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A nova e acidentada normalidade da China

05-02-2016 - Joseph E. Stiglitz

XANGAI – A transição da China, de um crescimento baseado nas exportações para um modelo baseado em serviços internos e no consumo das famílias, tem sido muito mais acidentada do que alguns previam, com as revoluções no mercado accionista e a volatilidade da taxa de câmbio a potenciarem receios sobre a estabilidade económica do país. E contudo, em termos históricos, a economia da China ainda tem um bom desempenho (a um crescimento anual do PIB de 7%, alguns diriam um excelente desempenho), mas o sucesso à escala que a China testemunhou durante as últimas três décadas alimenta expectativas elevadas.

Há aqui uma lição básica: os “Mercados com características Chinesas” são tão voláteis e difíceis de controlar como os mercados com características Americanas. Os mercados ganham invariavelmente vida própria; não acatam ordens facilmente. A medida em que os mercados podem ser controlados depende das regras do jogo serem definidas de um modo transparente.

Todos os mercados precisam de regras e de regulamentos. As regras boas podem ajudar a estabilizar os mercados. As regras mal concebidas, mesmo que bem-intencionadas, podem ter o efeito oposto.

Por exemplo, desde o crash do mercado bolsista nos Estados Unidos em 1987, tem sido reconhecida a importância da existência de corta-circuitos; mas se forem mal concebidas, tais reformas poderão aumentar a volatilidade. Se existirem dois níveis de corta-circuitos (uma suspensão da negociação no curto prazo e outra no longo prazo) e se os mesmos forem definidos como muito próximos um do outro, assim que o primeiro for activado, os participantes no mercado, apercebendo-se de que é provável que o segundo também o seja, poderiam debandar do mercado.

Além disso, o que acontece nos mercados só de longe pode ser associado à economia real. Isto é ilustrado pela recente Grande Recessão. Embora o mercado bolsista dos EUA tenha tido uma recuperação robusta, a economia real permaneceu no marasmo. Mesmo assim, a volatilidade do mercado bolsista e da taxa de juro pode ter efeitos reais. A incerteza pode levar a consumo e investimento menores (razão pela qual os governos deveriam visar regras que apoiassem a estabilidade).

O que tem maior importância, todavia, são as regras que governam a economia real. Na China de hoje, tal como nos EUA de há 35 anos, existe o debate sobre se são as medidas do lado da oferta (NdT: supply-side) ou as medidas do lado da procura (NdT: demand-side) as que melhor restabelecem o crescimento. A experiência dos EUA e muitos outros casos fornecem algumas respostas.

Para começar, a melhor altura para implementar medidas do lado da oferta é quando existe pleno emprego. Na ausência de procura suficiente, a melhoria da eficiência no lado da oferta apenas leva a uma maior subutilização de recursos. Transferir o factor trabalho, de utilizações de baixa produtividade para desemprego de produtividade nula, não aumenta a produção. Hoje, uma procura agregada global deficiente requer que os governos empreendam medidas que impulsionem o consumo.

Um tal consumo pode ser aproveitado de várias formas positivas. As necessidades críticas da China de hoje incluem a redução da desigualdade, o estancar da degradação ambiental, a criação de cidades habitáveis, e investimentos em saúde pública, educação, infra-estruturas e tecnologia. As autoridades também precisam de fortalecer a capacidade regulamentar, para garantir a segurança alimentar, das construções, dos medicamentos e de muito mais. O retorno social deste tipo de investimentos excede grandemente os custos de capital.

O erro da China no passado tem sido depender demasiado do financiamento através de capitais alheios. Mas a China também tem amplo espaço para aumentar a sua base fiscal, de modos que aumentariam a eficiência e/ou equidade globais. Os impostos ambientais poderiam levar a uma melhor qualidade do ar e da água, recolhendo ao mesmo tempo rendimentos substanciais; os impostos sobre o congestionamento melhorariam a qualidade de vida nas cidades; os impostos sobre o património e ganhos de capital encorajariam um maior investimento em actividades produtivas, promovendo o crescimento. Em resumo, se concebidas de forma correcta, as medidas de orçamento equilibrado (aumentar impostos a par das despesas) poderiam fornecer um grande estímulo à economia.

Nem deveria a China cair na armadilha de salientar medidas retrógradas do lado da oferta. Nos EUA, desperdiçaram-se recursos quando se construíram casas de má qualidade no meio do deserto do Nevada. Mas a primeira prioridade não é demolir essas casas (num esforço de consolidação do mercado habitacional); é garantir que os recursos sejam distribuídos de forma eficiente no futuro.

Na verdade, o princípio básico ensinado nas primeiras semanas de qualquer curso elementar de economia é que se esqueça o passado; não adianta chorar sobre leite derramado. O aço de baixo custo (fornecido a preços inferiores ao custo de produção médio no longo prazo, mas iguais ou superiores ao custo marginal) poderá constituir uma vantagem marcante para outras indústrias.

Teria sido um erro, por exemplo, destruir a capacidade excessiva da América em fibra óptica, com a qual as empresas dos EUA ganharam enormemente na década de 1990. O valor “opcional” associado a usos futuros potenciais deveria sempre ser comparado com o custo mínimo de manutenção.

O desafio enfrentado pela China ao confrontar o problema da capacidade excedentária é que aqueles que de outra forma perderiam os seus empregos precisarão de alguma forma de apoio; as empresas lutarão por um resgate robusto para minimizar as suas perdas. Mas se o governo acompanhar medidas eficazes do lado da procura com políticas laborais activas, pelo menos o problema do emprego poderia ser endereçado eficazmente, e poderiam ser concebidas políticas óptimas (ou pelo menos razoáveis) para a reestruturação económica.

Também existe um problema macro-deflacionário. A capacidade excedentária incentiva uma pressão descendente sobre os preços, com externalidades negativas sobre as firmas endividadas, que experienciam um aumento na sua alavancagem real (ajustada pela inflação). Mas uma abordagem muito mais positiva que a consolidação pelo lado da oferta é a expansão agressiva do lado da procura, que iria contrariar as pressões deflacionárias.

Os princípios económicos e os factores políticos são, portanto, bem conhecidos. Mas o debate sobre a economia da China é frequentemente dominado por propostas ingénuas para reformas do lado da oferta, acompanhadas por críticas das medidas do lado da procura adoptadas após a crise financeira global de 2008. Estas medidas estavam longe de ser perfeitas; tiveram de ser formuladas rapidamente, no contexto de uma emergência inesperada. Mas eram muito melhores que nada.

Isso acontece porque a utilização de recursos de formas sub-óptimas é sempre melhor que não usá-los; na ausência do estímulo pós-2008, a China teria sofrido de desemprego substancial. Se as autoridades adoptarem reformas mais bem concebidas no lado da procura, terão maior espaço para reformas mais abrangentes no lado da oferta. Além disso, a magnitude de algumas das reformas necessárias no lado da oferta será marcadamente diminuída, precisamente porque as medidas no lado da procura reduzirão a oferta excedentária.

Isto não se trata apenas de um debate académico entre economistas Ocidentais Keynesianos e do lado da oferta, agora a decorrer no outro lado do mundo. A abordagem política que a China adoptar influenciará grandemente o desempenho e as perspectivas económicas em todo o mundo.

Traduzido do inglês por António Chagas

Joseph E. Stiglitz

Joseph E. Stiglitz, Vencedor do Prémio Nobel em Ciências Económicas em 2001 e com a Medalha John Bates Clark, em 1979, é professor universitário na Universidade de Columbia, co-presidente do Grupo de Alto Nível de Especialistas sobre a Medição do Desempenho Económico e Social Progresso na OCDE, e economista-chefe do Instituto Roosevelt. Um ex-vice-presidente sénior e economista-chefe do Banco Mundial e presidente do Conselho de Assessores Económicos doex- presidente dos EUA Bill Clinton, em 2000, fundou a Iniciativa para o Diálogo político, um think tank sobre o desenvolvimento internacional baseado na Universidade de Columbia. Seu livro mais recente é “Reescrevendo as regras da economia americana”.

 

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