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Porque é que a tuberculose persiste?

03-03-2017 - Michael Fairbanks

SÃO FRANCISCO – Muita gente na Europa e na América do Norte fica surpreendida pelo facto de a tuberculose (TB) continuar a ser um dos grandes flagelos da história da humanidade. Uma em cada três pessoas no mundo está infetada com tuberculose latente ou subclínica e os cientistas estimam que 10% delas manifestem a doença, à medida que a idade e outras doenças forem comprometendo o seu sistema imunológico. Em 2015, foram registados mais de dez milhões de novos casos de TB e cerca de dois milhões de pessoas morreram da doença.

Há três razões para a persistência da TB: os líderes políticos não entendem a sociologia que existe por trás do fenómeno, os cientistas não possuem um paradigma eficaz para combatê-la e os ricos e famosos já não morrem de TB.

A TB já afetou, em tempos, todas as classes da sociedade, mas agora atinge as populações mais vulneráveis. Isto torna-a num meme ideal para os artistas e ativistas que se centram na justiça social. A incidência da tuberculose resistente aos fármacos está a aumentar, porque os sistemas de saúde dos países pobres carecem dos recursos para avaliar a TB e para ajudar os pacientes a completarem os seus tratamentos.

Seis países – Índia, Indonésia, China, Nigéria, Paquistão e África do Sul – somam 60% de todos os casos de TB registados. A Rússia pode estar deliberadamente a subestimar os seus encargos com a TB e alguns países africanos não sabem quantos dos seus cidadãos estão infetados.

Os líderes políticos não conseguiram compreender os fatores sociológicos que estão por trás da TB. Por exemplo, a prevalência da doença geralmente não aumenta após catástrofes naturais, mas isso ocorreu no Haiti, após o terramoto de 2010, devido em parte às políticas das Nações Unidas e da USAID. Os campos de refugiados estavam lotados, as condições de saneamento eram más, as crianças sofriam de subnutrição crónica e os incentivos fiscais fizeram com que muitos prolongassem a sua estadia.

A TB atinge muitas pessoas que não votam, tais como refugiados, prisioneiros e indigentes. Prisões e bairros de lata também são locais férteis para a TB e as jovens que vivem à margem da sociedade podem infetar os seus filhos. A Organização Mundial de Saúde afirma que as mães infetadas com TB “estão associadas a um aumento de seis vezes mais nas mortes perinatais”.

A madre Teresa trabalhou durante décadas com vítimas da TB, nos bairros de lata de Calcutá, e observou que, “a maior doença dos nossos dias não é a lepra nem a tuberculose, mas sim o sentimento de se ser rejeitado”. Isolamento, estigma e discriminação não são apenas características perniciosas das sociedades fracas; elas promovem condições que facilitam infeções de TB e aumentam a taxa de difusão.

A organização Parceiros na Saúde (PIH), que gere clínicas de TB na América do Sul, nas Caraíbas e em África, pode estar entre aqueles com melhores soluções. Peter Drobac, que administrou os seus programas, disse-me que a PIH ensina os habitantes de pequenas aldeias a identificar a doença precocemente e a administrar o tratamento corretamente, bem como a construir sistemas de políticas que incidem sobre os valores subjacentes da autodeterminação e da compaixão, que reforçam qualquer sociedade.

A inovação surge, muitas vezes, com a apresentação de ideias e de ferramentas de um domínio diferente. Talvez a TB se identifique mais com o cancro do que com outras doenças infeciosas. Daryl Drummond – vice-presidente da Merrimack Pharmaceuticals e um dos inovadores responsáveis pelo único tratamento de segunda linha para o cancro do pâncreas aprovado pela Administração Federal de Medicamentos, nos EUA, disse-me que as lesões pulmonares derivadas de uma infeção tuberculosa “partilham uma similaridade acentuada com os tumores sólidos”. De facto, segundo a sua explicação, “o granuloma da TB tem muitas das características patológicas do cancro: hipoxia, um núcleo necrótico, colagénio fibroso no anel externo, o desenvolvimento de uma rede capilar circundante e a presença de células fagocíticas”.

Se Drummond estiver certo, as pessoas envolvidas na luta contra a TB poderiam procurar noutros ramos da medicina, formas de encurtar a duração do tratamento, reduzir a frequência de dosagem, reduzir os efeitos colaterais, reduzir os custos e melhorar a conformidade, tudo em simultâneo. Drummond acrescenta: “Estamos a encontrar formas de alcançar estas coisas na oncologia”.

Infelizmente, a inovação comercial é lenta na resposta à TB. Tal como o presidente do Banco Mundial e cofundador da PIH, Jim Yong Kim, refere: “Se olharmos para os três maiores assassinos – VIH, tuberculose e malária – a única doença para a qual temos medicamentos eficazes é o VIH. A razão é simples: há mercado nos Estados Unidos e na Europa”.

A TB, pelo contrário, é associada frequentemente a uma doença do “terceiro mundo” ou a doença de gente pobre. Algumas das empresas farmacêuticas mais rentáveis e poderosas do mundo, nomeadamente a AstraZeneca e a Pfizer, deixaram esse “mercado” para trás.

Tony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infeciosas, nos EUA, que, desde 1984, tem ajudado com êxito a conduzir esforços globais contra o VIH e o Zika, tem uma perspetiva diferente. “Coletivamente”, recorda, “deveríamos prestar mais atenção ao que está a acontecer à nossa volta, a nível mundial, entre as pessoas que não têm as vantagens que nós temos”. Os norte-americanos e os europeus têm de largar a “caixa registadora escorregadia do comércio” e encararem o fim da TB como sendo um desafio para a nossa humanidade coletiva.

Tem sido, certamente, um desafio para muitos dos maiores artistas e ativistas da História. Henry David Thoreau, Eleanor Roosevelt, George Orwell, Franz Kafka, Louis Braille, Wallace Thurman e Simón Bolívar lutaram com ou contra a alienação, o isolamento e a injustiça. Todos morreram de tuberculose.

Nelson Mandela foi diagnosticado com TB durante os 27 anos em que esteve preso numa cela húmida. Foram drenados do seu peito dois litros de líquido e recuperou num hospital que nunca tinha tratado um paciente negro.

Se tais ilustres indivíduos contraíssem TB, hoje, quão rápidos seriam os nossos governos e corporações a encontrar uma cura? Quantas, das 400 mil crianças que morrem de TB todos os anos, poderiam crescer, lutar por justiça social através da arte, do ativismo e do comércio e inspirar-nos a fazer o mesmo?

Michael Fairbanks
Michael Fairbanks, é Colaborador do Centro Weatherhead para Assuntos Internacionais da Universidade de Harvard, e é Presidente do Conselho de Silver Creek Medicines.

 

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