A chave para um acordo sírio
29-01-2016 - Kenneth Roth
DAVOS – As negociações para a paz na Síria que estão agendadas para serem retomadas em Genebra, no dia 25 de Janeiro, terão lugar no âmbito de um quadro definido em Viena, em Outubro. Estes princípios, acordados pelos intervenientes estrangeiros mais importantes na guerra da Síria, incluem um compromisso de governação secular, a eventual derrota do Estado Islâmico (ISIS) e de outros grupos terroristas, a manutenção das fronteiras da Síria anteriores à guerra, a preservação das suas instituições estatais e a protecção dos grupos minoritários.
O que eles não incluem é um esforço para resolver o maior obstáculo para uma paz duradoura: os ataques continuados contra civis e outras atrocidades que estão a intensificar as divisões entre as facções sírias, que acabarão eventualmente por terem de governar juntam. Se o massacre deliberado não acabar brevemente, é pouco provável que só a diplomacia seja suficiente para terminar com o conflito.
A guerra continuou por tanto tempo, em parte, porque tanto o governo sírio como os grupos armados que estão a lutar acreditavam que acabariam por prevalecer. A entrada da Rússia no conflito ajudou a alterar esse cálculo. Mas, embora o poder aéreo russo tenha apoiado o governo o suficiente para evitar que desmoronasse, não foi o suficiente para obter um progresso significativo contra a oposição.
Entretanto, os ataques na Europa pelo ISIS, juntamente com o êxodo em massa dos refugiados sírios, têm estimulado um novo impulso para um compromisso político. A União Europeia, os Estados Unidos e outros países interessados esperam que as partes em conflito da Síria parem de lutar uns contra os outros e apontem as suas armas para o ISIS e outros grupos extremistas, como o Jabhat al-Nusra.
Um dos problemas mais difíceis de resolver nas negociações de paz é o destino do presidente sírio, Bashar al-Assad, e dos seus capangas. O regime de Assad é, indiscutivelmente, responsável pelo maior número de mortes de civis, tendo realizado ataques indiscriminados em áreas povoadas, ocupadas pela oposição, cercado populações inteiras, bloqueado a entrega de ajuda humanitária e torturado e executado prisioneiros.
E, no entanto, apesar de os opositores de Assad insistirem para que ele renuncie ao poder, isso claramente não será uma pré-condição para as negociações. Por questões práticas, Assad lidera uma das facções mais poderosas do conflito, que deve ser representada na mesa de negociações se a paz for um objectivo a ser alcançado.
Além disso, o afastamento abrupto de Assad poderia desferir um golpe fatal no estado sírio - um resultado que não interessa a ninguém (com excepção do ISIS e de outros extremistas). A dissolução das forças de segurança da Síria e do sistema judicial pode ser especialmente perigosa para as minorias da Síria. É por isso que uma transição gerida tem de ser o objectivo de todos os participantes nas negociações.
Um compromisso lógico seria se Assad mantivesse o poder durante um curto período. Até a Rússia e o Irão, os seus apoiantes mais vociferadores, deram a entender que poderiam aceitar a sua saída se ele renunciar através das negociações, em vez de ser destituído por uma revolta popular (e desde que o regime sucessor seja amigável com eles).
Se Assad e os seus compinchas assassinos concordarem em renunciar ao poder, eles irão indubitavelmente recorrer à amnistia para os seus crimes. Isso deve ser firmemente rejeitado. Desde o início da década de 1990, a comunidade internacional tem justamente negado a sua aprovação de amnistias para atrocidades em massa. Na verdade, o direito internacional exige que tais propostas sejam rejeitadas.
Em qualquer caso, uma amnistia na Síria não protegeria Assad de ser acusado. Se um futuro governo sírio se juntasse ao Tribunal Penal Internacional e consentisse a jurisdição retroactiva, o tribunal poderia processar quaisquer atrocidades em massa que achasse apropriadas a serem investigadas. Da mesma forma, os tribunais estrangeiros que exercem a jurisdição universal sobre alegados criminosos de guerra sírios, encontrados no seu território, poderiam ignorar uma amnistia. E precedentes na Argentina, no Chile e no Peru têm mostrado que mesmo em países onde as atrocidades ocorreram, as amnistias concedidas sob pressão de violência podem ser consideradas inválidas.
Claro, não seria realista esperar que Assad e os seus capangas se entreguem directamente aos promotores de justiça, em Haia. Eles são mais propensos a usar o seu poder na Síria para se protegerem e, se enfraquecerem, fogem para Moscovo ou Teerão, atrasando os esforços para detê-los.
Enquanto isso, os negociadores enfrentam a difícil questão de quem deverá substituir Assad. De acordo com a Declaração de Viena, essa questão acabaria por ser decidida numas eleições supervisionadas pela ONU. Mas eleições credíveis numa Síria devastada pela guerra, onde milhões de pessoas foram deslocadas, demorarão muito tempo e exigirá muita preparação para serem organizadas.
Enquanto isso, será necessário estabelecer um governo de coligação por acordo. A Declaração de Viena apela a uma “governação credível e, inclusive, não-facciosa”. Na prática, isto significa escolher figuras políticas que tenham credibilidade tanto no seio da maioria sunita da Síria, como no seio dos alauitas e de outras minorias cujos membros tenham recorrido largamente a Assad para protecção. A comunidade internacional poderia facilitar um acordo, insistindo na exclusão de pessoas provenientes de qualquer lado que, através de um processo justo, transparente e disputado, fossem consideradas responsáveis por abusos graves.
Alcançar um acordo que respeite tais orientações depende do desenvolvimento de um nível de confiança entre as facções em conflito na Síria, que actualmente não existe. É difícil dar um aperto de mãos a adversários que estão a matar as suas próprias famílias e os seus próprios vizinhos. É por isso que o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, não age correctamente ao dar prioridade à conclusão de um acordo em vez de acabar primeiro com as atrocidades. Parar com a matança deliberada de civis não é um subproduto de um acordo de paz, mas sim um pré-requisito para o sucesso das negociações.
Kenneth Roth
Kenneth Roth é director executivo da Human Rights Watch.
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