estudos  e  mais estudos vêm desafiando a percepção convencional e preguiçosa do peso da religião nos processos de radicalização. Ao longo dos últimos anos, conversei com várias autoridades no assunto – o antropólogo Scott Atran, o psiquiatra Marc Sageman, a historiadora Lydia Wilson – que entrevistaram terroristas “jihadistas” tanto nos campos de batalha no Iraque quanto nas celas nos Estados Unidos. Todos concordam que a fé, seja ela islâmica ou não, não é o fator determinante dessa onda recente de terror global.

“Mais do que qualquer outra coisa, terrorismo é violência política”, me disse Sageman no ano passado. Quando entrevistei Atran no meu programa na Al Jazeera inglesa, ele afirmou que, “se você dialoga com essas pessoas e observa como aderiram à ‘jihad’, (…) percebe que se fala muito pouco em religião”.

Mesmo assim, cada atentado terrorista no Ocidente é seguido de um “debate sobre religião” bem público. Quão islâmico é o ISIS? O Islão precisa de uma reforma? Os muçulmanos são uma ameaça aos valores liberais? Os países ocidentais deveriam barrar imigrantes de países de maioria muçulmana?

Ultimamente, o pessoal que quer culpar o Islão nem tenta mais esconder a evidente  satisfação que sente quando acontece um ataque terrorista. Só o nome muçulmano do autor basta para justificar o preconceito que têm. A tese deles de que “o Islão é o problema” agora já é senso comum. Eles têm um aliado na Casa Branca, se é que já não têm outra em Downing Street. A ausência de provas claras e empíricas para essa teoria espúria não os incomoda nem um pouco. Ignoram ou minimizam o facto de que a maioria dos terroristas é de “novatos religiosos”, “um conjunto diversificado de indivíduos que não se encaixam em um único perfil demográfico tampouco seguem uma mesma trajetória até chegar ao extremismo violento” – e aqui, mais uma vez, estou citando o MI5.

Como era mesmo aquela piada do Einstein? “Se os factos não se encaixam na teoria, modifique os factos”. Ou implante factos “alternativos”, talvez. Essa abordagem faz sentido se seu objetivo é demonizar o Islão e os muçulmanos, não importa o custo. Mas se você quer evitar o próximo ataque, esse foco excessivo na fé, na crença e na ideologia – que desafia as evidências e os especialistas – é uma distração perigosa. Os terroristas podem querer tentar e legitimar a sua violência apelando cinicamente para a doutrina islâmica, mas não há nenhuma razão para o resto de nós ajudá-los nisso.

Tradução: Carla Camargo Fanha

 

Voltar 


Subscreva a nossa News Letter
CONTACTOS
COLABORADORES
 
Eduardo Milheiro
Coordenador
Marta Milheiro
   
© O Notícias de Almeirim : All rights reserved - Site optimizado para 1024x768 e Internet Explorer 5.0 ou superior e Google Chrome