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30-12-2016 - Joseph E. Stiglitz

NOVA IORQUE – Numa altura em que o presidente eleito Donald Trump ocupa o seu gabinete, o que sabemos sobre a possível direcção e impacto da política económica do seu governo?

Na verdade, há muitas incertezas. Tal como se verifica em muitos domínios, as promessas e declarações sobre a política económica de Trump são pouco coerentes. Embora acuse frequentemente os outros de não dizerem a verdade, muitas das suas afirmações e promessas no plano económico — mais concretamente, toda a sua visão sobre governação — parecem dignas dos propagandistas da "grande mentira" da Alemanha nazi.

Trump assumirá o comando de uma economia que assinala uma forte tendência ascendente, com o PIB do terceiro trimestre a registar um crescimento a uma taxa anual impressionante de 3,2% e o desemprego cifrando-se em 4,6%, em Novembro. Em contrapartida, quando o presidente Barack Obama assumiu o cargo em 2009, herdou de George W. Bush uma economia que se afundava numa profunda recessão. Além disso, à semelhança de Bush, Trump é mais um presidente republicano que vai assumir o cargo apesar de ter perdido o sufrágio popular, apenas para fingir que tem um mandato para empreender políticas extremistas.

A única forma de Trump conciliar as suas promessas de aumentar as despesas consagradas às infra-estruturas e à defesa com cortes fiscais substanciais e a redução do défice é através de uma elevada dose daquilo que se designava habitualmente por "economia vudu". Depois de décadas de "cortes nos excessos" a nível do governo, pouco restou para cortar: o emprego do governo federal enquanto percentagem da população é hoje mais baixo do que era na época do governo pequeno sob a presidência de Ronald Reagan, há cerca de 30 anos.

Com um número tão elevado de antigos oficiais militares a assumir cargos no gabinete de Trump ou no papel de consultores, e até mesmo com Trump a tentar cair nas boas graças do Presidente russo Vladimir Putin e a forjar uma aliança informal de ditadores e dirigentes autoritários em todo o mundo, é provável que os EUA venham a aumentar a despesa em armas que não funcionam para usar contra inimigos que não existem. Se o Ministro da Saúde de Trump conseguir anular a lei de equilíbrio cauteloso subjacente ao Obamacare, os custos sofrerão um aumento ou os serviços deteriorar-se-ão — é bem provável que aconteçam ambas as situações.

Durante a campanha, Trump prometeu aplicar medidas severas aos executivos que externalizam os empregos norte-americanos. Trump acena agora a notícia de que a Carrier irá manter cerca de 800 postos de trabalho no meu estado de origem, Indiana, como prova de que a sua abordagem funciona. No entanto, esta medida custará 7 milhões de dólares aos contribuintes e ainda assim permitirá que a Carrier (empresa fabricante de equipamentos de aquecimento doméstico e de ar condicionado) externalize 1 300 postos de trabalho ao México. Não é uma política industrial ou económica correcta, e em nada contribuirá para aumentar os salários ou criar bons empregos no país. É um convite aberto a uma extorsão do governo por parte de executivos de empresas em busca de donativos.

De igual modo, é provável que o aumento da despesa consagrada às infra-estruturas seja realizado através de créditos fiscais, o que terá efeitos positivos para os fundos de cobertura (hedge funds), mas não para o balanço dos EUA: o longo historial de programas desta natureza demonstra que são pouco vantajosos do ponto de vista económico. O custo para o público será especialmente elevado numa época em que o governo pode contrair empréstimos a taxas de juro próximas de zero. Se estas parcerias público-privadas forem semelhantes às existentes noutros lugares, o governo assumirá os riscos e os fundos de cobertura assumirão os lucros.

O debate ocorrido há apenas oito anos sobre as infra-estruturas "prontas a serem lançadas" (shovel-ready) parece ser uma memória distante. Se Trump optar por projectos "prontos a serem lançados", o impacto a longo prazo sobre a produtividade será mínimo; se optar por infra-estruturas reais, o impacto a curto prazo sobre o crescimento económico será mínimo. Além disso, o estímulo retardado tem os seus problemas próprios, a menos que seja gerido com muita cautela.

Se a escolha de Trump para Secretário do Tesouro dos EUA — o veterano da Goldman Sachs e dos fundos de cobertura, Steven Mnuchin — for semelhante à de outros do seu sector, o conhecimento especializado que este trará para o exercício da sua função será no âmbito da evasão fiscal, e não da construção de um sistema fiscal bem concebido. A “boa” notícia é que a reforma tributária era inevitável e seria provavelmente levada a cabo pelo presidente da Câmara dos Deputados Paul Ryan e pela sua equipa — proporcionando aos ricos o sistema fiscal menos progressivo e mais favorável ao capital que os republicanos há muito pretendiam. A abolição do imposto predial permitiria que os republicanos concretizassem finalmente a ambição histórica de criar uma plutocracia dinástica — totalmente diferente da "igualdade de oportunidades" máxima que partido em tempos alardeava.

A aplicação de substanciais reduções nos impostos e o aumento significativo das despesas resultam inevitavelmente em défices muito elevados. Conciliar isto com a promessa de Trump de reduzir o défice implicará, possivelmente, o regresso à “era do pensamento mágico” de Reagan: apesar de décadas de prova em contrário, desta vez o estímulo à economia decorrente de reduções fiscais para os ricos será de tal modo elevado que as receitas fiscais irão efectivamente aumentar.

Esta história não acaba bem para os seus eleitores indignados e deslocados do “Cinturão da Ferrugem” (Rust Belt). A execução de políticas orçamentais insanas incitará a Reserva Federal dos EUA a normalizar mais rapidamente as taxas de juro. Alguns consideram que a inflação é incipiente (tendo em conta a reduzida taxa de desemprego); alguns acreditam que o longo período de taxas de juro muitíssimo reduzidas distorceu os mercados de capitais; e alguns pretendem “repor as suas munições”, para que a Reserva Federal possa reduzir as taxas de juro se a economia registar um novo abrandamento.

Trump defendeu que a Reserva Federal deverá aumentar os juros. A Reserva Federal, que deu o primeiro passo para a normalização no início de Dezembro, irá quase seguramente concretizar esse objectivo — e Trump lamentará em breve a sua pretensão. Há uma forte probabilidade de que a contracção monetária venha a superar o estímulo fiscal, refreando o surto de crescimento de Obama actualmente em curso. O aumento das taxas de juro irá subvalorizar os trabalhos na área construção e aumentar o valor do dólar, resultando em défices comerciais mais elevados e na redução do número de postos de trabalho na indústria — justamente o oposto do que Trump prometeu. Entretanto, as suas políticas fiscais terão benefícios limitados para a classe média e para as famílias de trabalhadores — e serão mais do que compensadas por cortes nos cuidados de saúde, na educação e nos programas sociais.

Se Trump iniciar uma guerra comercial — para, por exemplo, dar seguimento à promessa de impor direitos aduaneiros da ordem dos 45% às importações provenientes da China e construir um muro na fronteira dos EUA com o México — o impacto económico será ainda mais grave. O gabinete de bilionários de Trump poderia continuar a comprar as suas malas Gucci e pulseiras da marca Ivanka no valor de 10 000 dólares, mas o custo de vida dos cidadãos norte-americanos comuns aumentaria substancialmente; e a ausência de componentes provenientes do México e de outros países, tornaria os empregos na indústria ainda mais escassos.

Na verdade, serão criados alguns postos de trabalho novos, principalmente nas lojas lobistas da K Street, em Washington, DC, enquanto Trump volta a encher o pântano que prometeu drenar. Com efeito, é possível que o pântano da corrupção lícita nos EUA atinja uma profundidade nunca vista desde a administração do Presidente Warren G. Harding, em 1920.

E não se vislumbra o horizonte por trás da nuvem que paira agora sobre os EUA e o mundo. Por pior que a sua administração se afigure para a economia e os trabalhadores norte-americanos, é provável que as suas políticas em matéria de alterações climáticas, de direitos humanos, de meios de comunicação social e de garantia da paz e da segurança sejam menos desfavoráveis para todos os outros.

Joseph E. Stiglitz

Joseph E. Stiglitz, vencedor do Prémio Nobel de Ciências Económicas em 2001 e a medalha Clark John Bates em 1979, é professor universitário na Universidade de Columbia, co-presidente do Grupo de Alto Nível de Especialistas sobre a Medição do Desempenho Económico Social e progresso na OCDE, e economista-chefe do Instituto Roosevelt. Um ex-vice-presidente sénior e economista-chefe do Banco Mundial e presidente do Conselho de Assessores Económicos do presidente dos EUA Bill Clinton, em 2000, fundou a Initiative for Policy Dialogue, um grupo de reflexão sobre o desenvolvimento internacional com sede na Universidade de Columbia. Seu livro mais recente é “Reescrevendo as regras da economia americana”.

 

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