A Ilusão da China
26-02-2016 - Rob Johnson
NOVA IORQUE – A gestão da China da sua indexação da taxa de câmbio continua a confundir os mercados financeiros globais. A incerteza existente relativamente à desvalorização renminbi está a alimentar os receios de que forças deflacionárias invadam os mercados emergentes e dêem uma forte machadada nas economias desenvolvidas, onde as taxas de juro se encontram a zero ou perto deste valor (não podendo, por conseguinte, ser reduzidas a fim de assegurar a protecção contra a inflação importada). O impasse fiscal na Europa e nos EUA está a contribuir para aumentar aumentando a ansiedade.
Mas o actual período de ansiedade das taxas de câmbio é na realidade apenas um sintoma do facto de a transição, por parte da China, de uma estratégia de crescimento baseada na exportação para uma estratégia impulsionada pelo consumo interno estar a progredir de forma menos harmoniosa do que o esperado.
Para algumas pessoas, o sonho das maravilhas do capitalismo com características chinesas permanece inalterado. Estão convictas de que, decorridas mais de três décadas de crescimento orientado pelo Estado, os líderes da China sabem o que fazer para inverter a situação de desmoronamento da sua economia.
O sentimento de irrealidade dos optimistas é rivalizado pelos intervenientes do lado da oferta, que gostariam de aplicar uma terapia de choque ao sector público em queda da China e integrar imediatamente os mercados de capitais subdesenvolvidos no actual sistema financeiro global turbulento. Trata-se uma receita profundamente nefasta. O poder do mercado para transformar a China não será desencadeado numa economia estagnada, em que tais medidas iriam agravar as forças deflacionárias e gerar uma calamidade.
A persistente pressão no sentido descendente sobre o renminbi reflecte o receio crescente de que as autoridades chinesas não disponham de uma solução coerente para os dilemas que enfrentam. A flutuação do renminbi, por exemplo, é uma opção perigosa. Afinal de contas, com a economia chinesa em fase de grande transformação económica, fazer estimativas para uma taxa de câmbio a longo prazo que irá ancorar a especulação é praticamente impossível, especialmente tendo em conta as dúvidas sobre a qualidade dos dados, a divulgação e os processos de elaboração de políticas.
No entanto, se a actual indexação da taxa de câmbio a um cabaz de moedas não conseguir ancorar o renminbi e evitar a uma forte desvalorização, as consequências deflacionárias para a economia mundial serão profundas. Além disso, terão repercussões no sector da exportação chinês, atenuando assim o impacto estimulante de uma moeda enfraquecida.
A chave para a estabilização da taxa de câmbio reside na criação de uma política de desenvolvimento credível. Só então a pressão sobre o renminbi, e sobre as reservas cambiais da China, diminuirá, visto que os investidores nacionais e estrangeiros verão uma via clara a seguir
A afirmação da credibilidade política exigirá a diminuição do "bricabraque" de incentivos microeconómicos resultantes do controlo e garantias estatais. Será também necessário revigorar a procura agregada, direccionando a política orçamental na via do apoio aos sectores económicos emergentes que servirão de base ao novo modelo de crescimento.
Porém, como acontece normalmente com a China, tal estratégia está repleta de contradições. Por exemplo, é necessário a reduzir a dimensão do sector empresarial estatal, mas esta medida iria certamente reduzir a procura agregada num momento em que a procura já é pouco expressiva. Do mesmo modo, a redução do apoio orçamental (através de empréstimos bancários geridos pelo Estado) a "empresas zombie" iria criar capacidade financeira para redireccionar recursos para novos sectores que promovem serviços e emprego urbano. No entanto, esta medida agravaria (pelo menos no início) a actual escassez da procura.
A realização de cortes abruptos no sector público com vista a alcançar uma transformação pela austeridade não é o caminho a seguir. Os historiadores do domínio económico, nomeadamente Michael A. Bernstein no seu estudo sobre a Grande Depressão nos EUA, têm demonstrado de forma convincente que uma economia em transição requer uma forte procura agregada para canalizar recursos para novos sectores. Se os antigos e novos sectores de uma economia estiverem em recessão, a formação de capital vacilará, o investimento na valorização do capital humano diminuirá e o ajustamento estrutural cessará. Uma procura agregada sólida é sempre essencial para a transformação bem-sucedida.
Outro obstáculo de igual grandeza que se coloca à transição económica da China (o problema a respeito do qual quase não se ousa falar) é a adoração generalizada da economia de mercado híbrida da China. Em termos simples, o actual "bricabraque" de incentivos de mercado impede a transformação devido ao favorecimento de empresas estatais.
No início de 2012, quando o governo chinês se optou pelo reforço da propriedade privada, as acções do subíndice do sector privado superaram as do subíndice do sector público nas bolsas de Xangai e Hong Kong. Mas desde a Primavera de 2014, esta tendência foi invertida e o subíndice do sector público superou o subíndice do sector privado. À medida que a economia chinesa abranda e o risco de incumprimento aumenta, o valor das garantias estatais aumenta, afastando o capital do crescimento do sector privado.
Este sistema híbrido impede claramente que a concessão de créditos catalise o desenvolvimento, criando e mantendo simultaneamente os interesses instalados que se opõem à reforma. Este comportamento de espera é particularmente prejudicial, já que uma transformação profunda dependerá de financiamento proveniente de um mercado obrigacionista salutar, que não poderá funcionar de forma adequada até que toda a incerteza relacionada com o passivo eventual do sector público (todas aquelas garantias implícitas) seja resolvida.
Está ao alcance da China estabilizar a sua taxa de câmbio através de reformas credíveis, nomeadamente através de políticas destinadas a redireccionar recursos para reforçar a procura interna e atrair recursos para os sectores mais novos de elevado valor. As reformas de que a China necessita não podem ser concretizadas numa situação de quebra, ou através de uma forte desvalorização cambial que deflaciona o mundo num esforço vão de recuar até uma época de crescimento induzido pelas exportações que a estagnação da procura no Ocidente inviabilizou.
Rob Johnson
Rob Johnson é o presidente do Instituto para a nova forma de pensamento Económico e pesquisador sénior e director do Project Finance Global para o Instituto Franklin e Eleanor Roosevelt.
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