Um milagre chamado Sanders e uma maldição chamada Trump
11-03-2016 - Flavio Aguiar
Apesar do favoritismo de Clinton, Sanders ainda é uma incógnita. A eleição de qualquer dos republicanos seria uma catástrofe do tipo Fukushima.
Neste último fim-de-semana novas escolhas aconteceram em alguns estados norte-americanos, sobre os delegados `as convenções nacionais do Partido Democrata e do Partido Republicano.
O senador por Vermont, Bernie Sanders, teve a maioria de delegados em Nebraska, Kentucky e Maine. Hillary Clinton teve esta maioria na Loiusianna.
O senador texano Ted Cruz venceu em Kansas e no Maine, enquanto Donald Trump teve mais delegados na Louisianna e em Kentucky. Marco Rubio venceu em Porto Rico.
Embora Hillary Clinton tenha, no momento, a maioria dos delegados escolhidos para a convenção do Partido Democrata e mantenha seu favoritismo, a sensação da campanha é o desempenho altamente surpreendente de Sanders.
Olhando-se mais de perto, no entanto, o “milagre” Sanders tem causas bastante compreensíveis. A força de seu desempenho se apoia no aumento da pobreza nos Estados Unidos nas últimas décadas, potenciada pela crise de 2007/2008, além de uma série de políticas anti-sociais assumidas por muitos governos republicanos nos estados. Também se apoia num eleitorado jovem que, se não vota nos republicanos, demonstra algum cansaço com o establishment do Partido Democrata, jovens que, por exemplo, participaram intensamente dos movimentos “Ocuppy”, no passado recente. Outra coluna de sustentação deste desempenho surpreendente é sua disposição de expor claramente suas ideias, sem se deter em contemporizações ou compromissos “para agradar a plateia”, enfrentando, inclusive, pontos controversos de sua actuação no passado, como atitudes ambíguas, para dizer o mínimo, em relação ao tema da posse de armas no país. Muitos analistas afirmam que os EUA “não serão mais os mesmos” depois da campanha de Sanders, ganhe ele a indicação ou não, porque seu sucesso está expondo o “fim de uma era”, a do primado hegemónico do ideário neo-liberal inaugurado com Reagan e Margaret Thatcher do outro lado do Atlântico, abençoado pelo globe-trotter anti-comunista, o Papa João Paulo II.
Hillary Clinton retira sua força do establishment democrata (que não foi suficiente para, no passado, fazê-la derrotar Barack Obama na indicação), de sua hegemonia junto às direcções sindicais mais corporativas, e entre as minorias de negros e hispano-americanos, que se identificam muito com as políticas afirmativas postas em prática por seu marido, Bill Clinton, durante seus dois mandatos. Seu lado fraco tem sido seu desempenho aquém do esperado entre as mulheres. Se ela vencer a indicação, terá de pensar em como atrair para si o voto dos partidários de Sanders, sem o que ela poderá perder a eleição.
Já do lado dos republicanos, o tema constante vem sendo a “maldição” chamada Donald Trump, que vem atropelando em grande parte os outros candidatos, que não conseguem se unir, embora ainda não se possa dizer que ele esteja a caminho de garantir a indicação. Pensando bem, esta maldição é algo que os próprios republicanos estão colhendo, depois que a semearam. Como? Durante toda a gestão Obama - que ainda não terminou - os republicanos estimularam os piores sentimentos direitistas nos Estados Unidos: cortejaram ou aceitaram a corte dos Tea Party, fizeram uma oposição absurda a tudo que fosse progressista na gestão do presidente Obama, insuflaram sentimentos racistas sendo coniventes ou lenientes com “acusações” absurdas, como a de que ele era um “muçulmano” disfarçado. Agora o establishment republicano lamenta o efeito do Trump derramado… O temor tem duas pontas: a primeira é que, pelo seu radicalismo extremado, ele possa ser derrotado por Clinton, ou mesmo por Sanders. O segundo, é que ele possa ser eleito, porque o establishment seria varrido do mapa. Quem será a equipe de Trump, depois de todo este esforço enorme, sobretudo, agora, de Ted Cruz e de Marco Rubio, no sentido de barra-lo? Além disto, Trump vai se tornar uma figura isolada no cenário mundial, e sua maldição recairá sobre a cabeça de quem o alimentou. Parece algo semelhante com o passado de Weimar e as relações de um “pintor frustrado” chamado Adolf com o mundo financeiro internacional - inclusive o norte-americano… A eleição de Trump será como colocar um arsenal atómico nas mãos de uma mistura de Jair Bolsonaro, Aecio Neves, Silvio Berlusconi e Marine Le Pen.
Mas não alimentemos ilusões. Os outros candidatos republicanos também são horríveis, comprometidos com a denúncia do acordo sobre o programa nuclear do Irão, do reatamento com Cuba, e do acordo da COP-21, além da desarticulação do programa de saúde pública posto de pé pela gestão Obama. Guantanamo (aguarda-se o cumprimento da promessa do actual presidente de fechar a prisão), esqueça.
Resumindo: apesar do favoritismo de Clinton, Sanders ainda é uma incógnita. Falando pragmaticamente, uma alternativa não desprezível será ela como presidente, ele como vice. É uma chapa forte. A eleição de qualquer dos republicanos seria uma catástrofe do tipo Fukushima. Mas a de Trump seria algo do porte de Hiroshima e Nagasaki.
Fonte: Estado de Yucatán, México
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