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O regresso do colapso financeiro

05-02-2016 - Carmen Reinhart

CAMBRIDGE – a volatilidade do mercado financeiro existe há décadas, se não há séculos. As variadas rotações nas taxas de câmbio tornaram-se num produto principal dos mercados financeiros internacionais depois de o sistema Bretton Woods ter quebrado no início da década de 1970, e as mega desvalorizações eram comuns no final da década e por boa parte da década de 1980, quando a inflação assolou grande parte do mundo. Mesmo durante a maior parte da década de 1990 e início da década de 2000, 10 a 20% dos países existentes vivenciaram uma grande desvalorização da moeda ou colapso financeiro num determinado ano.

E então, de repente, a calma prevaleceu. Excluindo o caos associado à crise financeira mundial que ocorreu no final de 2008 e início de 2009, os colapsos financeiros foram poucos e distantes no período entre 2004 e 2014 (ver figura). Mas desenvolvimentos recentes sugerem que a escassez de colapsos financeiros durante essa década pode ser lembrada como a excepção que confirma a regra.

O quase desaparecimento dos colapsos financeiros entre 2004 e 2014 reflectem largamente as taxas de juros internacionais baixas e estáveis e os grandes fluxos de capital para os mercados emergentes, juntamente com um boom nos preços das matérias-primas e (principalmente) as fortes taxas de crescimento nos países que escaparam à crise financeira mundial. Com efeito, a principal preocupação de muitos países durante esses anos foi evitar a valorização sustentada da moeda em relação ao dólar americano e às moedas de outros parceiros comerciais.

Isso mudou em 2014, quando a deterioração das condições globais revitalizou o colapso financeiro en masse. Desde então, quase metade da amostra de 179 países indicados na figura sofreu desvalorizações anuais superiores a 15%. É verdade que os acordos cambiais mais flexíveis eliminaram, a maior parte das vezes, o drama de abandonar taxas de câmbio estabilizadas ou semi-estabilizadas pré-anunciadas. Mas, até agora, não há muita coisa que sugira que as desvalorizações tenham tido um grande efeito salutar no crescimento económico, que na sua maioria se manteve lento.

A desvalorização acumulativa em relação ao dólar americano tem rondado a média dos quase 35%, de Janeiro de 2014 a Janeiro de 2016. Para muitos mercados emergentes, onde as desvalorizações foram consideravelmente maiores, enfraquecer as taxas de câmbio agravou os actuais problemas associados ao aumento das dívidas em moeda estrangeira.

Além disso, num mundo interligado, os efeitos dos colapsos financeiros não terminam no país onde surgem. Em 1994, a China reformou o seu quadro cambial, uniformizou o seu sistema de taxas de câmbio múltiplas e, no processo, desvalorizou o renminbi em 50%. Tem sido argumentado de modo persuasivo que a desvalorização chinesa resultou numa perda de competitividade para a Tailândia, Coreia, Indonésia, Malásia e Filipinas, que tinham estabilizado (ou semi-estabilizado) as suas moedas ao nível do dólar americano. Esta sobrevalorização acumulativa, por sua vez, ajudou a definir o cenário para a crise asiática que surgiu em meados de 1997.

As taxas de câmbio sobrevalorizadas têm estado entre os melhores indicadores principais de crises financeiras. Sendo assim, resta questionar se estamos perante uma repetição do que aconteceu entre 1994 e 1997 - só que desta vez com os papéis invertidos. Desde o início de 2014, o renminbi desvalorizou por uns meros 7,5% em relação ao dólar, em comparação com os cerca de 25% de desvalorização do euro neste período, já para não mencionar o enfraquecimento ainda mais rápido das moedas em muitos mercados emergentes. Para uma economia baseada na produção, como a da China, a relação entre a sobrevalorização e o crescimento não deve ser subestimada.

O anúncio da China, em Agosto passado, da sua intenção em permitir a modesta desvalorização e, eventualmente, lançar o renminbi para uma maior flexibilidade da taxa de câmbio provocou uma montanha-russa nos mercados financeiros. Para fornecer novas garantias, os governantes emitiram declarações no sentido de que a China iria caminhar apenas gradualmente nessa direcção. Mas talvez a história das crises asiáticas que possa servir de lição é a de que o gradualismo nesta frente acarreta os seus próprios riscos.

Claro que os potenciais efeitos de “empobrecer o vizinho” devido à subida em flecha dos colapsos financeiros nos últimos dois anos não são exclusivos da China. Eles também se podem aplicar a qualquer país que tenha mantido uma taxa de câmbio relativamente fixa (uma categoria que inclui grandes produtores de petróleo).

O que distingue o caso chinês dos outros é o tamanho íngreme da sua economia em relação ao PIB mundial, bem como seus efeitos nos muitos países de todas as regiões, desde fornecedores de produtos primários até países que dependem de financiamento chinês ou de investimento directo. O ponto principal é simples: os mercados emergentes representam actualmente cerca de 60% do PIB mundial, contra os cerca de 35% no início da década de 1980. Restaurar a prosperidade global requer uma base geográfica mais ampla do que a que existia na época. O regresso do colapso financeiro pode fazer com que seja mais difícil alcançá-la.

Carmen Reinhart

Carmen Reinhart é Professora do Sistema Financeiro Internacional na Kennedy School of Government da Universidade de Harvard.

 

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