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Rendimento básico: “Infelizmente, năo há milagres”

03-02-2017 - Jean Claude Laumonier

Entrevista com Michel Husson, economista e membro do Conselho Científico da ATTAC, acerca da proposta defendida por Benoît Hamon nas primárias do PS francês.

Na abertura do teu artigo “ O mundo maravilhoso do rendimento universal ”, escreves: “Que uma sociedade garanta um rendimento decente a todos os seus membros é evidentemente um objetivo legítimo. Mas isso não implica uma adesão ao rendimento básico universal”. O que queres dizer com isto?

Nos últimos 10 anos, os sucessivos governos recusaram qualquer revalorização salarial significativa das prestações mínimas: elas caíram pelo menos 20% em relação ao salário mínimo, e as associações afetadas reivindicam por isso um aumento de 25%. Essa reivindicação faz parte das medidas de urgência de luta contra a pobreza é preciso lutar por um aumento das prestações mínimas e o seu alargamento aos jovens entre 18 e 25 anos. Até Manuel Valls propõe um “rendimento decente” relativamente alto (entre 800 e 850 euros), mas porque não pensou nisso mais cedo?

Isso não exige todavia uma grande inclinação para um rendimento básico universal. O lado sedutor deste tipo de projeto é efetivamente a incondicionalidade e portanto a universalidade toda a gente o recebe sem sequer ter pedido. Estamos então numa “sociedade boa” que garantiria a todos os seus membros uma existência decente, independentemente de qualquer contribuição. Infelizmente, não há milagres, e se olharmos de perto o conteúdo desses projetos, apercebemo-nos de que todos sofrem a seguinte contradição. Ou o nível de rendimento é considerado “suficiente” ou “decente” (digamos 1000 euros por mês), e então deve ser compensado por uma transferência quase integral da proteção social: o rendimento básico irá substituir as reformas e cobrir as despesas de saúde. Ou o seu nível não é “suficiente” (digamos 400 euros), e o rendimento universal não é mais que uma redistribuição das prestações mínimas que já existem.

O rendimento universal quer ser uma dupla resposta à generalização da utilização de robôs que irá alegadamente destruir os empregos assalariados, e ao desenvolvimento de novas formas de empregos ligados à “economia digital” O que achas disso?

Por causa dos robôs não haverá empregos para toda a gente; e por causa da economia digital não haverá empregos estáveis. Portanto, à falta de empregos decentes, reivindiquemos um rendimento. Este “portanto” seria não só realista como também moderno. Mas assenta numa renúncia definitiva, a do direito a um emprego decente. Admitamos que se concretizam as previsões catastrofistas que dizem que um emprego em cada dois será substituído por um robô. Numa sociedade racional, isso devia ser uma boa notícia: os robôs vão trabalhar em vez de nós, então iremos todos trabalhar a meio tempo! Na lógica capitalista isto torna-se: vamos destruir metade dos postos de trabalho. Se nos resignamos a esta lógica, então de facto é preciso pelo menos tentar obter um rendimento. Mas há aí uma grande ingenuidade que consiste em julgar que será mais fácil conseguir dos capitalistas, soba forma de rendimento, o que eles recusam sob a forma de redução do tempo de trabalho.

Quanto à economia digital, ela serve de pretexto a um regresso às formas de emprego ultraflexíveis. Phillipe Van Parijs, um dos grandes promotores do rendimento universal, explica que “a realidade do século XXI” não é a redução do tempo de trabalho mas a “multiplicação do trabalho atípico, do trabalho independente, do trabalho a tempo parcial, dos contractos de todo o tipo” (L’Obs, 7 julho 2016). Seria então preciso resignarmo-nos e renunciar a um estatuto do assalariado tendo em conta as novas formas de trabalho, como se a sociedade se devesse adaptar às inovações tecnológicas e não o contrário.

Para Benoît Hamon, “o rendimento universal é a nova proteção social” Qual é o teu ponto de vista?

Um rendimento universal inteiramente realizado representaria uns 30% do PIB, com contas feitas por baixo. Só pode ser financiado na condição de se substituir à proteção social na íntegra; os mil euros por mês substituiriam as pensões e deveriam também cobrir as despesas de saúde. Esta “nova proteção social” seria então individualizada por natureza e por isso em rotura com a lógica de solidariedade e de mutualização que sustentaram historicamente o progresso social. Na verdade, o projeto de Benoît Hamon é mais prudente. Ele propõe no imediato uma revalorização do rendimento mínimo (RSA) em 10%, que seria alargado de forma incondicional a todos os jovens de 18 a 25 anos (les Échos, 18 dezembro 2016). Para ir mais além, o rendimento universar deverá “articular-se com as ajudas sociais existentes” e Hamon fala de “fusões orientadas” com as prestações mínimas (23 mil milhões de euros), ajudas à habitação (18 mil milhões) ou prestações familiares (53 mil milhões). Mas isso não chega para financiar os 300 mil milhões de euros do seu projeto, e Hamon explica que “aborda estas propostas com prudência” (les Échos, 3 outubro 2016). Ao reafirmar que “o rendimento básico deve reforçar e não reduzir a proteção social”, ele mostra que nada disso está garantido à partida.

Qual seria a alternativa?

A verdadeira alternativa é um ecossocialismo. O capitalismo atingiu os seus limites e é incapaz de responder às necessidades sociais, ou de enfrentar o desafio climático. Por isso é preciso imaginar projetos que desencadeiem uma bifurcação rumo a outro sistema, uma espécie de “programa de transição” cujo eixo central fosse a redução do tempo de trabalho. E até podemos citar o que Trotsky escreveu em 1938, porque neste ponto conservou toda a sua atualidade: “O proletariado não pode tolerar, sob pena de degenerar, a transformação de uma parte crescente dos operários em desempregados crónicos, em miseráveis vivendo das migalhas de uma sociedade em decomposição. O direito ao trabalho é o único direito sério que o operário tem numa sociedade fundada sobre a exploração. Entretanto, este direito é-lhe retirado a cada instante. Contra o desemprego, tanto “estrutural" quanto conjuntural, é tempo de lançar, ao mesmo tempo que a palavra de ordem de trabalhos públicos, a de escala móvel das horas de trabalho. Os sindicatos e as outras organizações de massas devem unir aqueles que têm trabalho àqueles que não o têm através dos mútuos compromissos da solidariedade. O trabalho disponível deve ser repartido entre todos os operários existentes, e essa repartição deve determinar a duração da semana de trabalho. O salário médio de cada operário continua o mesmo da antiga semana de trabalho! O salário, com um mínimo estritamente assegurado, segue o movimento dos preços. Nenhum outro programa pode ser aceite para o atual período de catástrofes”.

A redução do tempo de trabalho deve ser o momento para uma incursão no direito de propriedade, instituindo um controlo por parte dos trabalhadores em matéria de contratações. Por muito que a burguesia esteja disposta a distribuir um rendimento para saldar todas as contas, ela é absolutamente hostil a qualquer tentativa de pôr em causa o poder patronal. De forma geral, e em coerência com a transição ecológica, é preciso inverter a lógica capitalista partindo das necessidades e limitações e criando a partir do zero os empregos ecologica e socialmente úteis. Para prolongar a comparação com os anos 1930, “a palavra de ordem de trabalhos públicos”, evocada por Trotsky, encontra hoje a sua extensão na ideia de Estado “empregador de último recurso”.

Estas vias radicais estão à altura dos desafios do nosso “período de catástrofes”, mas parecem fora de alcance, tendo em conta as relações de forças realmente existentes. É neste cenário que prospera um projeto como o do rendimento universal, que surge como uma forma de contornar os obstáculos e passar de novo à ofensiva. Pelo menos tem o mérito de suscitar uma reflexão sobre a sociedade que queremos, mas funciona também como uma distração e um obstáculo à construção de uma estratégia alternativa.

Entrevista conduzida por Jean Claude Laumonier, publicada no semanário L’Anticapitaliste e no portal Europe Solidaire Sans Frontières.

Tradução de Luís Branco para o esquerda.net

 

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