O PRESENTE DE TRUMP PARA A CHINA
17-03-2017 - Kaushik Basu
NOVA IORQUE – As ameaças proteccionistas do Presidente dos EUA, Donald Trump, contra a China suscitaram uma elevada dose de preocupação. Se Trump cumprir as suas promessas na íntegra e, por exemplo, declarar oficialmente que a China manipula moeda ou decidir aumentar as tarifas aduaneiras, as consequências a curto prazo — que incluem uma guerra comercial — poderão ser graves. No entanto, a longo prazo, uma transição para o proteccionismo por parte dos Estados Unidos poderia constituir uma bênção disfarçada para a China.
Não há dúvidas de que a China atravessa uma fase difícil no seu desenvolvimento. Após três décadas em que o PIB regista um crescimento de dois dígitos — uma realização com poucos paralelos históricos — o ritmo da expansão económica da China abrandou substancialmente. A combinação do aumento dos custos de mão-de-obra e da diminuição da procura de exportações chinesas reduziu o crescimento anual do PIB da China para 6,9% em 2015 e 6,7% no ano passado. O governo chinês reduziu agora para 6,5%-7% a sua meta de crescimento para o período de 2016-2020.
Continua a ser um ritmo respeitável; mas não é o melhor que China poderia conseguir. Segundo observaramJustin Yifu Lin e Asa Thye Woo em 1951, quando rendimento per capita do Japão em comparação com o dos EUA era igual ao que a China apresenta hoje, o Japão registava um crescimento contínuo de 9,2%.
Um dos impedimentos a um crescimento desta natureza por parte da China é a elevada dívida do país. A análise de um teste de esforço efectuada pelo McKinsey Global Institute constatou que se a China prosseguisse com o seu modelo de crescimento liderado pela dívida e pelo investimento, a proporção dos empréstimos improdutivos poderia aumentar do actual valor de 1,7% (segundo dados oficiais) para 15% em apenas dois anos. Dito isto, o risco de créditos malparados não é novidade para o Banco Popular da China, que, pelo que sugerem as evidências, tomará medidas para mitigar a situação.
Infelizmente, o endividamento não é o único problema da China. O seu domínio no contexto das exportações mundiais — o principal motor do seu crescimento nas últimas décadas — foi abalado. O rácio comércio total/PIB da Índia foi superior ao registado na China no ano passado. Além disso, embora a produtividade da mão-de-obra registe um aumento constante na China, continua a ser inferior aos 30% dos níveis dos países avançados.
Perante estes desafios, pode parecer estranho afirmar que a China pode estar prestes a ascender para um novo nível de influência global. Porém, devido à abordagem política de Trump, a China tem uma nova e importante oportunidade de fazer justamente essa ascensão.
Embora o comércio e os fluxos de capitais exijam regulamentação, a abertura, no cômputo geral, é muito mais positiva do que negativa. As políticas "neo-proteccionistas" de Trump — que visam limitar o fluxo de bens, serviços e pessoas para os EUA — estão enraizadas em nada mais do que numa xenofobia míope. Em última análise, isto isolará muito mais os EUA do que a China ou o México.
A história confirma este facto. Pouco antes da Primeira Guerra Mundial, a Argentina estava entre os países mais ricos do mundo, atrás dos EUA, mas à frente da Alemanha. Desde então, a economia da Argentina deteriorou-se substancialmente por duas razões: um investimento insuficiente na educação (um erro que Trump pode igualmente cometer) e um proteccionismo acentuado.
A ascensão do nacionalismo na década de 1920 culminou em 1930, quando as forças nacionalistas de extrema-direita derrubaram o governo da Argentina. O novo governo — que se opunha fortemente ao liberalismo, para não mencionar os estrangeiros — aumentou significativamente as tarifas em diversos sectores. Em média, as tarifas de importação aumentaram de 16,7% em 1930 para 28,7% em 1933. Salvaram-se empregos nos sectores tradicionais, mas a produtividade diminuiu. Actualmente, a Argentina nem sequer está entre as 50 principais economias do mundo.
Por conseguinte, pode prever-se que a abordagem política de Trump causará enormes prejuízos à economia dos EUA e terá implicações muito abrangentes, tendo em conta o papel de destaque dos EUA a nível global. No entanto, o isolamento económico auto-imposto, combinado com uma abordagem de política externa fechada que promove os "EUA em primeiro", criará também espaço para que outros países — entre os quais a China, a Índia e o México — aumentem a sua própria influência internacional.
Considere-se a retirada de Trump do Acordo de Parceria Trans-Pacífico (TPP), o acordo comercial mega-regional que inclui 12 países da região da Ásia-Pacífico, mas não a China. O TPP tinha certamente os seus defeitos — quanto mais não seja teria conferido benefícios desproporcionados e injustos às grandes empresas. No entanto, tinha muitas qualidades positivas, e era enaltecido em países como a Malásia e o Vietname pelo o acesso que oferecia ao mercado dos EUA.
Agora que foi retirado o apoio a estes países, a China pode dar uma ajuda. A China já aumentou consideravelmente os seus investimentos regionais, nomeadamente através da sua iniciativa "um cinturão, uma via". Sem a possibilidade de o TPP flui facilitar fluxos de capital entre os seus países membros, é provável que China supere os EUA e se torne a principal fonte de investimento estrangeiro directo para os países da ASEAN. A China visa igualmente aprofundar as relações económicas com a Austrália e a Nova Zelândia, países que também são signatários do TPP.
Da mesma forma, a China aproveitou a oportunidade oferecida pelo plano mal concebido de Trump de construir um muro na fronteira dos EUA com o México para aproximar-se do vizinho do sul dos EUA. Pouco mais de um mês após a eleição de Trump, o conselheiro de Estado chinês, Yang Jiechi, reuniu-se com a ministra dos Negócios Estrangeiros do México, Claudia Ruiz Massieu, comprometendo-se a aprofundar as relações diplomáticas e a aumentar as ligações aéreas e o comércio. A China já é o principal parceiro comercial do Brasil. Agora, pode visar desempenhar o mesmo papel no México, e talvez até em toda a América Latina.
Enquanto Trump adopta uma retórica cada vez mais fechada e xenófoba, o Presidente da China, Xi Jinping, está a baixar o tom do seu discurso nacionalista e a soar cada vez mais como um estadista global. Segundo parece reconhecer, a China tem agora a oportunidade não só de alcançar uma nova ronda de expansão económica, como também de garantir um papel muito mais proeminente nas tomadas de decisão e nas políticas a nível mundial.
Kaushik Basu
Kaushik Basu, ex-economista-chefe do Banco Mundial, é professor de Economia na Universidade de Cornell.
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