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Porquê Trump?

21-10-2016 - Joseph E. Stiglitz,

NOVA IORQUE – À medida que ando a viajar pelo mundo nas últimas semanas, tenho feito duas perguntas repetidamente: é concebível que Donald Trump pudesse ganhar a presidência dos Estados Unidos? E em primeiro lugar, como é que a sua candidatura conseguiu chegar tão longe?

Quanto à primeira questão, embora a previsão política seja ainda mais difícil do que as previsões económicas, as probabilidades estão fortemente a favor de Hillary Clinton. No entanto, a proximidade na corrida (pelo menos até muito recentemente) tem sido um mistério: Clinton faz parte dos candidatos presidenciais mais qualificados e bem preparados que os Estados Unidos já teve, enquanto Trump é um dos menos qualificados e pior preparados. Além disso, a campanha de Trump tem sobrevivido a um comportamento que, no passado, teria acabado com as hipóteses de um candidato.

Então por que iriam os americanos jogar à roleta russa (o que significa uma hipótese em seis para uma vitória de Trump)? Os que vivem fora dos Estados Unidos querem saber a resposta, porque o resultado também os afeta, embora não tenham nenhuma influência nele.

E isso leva-nos à segunda questão: porque é que o Partido Republicano dos Estados Unidos nomeou um candidato que até mesmo os seus líderes rejeitaram?

Obviamente, muitos fatores ajudaram Trump a vencer os outros candidatos republicanos nas 16 primárias, para chegar até aqui. Personalidades de peso e algumas pessoas que parecem criar simpatia pela personagem de reality show que Trump interpreta.

Mas vários fatores subjacentes também parecem ter contribuído para a proximidade na corrida. Para começar, muitos americanos estão pior a nível económico do que estavam há 25 anos. O rendimento médio dos trabalhadores a tempo inteiro do sexo masculino é menor do que era há 42 anos e é cada vez mais difícil, para aqueles com educação limitada, arranjar um emprego a tempo inteiro que lhes garanta um salário decente.

De facto, os salários reais (ajustados pela inflação) que estão no final da lista da distribuição de rendimentos estão mais ou menos onde estavam há 60 anos. Então não é surpresa nenhuma que Trump encontre uma grande e recetiva audiência, quando ele diz que o estado da economia está putrefacta. Mas Trump está errado tanto em relação ao diagnóstico como à prescrição. A economia dos EUA como um todo tem andado bem nas últimas seis décadas: o PIB aumentou quase seis vezes mais. Mas os frutos desse crescimento só foram colhidos por um número relativamente pequeno de pessoas que estão no topo – pessoas como Trump, devido, em parte, à redução massiva de impostos que ele iria alargar e aprofundar.

Em simultâneo, as reformas que os líderes políticos prometeram que iriam assegurar prosperidade para todos – como o comércio e a liberalização financeira – não produziram os resultados desejados. Nem chegaram lá perto. E aqueles, cujo padrão de vida estagnou ou diminuiu chegaram a uma simples conclusão: ou os líderes políticos da América não sabiam o que estavam a dizer ou estavam a mentir (ou ambas).

Trump quer culpar o comércio e a imigração por todos os os problemas da América. Ele está errado. Os EUA teriam enfrentado a desindustrialização mesmo que não houvesse um comércio mais livre: o emprego global nas fábricas tem vindo a diminuir, com ganhos de produtividade superiores ao crescimento da procura.

Quando os acordos comerciais fracassaram, não foi pelo facto de os EUA terem sido enganados pelos seus parceiros comerciais; mas sim porque a agenda comercial dos EUA foi moldada por interesses corporativos. As empresas da América têm se saído bem e foram os republicanos que bloquearam os esforços para assegurar que os americanos, que pioravam a situação através de acordos comerciais, iriam partilhar os benefícios.

Assim, muitos americanos sentem-se golpeados por forças fora do seu controlo, levando a resultados que são claramente injustos. Suposições de longa data – que a América é uma terra de oportunidades e que cada geração será melhor do que a última – têm sido postas em causa. A crise financeira global pode ter representado um ponto de viragem para muitos eleitores: o seu governo salvou os banqueiros ricos que levaram os EUA à beira da ruína, embora aparentemente não tenha feito quase nada pelos milhões de americanos comuns que perderam os seus empregos e as suas casas. O sistema não produziu apenas resultados injustos, como também parece ter sido manipulado para fazê-lo.

O apoio a Trump baseia-se mais, pelo menos parcialmente, na raiva generalizada decorrente dessa perda de confiança no governo. Mas as políticas propostas por Trump iriam tornar uma má situação numa muito pior. É certo que, outra dose de economia trickle-down (efeito cascata) do género que ele promete, com cortes nos impostos destinados quase totalmente às corporações e americanos ricos, produziria resultados que não seriam melhores do que os últimos que foram testados.

Na verdade, o lançamento de uma guerra comercial com a China, o México e outros parceiros comerciais dos EUA, como Trump promete, tornaria todos os americanos mais pobres e criaria novos obstáculos à cooperação global necessária para enfrentar os problemas globais que são críticos, como o Estado Islâmico, o terrorismo global e as alterações climáticas. Usar o dinheiro que poderia ser investido em tecnologia, educação ou infraestruturas para construir um muro entre os EUA e o México é um “dois em um” em termos de desperdício de recursos.

Há duas mensagens que as elites políticas dos EUA deveriam estar a ouvir. As teorias fundamentalistas do mercado neo-liberal simplista que tanto moldaram a política económica durante as últimas quatro décadas são gravemente enganosas, com o crescimento do PIB ao preço da crescente desigualdade. A economia trickle-down não funciona e não irá funcionar. Os mercados, é claro, não existem num vácuo. A “revolução” Thatcher-Reagan, que reescreveu as regras e reestruturou mercados para benefício dos que estão no topo, teve bastante sucesso no aumento da desigualdade, mas falhou completamente na sua missão de aumentar o crescimento.

Isto leva à segunda mensagem: é preciso reescrever as regras da economia, uma vez mais, desta vez para garantir que os cidadãos comuns saem a beneficiar. Os políticos nos EUA e noutros países que ignorarem esta lição serão responsabilizados. A mudança implica riscos. Mas o fenómeno Trump - e mais alguns desenvolvimentos políticos semelhantes na Europa - revelou riscos muito maiores inerentes ao não acatar esta mensagem: sociedades divididas, democracias prejudicadas e economias enfraquecidas.

Joseph E. Stiglitz
Joseph E. Stiglitz, vencedor do Prémio Nobel de Ciências Económicas em 2001 e a medalha Clark John Bates em 1979, é professor universitário na Universidade de Columbia, co-presidente do Grupo de Alto Nível de Especialistas sobre a Medição do Desempenho Económico Social e progresso na OCDE, e economista-chefe do Instituto Roosevelt. Um ex-vice-presidente sénior e economista-chefe do Banco Mundial e presidente do Conselho de Assessores Económicos do presidente dos EUA Bill Clinton, em 2000, fundou a Initiative for Policy Dialogue, um grupo de reflexão sobre o desenvolvimento internacional com sede na Universidade de Columbia. Seu livro mais recente é “Reescrevendo as regras da economia americana”.

 

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