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A baixíssima representatividade do sistema eleitoral espanhol

24-12-2015 - Vicenç Navarro*

A lei eleitoral espanhola favorece sistematicamente a direita, discriminando claramente alguns territórios e algumas classes sociais.

O que vimos anteontem nas eleições legislativas foi um exemplo do quanto é enormemente injusta a Lei Eleitoral espanhola, criada para favorecer o bipartidarismo e as forças conservadoras que trabalharam na sua elaboração.
 
Num artigo recente ( “O que eles chamam de democracia (na Espanha, incluindo a Catalunha) mas não é , em Público.es, dia 23 de Novembro de 2015), mostrei alguns dos vícios mais profundos do processo eleitoral na Espanha, que favorece sistematicamente a direita neste país, discriminando claramente a favor de alguns territórios e de algumas classes sociais, prejudicando a representação de outros territórios e outras classes sociais.
 
Como consequência disso, em todas as eleições gerais durante o período democrático, entre 1977 e 2008, a soma dos votos dos partidos de esquerda tem sido muito superior à soma dos votos dos partidos de direita (excepto em 1977, em 1979 e em 2000, este último caso devido, em parte, ao grande aumento da abstenção).
 
Demonstrei naquele artigo que a vantagem dos votos de esquerda sobre os votos de direita foi de mais de dois milhões e meio em 1982 e 1986, e de pouco menos de dois milhões em 1989, 1992 e 2004, de mais de um milhão em 1996 e 2008. Apesar disso, as esquerdas só puderam governar com maioria parlamentar durante o período entre 1982 e 1993, e entre 2004 e 2008.
 
Uma situação idêntica ocorreu nas eleições legislativas de anteontem. Somando todos os votos dos partidos de esquerda (PSOE, Podemos e seus aliados, IU-UP, ERC e Bildu) obteriam quase um milhão de votos a mais que a soma de todos os partidos da direita (PP, Ciudadanos, Democràcia i Llibertat e PNV).
 
Na verdade, se a Espanha tivesse uma Lei Eleitoral proporcional – ou seja, que a definição das vagas legislativas fosse proporcional ao número de votos – hoje a esquerda alcançaria quase a maioria absoluta. E mais, se o Podemos tivesse estado numa coalizão nacional com a IU-UP (como fez na Catalunha e na Galícia), tal coalizão seria a segunda mais votada nesse hipotético sistema proporcional – e não a terceira, como foi no resultado oficial –, com um número de vagas muito próximo aos do conservador PP, reforçando consideravelmente a representação das forças de esquerda. Por outro lado, no sistema actual (tal como os fundadores da Lei Eleitoral quiseram impor ao desenhá-la), existe um claro exagero na representação da direita nas Cortes Espanholas, o que mantém vigente a inclinação em favor do conservadorismo no Estado espanhol, contrastando com o carácter progressista de sua população – o que explica a crescente rejeição ao mesmo.
 
O slogan do 15-N dizia “não nos representam”, e continuam sendo pertinentes e aplicáveis aos representantes que conformarão as Cortes depois destas eleições, onde novamente se verifica que a direita conta com mais vagas do que merecia, segundo seus votos. O enorme subdesenvolvimento social do Estado espanhol e seu carácter uninacional, pouco sensível à plurinacionalidade do país, estão baseados neste fato.
 
O favorecimento à direita na Lei Eleitoral se baseia na forma desequilibrada e pouco exemplar na qual se fez a transição da ditadura de Franco (1939-1977) para a democracia. O enorme poder da direita naquele processo de transição (dominavam o aparato do Estado e a maioria dos meios de informação e persuasão) foi a origem daquela legislação tão pouco proporcional.
 
Na verdade, o primeiro rascunho da tal Lei dava enorme protagonismo às províncias e foi redigido pelo fascista Movimento Nacional, e sua aprovação por parte do governo espanhol pré-democrático foi a condição exigida por tal movimento para sua dissolução. O então governo Suárez acolheu a proposta com o objectivo – tal como reconheceram os senhores Miguel Herrero e Leopoldo Calvo Sotelo – de discriminar a classe trabalhadora, base eleitoral do temido Partido Comunista. O PSOE se adaptou a essa Lei, vendo que, ao favorecer ao bipartidismo, ela também o beneficiava, embora num grau menor que o do PP. Na Catalunha, quando o Presidente Pujol conseguiu o direito de colocar sua própria Lei Eleitoral, não a mudou nem em uma vírgula, pois ela também favorecia as zonas conservadoras, em detrimento das mais progressistas, sendo uma das que colaborou para que ele tive um longo mandato.
 
Por isso que a mudança da Lei Eleitoral é um dos elementos que mais enfrentam resistência por parte da classe política, que vem se beneficiando da baixíssima representatividade do sistema espanhol, definido como “democrático”. A Espanha teria sido governada mais pela esquerda, e por partidos ou governos de coalizão, se tivesse um sistema proporcional. Como eu indiquei em outro artigo recente ( “Franco ganhou a guerra, o pós-guerra e a transição” , em Público.es, dia 26 de novembro de 2015) Franco deixou o sistema bem atado, e as consequências ainda são perceptíveis hoje, resultado de que não houve uma ruptura, mas sim uma adaptação do estado ditatorial ao estado atual, sem mudar o enorme domínio das forças conservadoras sobre ele.

* Vicenç Navarro foi catedrático de Economia Aplicada na Universidade de Barcelona. Atualmente é professor de Ciências Políticas e Sociais da Universidade Pompeu Fabra (em Barcelona, Espanha) e de Políticas Públicas na The Johns Hopkins University (em Baltimore, EUA). Artigo publicado em Público.es, no dia 22 Dezembro de 2015.

 

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