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Quem está por trás da campanha contra o papa Francisco no Vaticano

03-03-2017 - Christopher Lamb*

ROMA - Há alguns dias, apareceram em Roma cartazes que questionavam o Papa. Dias depois, uma falsa capa do diário L'Osservatore Romano chegou por email.

Meio que se define como um semanário de notícias católicas com linha editorial progressista –, tentou descobrir quem está por trás do que ele considera uma campanha para difamar o papa Francisco:

Fiquei em choque quando os vi. Estava sentado num bonde, perto de mim estava sentada uma monja. O bonde parou ao lado de alguns dos cartazes nos quais se via o papa Francisco com um rosto sombrio, com uma expressão de severidade, um tanto ameaçadora, e abaixo da foto havia uma lista de reclamações: ele afastou sacerdotes, ignora as preocupações dos cardeais e decapitou um antigo grupo católico, os Cavaleiros de Malta.

Isto é o contrário do que esperava encontrar em Roma. O bonde estava passando por uma parte da cidade onde normalmente se encontram imagens do Papa sorrindo, com os braços abertos ou fazendo gestos de aprovação.

Na Itália, o papado é a instituição mais parecida a uma monarquia. Por isso, não surpreende que as autoridades da cidade tenham mandado cobrir o texto que consideraram ofensivo. Só ficaram as imagens de Francisco com uma advertência abaixo, dizendo “publicação ilegal”.

Em momento quase simultâneo ao da propagação dos cartazes pelas paredes da cidade, os cardeais receberam mensagens eletrônicas com uma falsa capa do jornal vaticano L’Osservatore Romano. A cópia tinha o tradicional slogan do diário da Santa Sede e, no meio, o escudo de armas papal.

Logo, se via uma lista de perguntas enviadas ao Papa por um grupo de cardeais conservadores. O título do artigo dizia: “Ele respondeu!”. Cada pergunta tinha como resposta a expressão “sic et non!” (“sim e não!”). O Papa foi vítima de burlas em sua própria casa, e pior ainda, em latim.

Os divorciados

Embora desfrute de uma grande popularidade entre muitos católicos, Francisco está enfrentando uma agitação dentro do Vaticano, pela fúria dos fiéis da ala mais tradicional da Igreja.

A principal fonte de tensão é o tema da sexualidade. O Papa quer dar a comunhão aos divorciados que se casaram novamente. Seus oponentes dizem que essa iniciativa afetam gravemente os seculares ensinamentos da Igreja sobre o matrimônio e o porquê das segundas uniões serem consideradas adúlteras. As perguntas mostradas na página fictícia do L’Osservatore Romano se referiam a esse tema.

Na vanguarda da oposição ao Papa está um cardeal estadunidense. Seu nome é Raymond Burke, um rigoroso seguidor das diretrizes do catolicismo. Em uma oportunidade, Burke disse ao ex-secretário de Estado norte-americano John Kerry – quando este era candidato presidencial, em 2004 – que ele não podia receber a comunhão por haver expressado abertamente o seu apoio ao aborto.

O cardeal Burke tem dedicado grande parte de sua vida a estudar as leis da Igreja, e trabalha para assegurar que elas sejam implementadas. Ele acredita que o Papa está brincando perigosamente com uma tradição cristã de dois mil anos, e por isso tem até ameaçado emitir um “ato de correção” contra Francisco. Essa seria uma medida muito atrevida, extremadamente inusual, e seria a primeira vez em séculos caso seja realmente tomada.

“Claridade de doutrina”

O cardeal Burke vive num apartamento grande, bem ao lado de uma via construída por Benito Mussolini, a qual leva do rio Tibre à Praça de São Pedro. De lá, lidera sua operação para promover o que chama de “claridade de doutrina”.

As tradições, os costumes institucionais e cerimoniais, são muito apreciados entre seus correligionários. Quando visitei Burke para uma entrevista, seus assessores me mostraram seu chapéu vermelho de cardeal, o qual estava dentro de uma caixa de cristal, como se fosse de uma relíquia sagrada. Logo, me conduziram a um salão, com cadeiras altas, onde esperamos por sua grande e pomposa entrada.

Ao meu lado, estava sentado seu assessor de imprensa, que saudou o cardeal ajoelhando-se e beijando seu anel de ouro. Esse é um tradicional gesto de respeito usado dentro da Igreja, e que se dava a um príncipe ou figuras com grande poder.

Em contraste com essa cena, quando tive a oportunidade de me reunir com o papa Francisco, como jornalista credenciado no Vaticano, nós apertamos as mãos, e não pude evitar perceber que ele se sente ligeiramente incômodo quando as pessoas se ajoelham diante dele.

Incomodidade

O que se escuta em Roma é que os cartazes são obra de um grupo de direita que não gosta dos discursos do Papa, e dos apelos para que a Europa seja mais receptiva com os imigrantes.

O cardeal Burke parece ser um dos que está do outro lado desse planteamento: recentemente, ele foi visto reunido com os líderes do partido Liga do Norte, que se opõe fortemente à imigração.

Entretanto, não existe evidência concreta de que o religioso esteja por trás dos cartazes ou da notícia-paródia que chegou aos cardeais por email. Apenas a desconfiança, pelo fato de que é sabido que existem muitos católicos conservadores que estão incomodados com algumas das mudanças impulsadas por Francisco.

A decisão do pontífice de viver numa casa que antes era para convidados do Vaticano, ou a de levar ele mesmo a sua própria valise, ou a de ser locomover em um Ford Focus, ajudaram a estourar a bolha da ira contra o papa. Embora alguns qualifiquem este estilo livre como “não papal”, Francisco até agora tem rechaçado as críticas. “Não estou tomando tranquilizantes”, brincou recentemente.

Ele conta que sua maneira de lidar com estresse é escrever os problemas numa folha de papel e logo colocá-la debaixo de uma estatueta de um São José dormido. A figura do carpinteiro é conhecida por muitos católicos como alguém a quem se pode acudir quando se enfrentam grandes dificuldades práticas. “Agora ele está dormindo sobre um colchão de cartas”, diz Francisco, bem humorado.

Problemas

O problema é que o trabalho do Papa é ser a pedra capaz de manter a unidade dentro da Igreja.

Os alarmes do Vaticano se acendem sempre que um papado se torna um fator de divisão no mundo católico. Embora Francisco tenha tido sucesso na missão de falar às ovelhas desgarradas, corre o risco de alienar aqueles seguidores mais fiéis e tradicionalistas.

O papa admite que surgiram algumas fissuras entre os bispos e os sacerdotes, e que devem ser consertadas, para que não se transformem em problemas maiores.

E pode ser que isso não seja tudo. Talvez vejamos mais provocações à figura papal, em breve.

Tradução: Victor Farinelli

*Correspondente do The Tablet

 

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