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A Trágica Escolha de Erdogan

23-09-2016 - Dani Rodrik

Erdogan teve, por duas vezes, a chance de ser um grande líder. A um custo considerável a seu legado, e até maior para a Turquia, ele errou nas duas vezes.

CAMBRIDGE – Desde que o presidente turco Recep Tayyip Erdogan ganhou sua primeira eleição geral em 2002, ele se tornou obcecado pela ideia de que seu poder seria tomado por um golpe. Ele tinha boas razões para se preocupar até naquela época. O establishment ultra secularista da Turquia, acomodado nos altos escalões do judiciário e do exército na época, não escondeu sua antipatia para com Erdogan e seus aliados políticos.

O próprio Erdogan foi preso por recitar poesia ligada à religião, o que o preveniu de entrar no cargo imediatamente quando seu Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP) assumiu o cargo em novembro de 2002. Em 2007, o exército divulgou uma declaração se opondo ao candidato à presidência do AKP – então um figurão conhecido. E em 2008, o partido quase não escapou de ser fechado pela corte principal do país por “atividades anti-seculares”.

Os esforços da velha guarda foram um tiro no pé e serviram somente para aumentar a popularidade de Erdogan. Sua tomada poderosa de poder pode tê-lo tranquilizado e conduzido a um estilo político de menos embate. Ao invés, nos anos seguintes, seus então aliados, os Gulenistas – seguidores do clérigo em exílio, Fethullah Gulen – conseguiram tornar a obsessão de Erdogan em paranoia.

De 2008 a 2013, os Gulenistas na polícia, no judiciário, e na mídia conduziram uma série de conspirações ficcionais e armações contra Erdogan, uma mais sangrenta que a outra. Eles conduziram julgamentos sensacionalistas mirando em oficiais do exército, jornalistas e ONGs, professores e políticos Curdos. Erdogan pode não ter acreditado em todas as acusações – um chefe militar com quem ele havia trabalhado estava entre os encarcerados – mas elas serviram seu propósito. Alimentaram o medo de Erdogan de ser deposto, e eliminaram os vestígios remanescentes do regime secularista do exército e da burocracia civil.

Os Gulenistas também tinham outro motivo. Eles foram capazes de colocar seus próprios simpatizantes nos postos mais antigos deixados pelos oficiais do exército atacados pelos falsos julgamentos. Os Gulenistas passaram décadas se infiltrando no exército; mas os patamares mais altos permaneciam fora de alcance. Essa era a oportunidade deles. A ironia máxima do golpe falho de julho é que foi projetado não pelos secularistas da Turquia, mas sim pelos oficiais Gulenistas que Erdogan havia permitido serem promovidos em seu lugar.

Ao final de 2013, a aliança de Erdogan com os Gulenistas se tornou uma guerra declarada. Com o inimigo comum – a velha guarda secularista – derrotado, havia pouco para segurara a aliança unida. Erdogan começara a fechar escolas Gulenistas e negócios e a expulsá-los da burocracia estatal. Uma grande expurgação do exército estava a caminho, que aparentemente incitou os oficiais Gulenistas a agirem preventivamente.

De qualquer maneira, a tentativa de golpe validou a paranoia de Erdogan, o que ajuda a explicar porquê a repressão aos Gulenistas e outros opositores do governo tem sido tão extensiva e cruel. Em adição à dispensa de quase 4.000 oficiais, 85.000 oficiais públicos foram demitidos de seus empregos desde 15 de julho, e 17.000 foram encarcerados. Muitos jornalistas foram detidos, incluindo muitos sem ligação ao movimento Gulenista. Qualquer semblante de aplicação da lei e processo devido, desapareceu.

Um grande líder teria respondido diferentemente. O falho golpe de estado criou uma rara oportunidade de unidade nacional. Todos os partidos políticos, incluindo o Partido Democrático do Povo Curdo (HDP), condenaram a tentativa de golpe, bem como a vasta maioria dos civis, independentemente de sua orientação política. Erdogan poderia ter usado a oportunidade para ascender além de identidades islâmicas, liberais, secularistas e curdas para estabelecer um novo consenso político acerca das normas democráticas. Ele teve a chance de se tornar um unificador democrático.

Ao invés, ele escolheu aprofundar as divisões turcas e erodir a aplicação da lei ainda mais. A dispensa e encarceramento de opositores foi além daqueles que poderiam ter tido relação com o golpe. Acadêmicos marxistas, jornalistas curdos, e comentadores liberais foram varridos junto com os Gulenistas. Erdogan continua a ameaçar o HDP como pária. E, longe de contemplar a paz com rebeldes curdos, ele parece saborear a retomada da guerra contra eles.

Similarmente, a ofensiva de Erdogan contra Gulen e seu movimento parece ser conduzida mais por oportunismo político do que por um desejo de justiça contra os organizadores do golpe. Erdogan e seus ministros têm há tempos protestado contra a relutância dos EUA em extraditar Gulen para a Turquia. Ainda assim, quase dois meses depois do golpe, a Turquia não apresentou formalmente aos EUA nenhuma evidência de culpa de Gulen. A retórica anti-norte-americana cai bem na Turquia, e Erdogan explora isso bem.

Nesse testemunho aos promotores investigando o golpe, o general principal do exército disse que os golpistas que o fizeram de refém ofereceram botá-lo em contato aquela noite com Gulen. Isso permanece como a mais forte evidência de que Gulen estava diretamente envolvido. Um líder com a intenção de convencer o mundo da culpa de Gulen teria desfilado com seu chefe militar na mídia para elaborar sobre o que aconteceu aquela noite. Ainda assim, ao general não foi pedido – nem permitido - que falasse em público, aumentando a especulação sobre seu próprio papel na tentativa de golpe.

E então o ciclo interminável de vitimização da Turquia – de islamitas, comunistas, secularistas, curdos permanentemente, e agora os Gulenistas – ganhou rapidez. Erdogan está cometendo o mesmo erro trágico que fez em 2009-2010: usando sua vasta popularidade para prejudicar a democracia e a aplicação da lei ao invés de restaurá-los – e, com isso, tornando a moderação e reconciliação políticas mais difíceis no futuro.

Erdogan teve por duas vezes a chance de ser um grande líder. A um custo considerável a seu legado – e até maior para a Turquia – ele errou nas duas vezes.

 

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