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O PESADELO LE PEN: FREXIT ÀS PORTAS DO ELISEU

31-03-2017 - Leneide Duarte-Plon, de Paris*

Intelectuais franceses e diplomatas veem com grande apreensão a possibilidade de Marine Le Pen chegar ao Palácio do Eliseu.

No início da noite de 7 de maio, a França pode viver o maior terremoto de sua História, o acontecimento mais temível pelos intelectuais e eleitores de esquerda, mas também pela direita republicana: a vitória de Marine Le Pen no segundo turno da eleição presidencial.

O crescimento do Front National assusta a maioria dos franceses e mesmo os investidores estrangeiros e os líderes de outros países europeus. Depois do Brexit, não pode haver maior ameaça para a existência da Europa que o « Frexit » (a saída da França da Europa), defendido pela candidata do Front National-FN, recebida na semana passada por Vladimir Putin, mais preocupado com a gradeza da Rússia que com o fim da Europa.

Do outro lado do Atlântico, Trump não vai chorar o fim da União Europeia. Os Estados Unidos preferem lidar com pequenas nações europeias soberanas, fracas e desunidas. E começaram a impor o protecionismo e o cada um por si revelado no slogan « America first ».

Aumentando a preocupação dos que temem a chegada da extrema-direita ao poder, o físico Serge Galam escreveu nesta terça-feira, 28 de março, no « Libération » um artigo no qual explica que a « abstenção diferenciada » pode perfeitamente levar Marine Le Pen ao poder. O jornal lembra que ele havia predito a vitória de Donald Trump…

Bodes expiatórios

Xenofóbico, racista, anti-europeu, nostálgico do colonialismo, o partido de Marine Le Pen, Front National, de extrema-direita nacionalista, se apresenta como « patriota » e tem a mesma concepção da identidade francesa que tinha o regime de Vichy, que governou a França durante a ocupação alemã. Essa identidade seria uniforme, branca e cristã, quase imutável desde Joana d’Arc, a heroína absoluta dos nacionalistas. Os eleitores do Front National vêm a França ameaçada pela imigração e sobretudo pelos muçulmanos, bodes expiatórios por excelência.

« A senhora divide os franceses ao visar os quatro milhões de cidadãos cuja religião é o Islã, para fazer deles os inimigos da República», acusou Emmanuel Macron durante o debate que reuniu candidatos à presidência.

Faltando um mês para o primeiro turno (23 de abril), os franceses inauguraram, dia 21 de março, a era do debate, com os 5 melhor colocados entre os 11 pretendentes. Até hoje, só houve debate televisivo entre os dois candidatos à presidência que disputavam o segundo turno.

Prova que a política é uma paixão francesa, 9,8 milhões de pessoas estavam diante da TV para o debate, que durou três horas.

No discurso binário do Front National existem os franceses, que devem ser protegidos e os estrangeiros, culpados de todos os males. O desemprego, o terrorismo, a insegurança, o déficit da Sécurité Sociale, tudo é culpa dos imigrantes. A Europa também é vista com desconfiança pois para construí-la os países renunciaram a uma parte da soberania nacional. Algumas decisões políticas e econômicas passaram a ser tomadas pela entidade supranacional, em Bruxelas, símbolo de tudo o que vai mal para os adeptos de Marine Le Pen.

Apontados como os prováveis vencedores do primeiro turno, Emmanuel Macron e Marine Le Pen não pouparam as flechas envenenadas antecipando o futuro duelo anunciado, que faz com que muitos eleitores que votariam na esquerda pensem em votar já no primeiro turno em Macron, para afastar o « pesadelo » Le Pen. Esse voto « útil » pode prejudicar muito os candidatos de esquerda, o socialista Benoît Hamon e o candidato da « France Insoumise », Jean-Luc Mélenchon, apoiado pelo Partido Comunista. Para muitos socialistas, seus programas são esquerdistas demais ou utópicos, daí o voto em Macron.

Valsa com neonazis

« Lembramos suficientemente que Marine Le Pen dançou a valsa em Viena num local de neonazistas, em 2012 ? Penso que soubemos disso e esquecemos », escreveu em artigo a psicanalista Anaëlle Lebovits-Quenehen, assinalando que se o FN ainda não chegou ao poder, é ele que vem impondo os temas da campanha.

Se eleita, Marine Le Pen vai sair da Europa (o Frexit) e da zona do euro. Uma catástrofe, segundo o « think tank » Terra Nova. Um estudo feito por desse grupo de economistas e cientistas políticos mostra que a saída do euro como moeda nacional implicaria uma perda de 15% a 20% do valor da nova-velha moeda, o franco. Assim, uma pessoa que ganha o salário mínimo (1.480,27 € para quem trabalha em tempo integral, 35 horas por semana) perderia de 7% a 12% de poder de compra com a restauração do franco.

Com o « Frexit », a França seria responsável pelo fim da Europa unida, que pôs fim ao ciclo de guerras, que o cientista político Enzo Traverso chamou de guerras civis, pois eram conflitos entre países europeus, com muita história em comum. Os analistas são unânimes : sem a França, a Europa desmorona e desaparece.

A possibilidade da vitória de Marine Le Pen agita todas as capitais europeias, sobretudo Berlim que conta com o parceiro francês para reconstruir o projeto europeu depois do Brexit, assinalava no jornal « Le Monde » a cientista política Alexandra de Hoop Scheffer.

Roteiro negro

Na semana passada, a revista L’Obs (ex Le Nouvel Observateur) saiu com Marine Le Pen na capa e o título : « Se Le Pen fosse eleita… O roteiro negro dos 100 primeiros dias ». Em onze páginas, diversos jornalistas escrevem o filme de terror que vai ser a transformação do país dos direitos humanos numa república xenofóbica, revisionista sobre seu passado colonial, aliada ao que há de mais retrógrado na Europa. Com o « Frexit », Marine Le Pen decretará o fim dos anos de paz e prosperidade do continente. As transformações econômicas com a saída do euro serão catastróficas, segundo a maior parte dos economistas de direita e de esquerda.

Apesar de Macron ter declarado não ser « nem de esquerda nem de direita », muita gente que se dizia de esquerda não vê incompatibilidade em votar nele. Oportunista, o ex-ministro da Economia de Hollande e ex-banqueiro do grupo Rothschild passou a afirmar ser «de direita e de esquerda ».

O economista Thomas Piketty, que apoia Benoît Hamon, do PS, escreveu : « Macron é um banqueiro que vai dar presentes aos banqueiros ».

Como um equilibrista que vem sendo comparado a Tony Blair ou mesmo a François Hollande em seu programa de governo, o ambíguo Macron já recebeu apoio de políticos e personalidades de direita e de esquerda. Sobre ele, alguém parafraseou Mitterrand que a respeito de outro personagem disse : « Ele não é nem de esquerda nem de esquerda ».

Intelectuais e diplomatas franceses veem com grande preocupação a possibilidade de Marine Le Pen chegar ao Palácio do Eliseu. Muitos embaixadores se declararam preocupados com o papel da França no mundo. Um deles escreveu um longo artigo no « Le Monde » dizendo que pedirá licença do cargo se ela for eleita pois não pode representar um governo em total desacordo com os princípios históricos defendidos pela França.

Para tranquilizar os que temem esse futuro negro, as pesquisas dão Marine Le Pen derrotada por qualquer um dos candidatos que chegar ao segundo turno, seja Macron seja François Fillon, o candidato da direita que vem perdendo pontos nas pesquisas devido aos escândalos de empregos fictícios de sua mulher e de dois de seus filhos. Ele é alvo de um processo em curso e apesar das pressões em seu próprio partido, não renunciou.

Para adoçar a imagem de fascista ligada a seu sobrenome, Marine Le Pen desenhou uma estratégia de limpeza da história do partido e de seu pai.. Ela passou a controlar seu sarcasmo e sua agressividade. Seu poster de campanha tem apenas seu prenome e seu movimento se chama « Rassemblement Bleu Marine ». O logotipo do Front National também desapareceu dando lugar a uma rosa azul.

Nos cartazes, a foto sorridente da candidata tem apenas uma frase : « Au nom du peuple-Marine présidente » (Em nome do povo-Marine presidente). O nome do pai desapareceu.

Tudo ainda pode mudar

A eleição totalmente atípica de 2017 na qual pela primeira vez um presidente em exercício não é candidato à reeleição não pára de surpreender. Os dois candidatos dos partidos tradicionais da esquerda (Partido Socialista) e da direita (Les Républicains) escolhidos em primárias não eram os favoritos.

Jean-Luc Mélenchon, candidato do movimento « La France Insoumise » foi considerado o melhor debatedor entre os cinco candidatos: a conhecida eloquência e o brilho de tribuno são sua marca. O ex-socialista que deixou o PS em 2008 para fundar o Parti de Gauche é o mais bem colocado entre os candidatos da extrema esquerda do espectro político francês e superou o socialista Hamon nas intenções de voto. Na extrema esquerda há dois candidatos que concorrem pela segunda vez : Philippe Poutou (Nouveau Parti Anticapitaliste) e Nathalie Arthaud (Lutte Ouvrière), ausentes do primeiro debate.

A esquerda tradicional, dividida entre Mélenchon e Hamon, não estará no segundo turno, conforme os prognósticos. A união de última hora entre as duas candidaturas é improvável pois nenhum dos dois tem intenção de desistir em favor do adversário.

É bom lembrar que se isso ocorrer, não será a primeira vez que a esquerda ficará fora do segundo turno. Em 2002, Lionel Jospin foi eliminado, contrariando todas as previsões que não apontavam Le Pen em segundo lugar.

Os franceses, chocados, se viram diante da escolha entre Jacques Chirac e Jean-Marie Le Pen. O 21 de abril de 2002 foi um tsunami que marcou uma geração. Dois milhões de franceses foram às ruas em Paris para dizer « não » ao fascismo representado por Le Pen. Chirac foi eleito com 82%, com votos da direita e da esquerda.

Até hoje, alguns eleitores de esquerda que se sentiram obrigados a votar em Chirac, o candidato da direita, para barrar Le Pen se mordem os dedos.

* Leneide Duarte-Plon é autora de «A tortura como arma de guerra-Da Argélia ao Brasil : Como os militares franceses exportaram os esquadrões da morte e o terrorismo de Estado» (Editora Civilização Brasileira, 2016)».

 

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