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Desenvolver uma Internacional Progressiva

05-08-2016 - Yanis Varoufakis

ATENAS – A política nos países avançados do Ocidente atravessa actualmente um processo de político de revisão que não se observava desde a década de 1930. A Grande Depressão que atinge actualmente os dois lados do Atlântico está a reavivar forças políticas que estavam adormecidas desde o fim da Segunda Guerra Mundial. O entusiasmo está de regresso à política, mas não da forma que muitos de nós esperávamos.

A direita animou-se de um fervor contestatário que era, até há pouco tempo, o apanágio da esquerda. Nos EUA, Donald Trump, o candidato presidencial republicano, está a chamar à pedra (de forma bastante credível) Hillary Clinton, a sua adversária democrata, em razão dos laços estreitos que mantém com Wall Street, da sua ânsia de invadir territórios estrangeiros, e da sua intenção de celebrar acordos de comércio livre que prejudicam o nível de vida de milhões de trabalhadores. No Reino Unido, o Brexit lançou colocou os fervorosos thatcherianos no papel de defensores entusiastas do Serviço Nacional de Saúde.

Esta mudança não é inédita. A direita populista adoptou sempre uma retórica quase esquerdista em períodos de deflação. Quem suportar rever os discursos dos líderes fascistas e nazis das décadas de 1920 e 1930 encontrará apelos (os louvores de Benito Mussolini à segurança social ou a crítica mordaz que Joseph Goebbels faz ao sector financeiro) que parecem, à primeira vista, ser impossíveis de distinguir dos objectivos progressistas.

O que vivemos actualmente é a repercussão natural da implosão da política centrista, em razão de uma crise do capitalismo mundial na qual uma derrocada financeira originou uma Grande Recessão e, posteriormente, a Grande Deflação actual. A direita está apenas a repetir o seu velho truque que consiste em tirar proveito da ira justificada e das aspirações frustradas das vítimas para promover o seu próprio programa repugnante.

Tudo começou com a morte do sistema monetário internacional estabelecido em Bretton Woods, em 1944, que tinha criado um consenso político pós-guerra baseado numa economia "mista", em limites para a desigualdade e numa sólida regulamentação financeira. Esta "época dourada" pôs termo ao "choque de Nixon" em 1971, quando os EUA perderam os excedentes que, reciclados a nível internacional, preservaram a estabilidade do capitalismo mundial.

Surpreendentemente, a hegemonia dos EUA aumentou nesta segunda fase do período pós-guerra, paralelamente aos seus défices comerciais e orçamentais. Contudo, para continuar a financiar tais défices, os banqueiros tinham de libertar-se das suas restrições no âmbito do New Deal e de Bretton Woods. Só então poderiam encorajar e gerir a entrada dos fluxos internos de capitais necessários para financiar o duplo défice orçamental e da balança de transacções correntes dos EUA.

A financeirização da economia era o objectivo, o neoliberalismo foi a sua camuflagem ideológica, a época do aumento das taxas de juro da Reserva Federal de Paul Volcker foi o seu gatilho e o Presidente Bill Clinton foi o que mais se aproximou da versão mais recente de um "pacto faustiano". E o momento não podia ter sido melhor escolhido: o colapso do império soviético e abertura da China geraram um aumento da oferta de mão-de-obra para o capitalismo mundial (mil milhões de trabalhadores suplementares) que impulsionou os lucros e reprimiu o aumento salarial em todo o Ocidente.

A financeirização extrema resultou em enormes desigualdades e numa profunda vulnerabilidade. Mas, pelo menos, a classe trabalhadora do Ocidente teve acesso a empréstimos baratos e preços da habitação inflacionados para compensar o impacto da estagnação dos salário e da diminuição das transferências orçamentais.

Depois veio o colapso de 2008, que, nos EUA e na Europa, gerou uma oferta excedentária maciça de dinheiro e de mão-de-obra. Enquanto um grande número de pessoas perderam o emprego, a casa e a esperança, biliões de dólares em poupanças foram atirados para centros financeiros mundiais desde então, para completar os biliões bombeados pelos bancos centrais desesperadas desejosos de substituir os fundos tóxicos dos financiadores. Devido ao receio excessivo que impede as empresas e os intervenientes institucionais de investir na economia real, os preços das acções aumentaram, os 0,1% mais ricos nem acreditam na sua sorte e os restantes assistem, impotentes, à medida que as "vinhas da ira crescem e vão tornando mais pesadas, prontas para a vindima".

E foi assim que importantes segmentos da humanidade nos EUA e na Europa se tornaram endividados e dispendiosos ao ponto de serem pura e simplesmente descartados (e pronto para serem atraído pelo alarmismo de Trump, a xenofobia da líder da Frente Nacional francesa, Marine Le Pen, ou a visão cintilante dos defensores do Brexit de uma Britannia que volta a reinar os mares. À medida que o seu número aumenta, os partidos políticos tradicionais vão perdendo relevância, suplantados pelo surgimento de dois novos blocos políticos.

Um bloco representa a velha tróica da liberalização, globalização e financeirização. Embora possa estar ainda no poder, a sua vantagem está em queda livre, como o podem confirmar David Cameron, os social-democratas da Europa, Hillary Clinton, a Comissão Europeia e até mesmo o governo Syriza após a capitulação da Grécia.

Trump, Le Pen, os defensores de direita do Brexit do Reino Unido, os movimentos antiliberais da Polónia e da Hungria e o Presidente da Rússia, Vladimir Putin formam o segundo bloco. O seu bloco é uma internacional nacionalista (uma criatura clássica de um período de deflacionista) unida pelo desprezo que vota à democracia liberal e pela sua capacidade para mobilizar os que desejam esmagá-la.

O atrito entre estes dois blocos é simultaneamente real e enganoso. Clinton contra Trump constitui uma batalha verdadeira, por exemplo, tal como o é a União Europeia contra os defensores do Brexit; mas os dois combatentes são cúmplices, e não inimigos, ao perpetuarem um ciclo interminável de reforço mútuo, sendo cada parte definida por aquilo a que se opõe (e mobilizando os seus apoiantes nesta base).

A única saída possível desta armadilha política é o internacionalismo progressista, baseado na solidariedade entre as grandes maiorias de todo o mundo, que estão preparadas para reactivar uma política democrática à escala planetária. Se isto soar a utopia, importa sublinhar que as matérias-primas já estão disponíveis.

A "revolução política" de Bernie Sanders nos EUA, a liderança de Jeremy Corbyn do Partido Trabalhista do Reino Unido, o DiEM25 (o Movimento da Democracia na Europa) no continente: são os precursores de um movimento progressista internacional que pode definir o terreno intelectual sobre que a política democrática tem de ser construída. Porém estamos numa fase inicial e somos confrontados com uma reacção notável da tróica mundial: conforme o demonstram o tratamento dado a Sanders pelo Democratic National Committee, a campanha contra Corbyn levada a cabo por um antigo lobista da indústria farmacêutica e a tentativa de indiciação de que fui alvo por ousar opor-me ao plano da União Europeia para a Grécia.

A Grande Deflação suscita uma importante questão: poderá a humanidade conceber e pôr em prática um novo acordo de Bretton Woods "verde" e tecnologicamente avançado — um sistema que torne o nosso planeta ecológica e economicamente sustentável — sem o sofrimento e a destruição em massa que antecederam os primeiros acordos de Bretton Woods?

Se nós — internacionalistas progressistas — não formos capazes de responder a esta pergunta, quem o fará? Nenhum dos dois blocos políticos que disputam actualmente o poder no Ocidente pretende sequer que esta questão seja colocada.

YANIS VAROUFAKIS
Yanis Varoufakis, ex-ministro das Finanças da Grécia, é professor de Economia na Universidade de Atenas.

 

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