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Um imposto sobre os robôs?

03-03-2017 - Yanis Varoufakis

ATENAS — Ken leva uma vida digna como operador de uma grande máquina de colheita por conta de Luke, agricultor. A remuneração de Ken gera tributação do rendimento e pagamentos à segurança social que ajudam a financiar programas governamentais para os elementos menos afortunados da sua comunidade. Infelizmente, Luke está prestes a substituir Ken por Nexus, um robô que tem capacidade para operar a máquina de colheita durante mais tempo, com mais segurança, sob quaisquer condições meteorológicas e sem pausas para o almoço, férias ou subsídios de doença.

Bill Gates considera que, para diminuir a disparidade e compensar os custos sociais inerentes aos efeitos de deslocalização da robotização, o Nexus deverá pagar um imposto sobre o rendimento ou então Luke deverá pagar um imposto pesado para substituir Ken por um robô. E este "imposto aplicado ao robô" deve ser utilizado para financiar algo como um rendimento básico universal (RBU). A proposta de Gates, uma das muitas variantes do tema RBU, permite-nos vislumbrar aspectos fascinantes do capitalismo e da natureza humana que as sociedades ricas negligenciaram por demasiado tempo.

O sentido e o objectivo da robotização é que, ao contrário de Ken, Nexus nunca irá negociar um contrato de trabalho com Luke. Na verdade, nem sequer será remunerado. A única forma de simular um imposto sobre o rendimento em nome de Nexus é utilizando o último rendimento anual de Ken como remuneração de referência e extrair do imposto sobre o rendimento e dos encargos com a segurança social de Luke o equivalente ao que Ken pagava.

Há três problemas nesta abordagem. Para começar, o rendimento de Ken teria sofrido alterações ao longo do tempo se ele não tivesse sido despedido, ao passo que o salário de referência não pode ser alterado, a não ser arbitrariamente e de forma a colocar as autoridades fiscais contra a empresa. A administração fiscal e Luke acabariam por entrar em confronto relativamente a estimativas impossíveis na medida em que o salário de Ken teria aumentado ou diminuído, caso este ainda estivesse empregado.

Em segundo lugar, o facto de as máquinas operadas por robôs nunca terem sido operadas por seres humanos significa que não haverá um rendimento humano prévio susceptível de servir como referência para o cálculo dos impostos que estes robôs devem pagar.

Finalmente, é difícil justificar filosoficamente o facto de se obrigar Luke a pagar imposto sobre o rendimento em relação ao Nexus mas não relativamente à máquina que o Nexus opera. Afinal de contas, ambos são máquinas, e a máquina de colheita deslocalizou muito mais mão de obra humana do que o Nexus. A única justificação defensável para tratá-los de forma diferente reside no facto de o Nexus ter maior autonomia.

Mas até que ponto é que o Nexus é genuinamente autónomo de uma forma que a máquina de colheita não o é? Por mais avançado que o Nexus possa ser, apenas se poderá considerar como autónomo se desenvolver uma consciência, quer seja espontaneamente ou com a ajuda de seus criadores.

Só se o Nexus (tal como as réplicas do Nexus-6 no filme Blade Runner,de 1982) conseguir realizar esse avanço é que "conquistará" o "direito" de ser considerado como diferente da máquina de colheita que opera. Mas, então, a humanidade terá gerado uma nova espécie e um novo movimento de direitos civis (ao qual eu aderiria de bom grado) exigindo liberdade para Nexus e direitos iguais aos de Ken — incluindo um salário condigno, benefícios mínimos e direito de voto.

Assumindo que os robôs não podem ser obrigados a pagar impostos sobre o rendimento sem criar um novo potencial de conflito entre as autoridades fiscais e as empresas (acompanhado por arbitragem fiscal e corrupção), que tal tributar Nexus no ponto de venda ao Luke? Tal seria, evidentemente, possível: o Estado iria tributar um imposto de montante fixo a Luke, a partir do momento em que este substituísse o Ken pelo Nexus.

Gates apoia esta segunda melhor alternativa de "aplicar" o impostos sobre os rendimentos aos robôs. Considera que a abrandar a robotização e criar desincentivos fiscais para combater os efeitos de deslocalização da tecnologia constitui, em geral, uma política sensata.

No entanto, um imposto de montante fixo sobre os robôs apenas levaria os fabricantes de robôs a agregarem inteligência artificial no interior de outras máquinas. O Nexus será cada vez mais incorporado nas máquinas de colheita, impossibilitando a tributação do elemento robótico separadamente das peças vulgares que fazem a colheita.

O imposto sobre as vendas do robô deve ser descartado ou então deve ser generalizado num imposto sobre as vendas de bens de equipamento. Porém, imaginem o alvoroço contra um imposto sobre todos os bens de equipamento: Ai daqueles que diminuíssem a produtividade e a competitividade internas!

Desde o surgimento do capitalismo industrial que não temos sido capazes de diferenciar correctamente entre bens imóveis e activos e, por conseguinte, entre a riqueza, rendimento e lucros. É por isso que é tão difícil de conceber um imposto sobre o património. O problema conceptual de diferenciação entre o Nexus e a máquina de colheita por "ele" operada tornaria impossível chegar a acordo quanto à forma como um imposto aplicado a um robô deve funcionar.

Contudo, qual é o objectivo de tornar a vida sob o capitalismo mais complicada do que já é? Há uma alternativa a um imposto aos robôs que é fácil de aplicar e simples de justificar: um dividendo básico universal (DBU), financiado pelos rendimentos de todos os capitais.

Imaginem que uma proporção fixa de novas emissões de acções (IPO) entra num fundo público que, por sua vez, gera um fluxo de rendimento a partir do qual o DBU é pago. Com efeito, a sociedade torna-se accionista em cada empresa e os dividendos são distribuídos uniformemente por todos os cidadãos.

Na medida em que a robotização melhora a produtividade e rentabilidade das empresas, a sociedade no seu conjunto começaria a partilhar os benefícios. Livre de novos impostos, sem complicações no código tributário e sem qualquer efeito sobre o financiamento existente do Estado Providência. Na verdade, à medida que os lucros mais elevados e sua redistribuição automática através do DBU impulsionassem os rendimentos, mais elevados seriam os fundos disponíveis do Estado Providência. Associado ao reforço dos direitos laborais e a um salário digno, o ideal de prosperidade partilhada beneficiaria de uma nova oportunidade de vida.

As duas primeiras revoluções industriais foram realizadas em máquinas produzidas por grandes inventores em celeiros enaltecidos e adquiridas por empresários astutos que exigiram direitos de propriedade sobre o fluxo de rendimento que as "suas" máquinas geravam. A revolução tecnológica de hoje é marcada pela crescente socialização da produção de capital. Uma resposta prática seria socializar os direitos de propriedade sobre os avultados fluxos de rendimento que o capital gera actualmente.

Em síntese, abandonemos a ideia de tributar Nexus ou Luke. Em vez disso, coloquemos uma parte do património de Luke num fundo público, que, posteriormente, disponibilizará um pagamento universal a todos. Além disso, é preciso legislar no sentido de melhorar os salários e as condições de todos os cidadãos activos, ao mesmo tempo que os nossos impostos proporcionam a Ken subsídios de desemprego, a garantia de um emprego remunerado na sua comunidade ou a reconversão profissional.

Yanis Varoufakis
Yanis Varoufakis, ex-ministro das Finanças da Grécia, é professor de Economia na Universidade de Atenas

 

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