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As ameaças do Reino Unido de abandonar a União Europeia

11-03-2016 - Enrique Calvet *

O facto novo e destrutivo seria que a saída do Reino Unido seja usada como uma ameaça usada para impor tratamentos discriminatórios e favores.

No dia 19 de Fevereiro se disputou uma partida que sem nenhuma dúvida condicionará a liberdade, a prosperidade e segurança futura de gerações de europeus, e também dos espanhóis – muito mais que a agonizante conjuntura do país. Nesse dia, o Conselho Europeu entregou a pior resposta possível à chantagem de Cameron, dando ao Reino Unido um status especial dentro da União Europeia (UE), justificada como meio para que o país permaneça formalmente integrado, amparado pelos tratados fundacionais da entidade.

O certo é que os europeus pagam por erros como esse há muito tempo. Provavelmente desde as famosas cláusulas opting out, com a que vêm nos inundando desde a época de Thatcher. Ela mesma já pretendia mudar o modelo do Tratado de Roma (no discurso de Bruxelas) e a indulgência na resposta foi o primeiro equivoco. O resultado é que o Reino Unido está fora de muitíssimos aspectos transcendentais e vertebrais da entidade (não faz parte da Zona Euro, por exemplo), e de vez em quando passa ao opting in quando, com isso, ganha algo de concreto a curto prazo. Sua visão da Europa como um projecto político ambicioso e cidadão para o futuro é nulo, e há tempos tenta entorpecer esse processo, com maior ou menor intensidade. Os argumentos para suportar isso evocam duas coisas. Uma inaceitável: as supostas especificidades do Estado britânico, como se os outros Estados não tivessem também as suas especificidades. A outra, o fato romântico de que todos os europeístas utópicos como nós preferimos uma grande Europa unida, com todas as suas grandes nações, do Atlântico aos Montes Urais.

Claro que preferimos ter a bordo um Reino Unido europeu e europeísta. Mas não este Estado britânico, não um quinta-colunista disposto a chantagear e viciar o projecto de dentro e no momento mais doloroso e inoportuno possível. Obviamente, interesses geoestratégicos e diplomáticos, muito habilmente tutelados pela diplomacia norte-americana, além da complexa dialética franco-alemã, também permitiram essa situação do Reino Unido de semi membro antipático.

Isso não é novo, e tampouco é insólito que um Estado membro queira e possa sair da UE (ademais, consta no artigo 50 do tratado que a sustenta). Mas o que é perigosamente novo e destrutivo é que a saída seja colocada como uma ameaça para impor tratamentos discriminatórios e favores, causando danos letais ao projecto europeu, no desenho pensado por seus fundadores, e também ao seu marco jurídico.

Muitos de nós vemos – ou vimos – nesse projecto a única saída política visando a paz, a liberdade da cidadania e a prosperidade na Europa, nestes tempos de continentalização da relação de poderes. Não é só que algumas das demandas de Cameron atentam contra os tratados (a capacidade dos parlamentos nacionais de bloquear o trabalho legislativo da Comissão, do Conselho e do Parlamento Europeu, por exemplo) ou contra a livre circulação de pessoas – elemento vital da UE –, ou contra uma Europa integrada pelos serviços financeiros. Não é só que pretenda destruir o próprio conceito de euro e das suas instituições. O pior é que exige virar a casaca na própria ideia de construção europeia. Pretende que todos admitamos que o inevitável destino de uma Europa de sucesso NÃO consiste numa paulatina porém firme e permanente maior união política. Que renunciemos à construção de uma Europa política de cidadãos europeus!!! E isso no momento em que a Europa está agonicamente necessitando maior governança integrada, maior condução centralizada (economia, defesa, segurança, meio ambiente, política social…) diante da perigosa renacionalização populista agressiva, à moda dos Anos 30.

A pergunta seria, neste caso: por que queremos que o Reino Unido permaneça? Não nos ameace, saia de forma honrada, como um amigo, e façamos o melhor tratado, o mais frutífero possível, entre duas unidades políticas distintas, a UE e o Reino Unido, um que certamente que será muito bom. Funcionou com a Espanha durante anos, e está funcionando com a Noruega e a Suíça.

Mas a novidade trágica é o que se dirimiu no dia 19 de Fevereiro: o Conselho Europeu (o conjunto dos Estados da UE) e Juncker optaram por uma permissividade e concessão absoluta, a níveis deletérios. Optaram por sacrificar a construção europeia e o modelo europeu. O pior deste processo destrutivo não foi a atitude politiqueira de Cameron nem suas irregulares exigências, o pior mesmo foram as cessões feitas por Donald Tusk – para quem não sabe, o presidente do Conselho Europeu. O cúmulo do irrecuperável foi sua proposta escrita de que não se deve reinterpretar os tratados como uma evolução inevitável e aceitada em busca de maior integração política, mas sim como uma expressão afável de bons sentimentos comunitários. Apesar do cargo, Tusk, não tem legitimidade nem capacidade para reinterpretar nem desvirtuar a essência do projecto que se começou a ser construído há sessenta anos, e que agora é património da Humanidade. Mas esse mesmo Conselho Europeu, no dia 19 de Fevereiro decidiu aceitar a proposta de Tusk/Cameron de acabar com o conceito e a dinâmica da UE, acabar com o projecto que nós construímos, retorcendo a legalidade e a ética, chegando a extremos lamentáveis.

Foi dito que uma das razões para evitar a saída do Reino Unido (que sempre esteve meio fora) é que abriria a porta a outros que poderiam seguir o mesmo caminho. Se a UE continua sendo o que deve ser e o que tem sido, talvez seja essa a solução para que um núcleo duro de Estados permaneça e dê um passo a diante, e reforce o projecto real sem lastres. Os não europeístas retrucarão, mas estamos seguros de que o que acontece é que se cedeu às chantagens e que se está falseando a própria essência da construção de uma unidade política de cidadãos europeus, não entre alguns países, mas sim de todos, e que outros seguirão o exemplo – Marine Le Pen, na França, já fez anúncio semelhante –, e continuarão desvirtuando a União, pedindo especificidades. O projecto europeu e provavelmente a Zona Euro perderão muito rapidamente a credibilidade, a seriedade, e deixarão de ser atractivos para as novas gerações, que não o verão como uma alavanca para suas liberdade e prosperidade futuras, mas sim como uma instância para negociatas e manobras. É possível que nós tenhamos ficado um pouco órfãos de futuro neste 19 de Fevereiro.

* Enrique Calvet é eurodeputado do Grupo dos Democratas e Liberais pela Europa. Texto publicado na secção “Tribuna” do diário El País, em 1º de Março de 2016.

Tradução: Victor Farinelli

 

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