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A Era da Hiperincerteza

23-12-2016 - Barry Eichengreen

BERLIM – O ano de 2017 marcará o 40º aniversário da publicação de A Era da Incerteza de John Kenneth Galbraith. Quarenta anos é muito tempo, mas vale a pena olharmos para trás e lembrar-nos daquilo que Galbraith e os seus leitores consideravam ser incerto.

Em 1977, quando Galbraith escreveu, o mundo recuperava ainda dos efeitos do primeiro choque petrolífero da OPEP, e perguntava-se se sofreria mais algum (como sofreu). Os Estados Unidos confrontavam-se com o abrandamento do crescimento e aceleração da inflação, ou estagflação, um problema novo que levantou questões sobre a competência dos responsáveis políticos e a adequabilidade dos seus modelos económicos. Entretanto, os esforços para reconstruir o sistema monetário internacional de Bretton Woods ruíram, lançando uma sombra sobre as perspectivas para o comércio internacional e para o crescimento económico global.

Por todas estas razões, a idade de ouro da estabilidade e previsibilidade do terceiro quartel do século XX parecia ter terminado bruscamente, para ser seguida por um período de incerteza grandemente ampliada.

Era este o aspecto das coisas em 1977. Vista da perspectiva de 2017, contudo, a incerteza de 1977 parece quase invejável. Em 1977, não havia Presidente Donald Trump. Jimmy Carter pode não ter ficado na história como um dos melhores presidentes dos EUA, mas não ameaçou tomar medidas que colocassem em risco todo o sistema global. Não virou costas aos compromissos internacionais da América, como a NATO e a Organização Mundial do Comércio.

Carter também não entrou em conflito com a Reserva Federal, nem encheu o conselho da mesma com nomeados solidários, dispostos a sacrificarem bom dinheiro para as suas perspectivas de reeleição. Pelo contrário, nomeou Paul Volcker, um eminente pilar da estabilidade monetária, como presidente do Conselho de Governadores. E embora Carter não tenha conseguido equilibrar o orçamento federal, também não o destruiu.

Ainda teremos de ver se Trump aplica tarifas às mercadorias Chinesas, se repudia o Acordo de Comércio Livre Norte-Americano, se enche o Conselho da Reserva Federal, ou se enfraquece a sustentabilidade fiscal. Os resultados concebíveis vão dos levemente tranquilizadores aos absolutamente catastróficos. Quem sabe o que acontecerá? Pelas normas de hoje, Carter seria a encarnação da previsibilidade.

Além disso, em 1977 as perspectivas para a integração Europeia eram promissoras. A Dinamarca, a Irlanda, e principalmente, o Reino Unido tinham aderido recentemente a uma Comunidade Europeia em rápido crescimento. A CE estava a atrair membros, e não a perdê-los. Era um clube ao qual os países queriam pertencer, precisamente para conseguirem um crescimento económico mais rápido.

De mais a mais, para suportar o seu mercado comum, a CE tinha criado um sistema monetário regional, sugestivamente apelidado de “serpente monetária.” Embora este sistema monetário estivesse longe de ser perfeito, tinha um atributo muito positivo: os países podiam sair do mesmo quando se encontrassem em dificuldades económicas, e voltar a entrar se e quando as suas perspectivas melhorassem.

Em 2017, pelo contrário, as negociações sobre o Brexit continuarão a projectar uma nuvem escura de incerteza sobre a União Europeia. Ninguém poderá adivinhar o modo como estas negociações decorrerão nem o tempo que demorarão. Por outro lado, as principais questões levantadas pela decisão de saída da Grã-Bretanha (se será seguida por outros países e, no fundo, se a própria UE tem futuro) continuam longe de estar resolvidas.

Entretanto, a casa monetária da Europa permanece construída só pela metade. A zona euro não é suficientemente apelativa para atrair membros adicionais, nem suficientemente flexível para conceder férias temporárias a incumbentes em apuros, como fazia a serpente monetária. O euro sobreviverá provavelmente a este ano, sendo a inércia o que é. Para além disso, é difícil prever.

Em 1977, as incertezas que emanavam dos mercados emergentes não estavam nos radares dos comentadores. Os países em vias de desenvolvimento da América Latina e da Ásia Oriental estavam a crescer, embora dependessem cada vez mais de um gotejamento de empréstimos estrangeiros dos grandes bancos. A China, então em grande parte isolada do mundo, não participava nesta discussão. E mesmo que algo corresse mal no Terceiro Mundo, os países em vias de desenvolvimento eram demasiado pequenos para arrastar a economia global.

A situação actual não poderia ser mais diferente. O que acontece na China, no Brasil, ou na Turquia, já não fica na China, no Brasil, ou na Turquia. Pelo contrário, os desenvolvimentos nestes países têm implicações de primeira ordem para a economia mundial, dado o modo como os mercados emergentes foram responsáveis pela maior parte do crescimento global nos últimos anos. A China tem um problema ingerível de dívida das empresas e um governo cujo compromisso em reestruturar a economia é incerto. A Turquia tem um enorme défice da balança de transacções correntes, um presidente imprevisível, e uma vizinhança geopolítica instável. E se os escândalos políticos fossem bens exportáveis, o Brasil teria uma clara vantagem comparativa.

Embora a Era da Incerteza versasse muito mais do que o ano de 1977, capturava o teor dessa época. Mas se Galbraith escrevesse o mesmo livro em 2017, chamaria provavelmente à década de 1970 A Era da Garantia.

Barry Eichengreen

Barry Eichengreen é professor de Economia na Universidade da Califórnia, Berkeley; Pitt Professor de História e Instituições da Universidade de Cambridge American; e ex-conselheiro sénior de políticas do Fundo Monetário Internacional. Seu último livro é Hall of Mirrors: A Grande Depressão, a grande recessão, e os usos - e abusos - de História.

 

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