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Pressa e Retórica não são receitas para a Paz

04-12-2015 - Robert Fisk

As reacções aos ataques de Paris e do Mali têm sido uma retórica militarista, derivada de ignorância e de recusa em entender as injustiças do Oriente Médio.

Em episódio famoso de 1956, Eisenhower rispidamente aconselhou Anthony Eden, quando ele decidiu que a enganosa guerra da Grã-Bretanha no Egipto deveria chegar a um fim. "Uou, rapaz!", foram suas palavras. E elas deveriam ser repetidas agora aos políticos, historiadores e outros tolos que se consideram paladinos da guerra eterna.

Todo dia vemos um novo horror sendo tramado pela nossa polícia secreta ou pelos nossos líderes metidos a relações públicas. Um espião da Alemanha nos adverte sobre uma "Guerra Mundial Terrorista" - e eu aceito tal advertência, afinal, a Alemanha mostrou-se bastante eficiente em começar guerras mundiais - enquanto um historiador perfeitamente são e brilhante compara a agonia da Europa com a queda do Império Romano. Os assassinatos de Paris supostamente "mudaram Paris para sempre" ou "mudaram a França para sempre". Eu admitiria que o colaboracionismo do general Pétain com a Alemanha Nazista mudou França para sempre - mas as atrocidades em Paris deste mês simplesmente não podem ser comparadas com a ocupação alemã de 1940. Apenas o mais tedioso dos filósofos franceses, Bernard-Henri Lévy, nos diz que o Estado Islâmico é "Fascislamico".

Estranhamente, eu não me recordo do mesmo Sr. Lévy nos dizendo que os assassinos libaneses, declaradamente cristãos, de até 1.700 civis palestinos nos campos de refugiados de Sabra Beirut-Chatila em 1982 - as sangrentas milícias aliadas dos israelitas - foram "Fascicristãs". Este foi um ato "terrorista" com o qual eu me familiarizei muito. Com dois colegas jornalistas, eu andei entre os cadáveres assassinados e estuprados dos mortos. O Exército israelita, armado e financiado pelos EUA, assistiu ao abate - e não fez nada. No entanto, nem um único político ocidental anunciou que aquilo havia "mudado o Oriente Médio para sempre". E se 1.700 inocentes podem ser assassinado em Beirute em 1982 sem uma "guerra mundial" ser declarada, como pode o presidente François Hollande anunciar que a França está "em guerra" após tal massacre de 130 inocentes?

E agora, as massas pobres do Oriente Médio, de acordo com meu amigo Niall Ferguson, são os godos em direcção a Roma Antiga. Ferguson admite que não conhece o bastante sobre a história romana do século V para sair discutindo o assunto. Mas é fato que os romanos contemplaram os povos recém-conquistados com cidadania romana; e Niall pode ao menos ter se preocupado em estudar o século III, quando o novo imperador romano, César Marcus Júlio Filipe Augusto, veio da Síria. Ele nasceu a cerca de 50 km de Damasco e foi chamado de "Filipe, o árabe". Mas não deixemos nem mesmo que a história moderna fique no caminho do nosso desejo de vingança.

Vejamos o Mali e os assassinatos da semana passada. A França "interveio" ali em Janeiro de 2013, depois que os muçulmanos assumiram controlo sobre o norte de Mali e enquanto preparavam um avanço sobre a capital, Bamako. "Marechal de campo", assim Hollande foi satirizado na imprensa francesa, ao enviar os seus militares para destruir os "terroristas", que impunham seus revoltantes castigos "islâmicos" sobre os civis, sem mencionar que a violência também foi parte de uma guerra civil. Ao final do mês, relatórios apontavam para uma matança de civis por parte dos aliados militares do Mali e da França, numa onda de represálias étnicas. O ministro da Defesa francês (que permanece no cargo até hoje, Jean-Yves Le Drian) admitiu que "guerrilha urbana" foi "muito complicada de gerir".

Em setembro, os muçulmanos estavam assassinando malineses que tinham colaborado com os franceses. Já que a França já estava declarando vitória contra os "terroristas", poucos deram atenção pro porta-voz que anunciava que "nosso inimigo é a França, que trabalha com o exército do Mali, do Níger, do Senegal, da Guiné, do Togo, sempre contra os muçulmanos(...), todos esses países são nossos inimigos e vamos tratá-los como inimigos".

Tudo isso torna o massacre da semana passada em Bamako menos incompreensível. E para aqueles que acreditam que os soldados europeus podem fazer barulho nos países africanos sem provocar desejo de vingança, observe como praticamente ignorou-se o pano de fundo do assassinato do policial francês e de quatro judeus franceses no supermercado (em Janeiro, Paris) por um membro do Estado Islâmico. Amedy Coulibaly nasceu na França de pais muçulmanos - do Mali.

E agora leiamos este relatório sobre o Mali do início de 2013: "aviões de guerra franceses continuam seus ataques contra supostos acampamentos rebeldes, postos de comando, bases logísticas e ‘veículos terroristas’ no norte do Mali. Nos últimos dias, as autoridades declararam que alvos foram atingidos nas regiões de Timbuktu e Gao, incluindo uma dúzia de ataques em um período de 24 horas (...)". Apenas troque Timbuktu e Gao por Raqqa e Idlib e observamos uma mesma sopa sendo servida até hoje de Paris (e de Moscovo) temperada com ataques aéreos sobre o Estado Islâmico - no qual o próprio Primeiro-ministro Cameron pretende agora envolver a nossa força aérea.

A nossa reacção? Toda retórica, é claro, derivada de nossa ignorância e de nossa recusa em entender as injustiças do Oriente Médio, a nossa ociosidade em abordar conflitos com planos a longo prazo e objectivos políticos. Se pudéssemos aplicar o conselho "uou, rapaz" nos dias de hoje, seria com uma abordagem totalmente nova para a máfia culta que existe no Oriente Médio. Uma conferência mundial na região, talvez na linha da conferência de San Francisco (1945), em que os estadistas criaram as Nações Unidas, que deveria (e conseguiu) evitar mais guerras mundiais. E para os refugiados, quem sabe um passaporte semelhante ao de Nansen, que serviu aos milhões de indigentes e sem-tecto depois da Primeira Guerra (1914-18), aceito por 50 nações.

Em vez disso, tagarelamos sobre o apocalipse, sobre guerras mundiais “terroristas” ou sobre a Roma Antiga. Para o nosso Primeiro-ministro Cameron, só posso repetir: "Uou, rapaz!".

Fonte: - The Independent

 

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