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Mujica na Colômbia: fervoroso apoio à paz

20-11-2015 - Darío Pignotti

'Este conflito já dura mais de 50 anos, e suas origens se perdem na história da Colômbia e da América Latina. É preciso lutar contra toda forma de guerra’.

Recebido como um herói por milhares de jovens, que fizeram quatro quarteirões de fila para entrar e assistir sua conferência em Medellín, José Mujica formulou uma defesa firme do processo de paz na Colômbia. “Alcançá-la é uma tarefa urgente”, afirmou, num dos momentos mais intensos de um discurso muito forte.

O ex-presidente uruguaio reconheceu estar disposto a aceitar que sejam arquivadas as causas na Justiça por eventuais crimes de guerra, e propôs que a Colômbia adopte o modelo de buscar a verdade em troca de liberdade, como foi aplicado na África do Sul após o fim do apartheid. “Antes de tudo, eu apoio fervorosamente o processo”, enfatizou Mujica.

“Temos que começar pela paz: nenhum bem é tão importante quanto a vida… os seres humanos, como espécie, cometem muitos absurdos, provocam guerras que são, tecnicamente, a forma mais eficaz de se terminar com a vida, e a primeira coisa a se fazer é terminar com isso”, assegurou Pepe, como é carinhosamente conhecido – e foi o nome com o qual o público colombianos o ovacionou.

“Este conflito já dura mais de 50 anos, e suas origens se perdem na história da Colômbia e da América Latina. É preciso lutar contra toda forma de guerra. Houve casos de guerras justas, como as de liberação, mas a maioria das guerras não são por liberação, são movidas por interesses escusos”, declarou o líder uruguaio.

Mujica é, certamente, o dirigente latino-americano mais respeitado pela esquerda e pelo progressismo colombiano: a televisão local emite uma propaganda institucional pela paz na qual aparece sua imagem. Sua ascendência sobre os jovens é extraordinária.

“Creio que 85 % dos presentes nesta conferência são menores de 25 anos. A quantidade de público superou todas as nossas expectativas”, informou Pablo Gentili, director executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO). “Os mitos nunca enxergam neles mesmos os mitos que representam, e isso acontece com Pepe Mujica. Ele está convencido de que suas ideias são maiores que ele, e que são elas que movem as massas”, continuou o dirigente do CLACSO.

A CLACSO, o mais potente “tanque de ideias” do continente, escolheu Pepe Mujica e Luiz Inácio Lula da Silva – que se apresentou no discurso da terça-feira (10/11) – para serem as figuras de maior destaque deste evento, no qual participam centenas de intelectuais e académicos.

Estiveram presentes na conferência magistral ditada pelo ex-mandatário uruguaio, na noite desta quarta-feira (11/11), personalidades como o ex-ministro brasileiro Luiz Dulci, director do Instituto Lula, a ex-senadora colombiana Piedad Córdoba e o espanhol Juan Carlos Monedero, fundador do Podemos, que anotou vários dos conceitos levantados por Mujica.

José Mujica é um ex-membro da organização guerrilheira uruguaia Movimento de Liberação Nacional Tupamaros (MLN-T). Não é um simples personagem popular neste país: ao aparecer, exerce influência nas negociações de paz entre as FARC e o governo.

Nesse sentido, o jornalista Andrés Danza, autor do livro “Uma ovelha negra no poder” – a biografia de Mujica –, disse ao jornal El Tiempo que ele teve dois encontros com a comissão que representa os rebeldes, ambas em Havana, e vem se envolvendo com o tema há cerca de três anos.

Ademais, segundo o escritor, o dirigente da Frente Ampla uruguaia vem mantendo contactos frequentes com o presidente Juan Manuel Santos, que até 2010 foi ministro da Defesa do governo do ultra-direitista Álvaro Uribe, um dos mais populares caudilhos de Medellín.

Actualmente, Uribe é um dos principais inimigos do processo de paz, e um opositor firme do governo de Juan Manuel Santos.

Mujica admitiu que o passado de Santos suscita receios em alguns sectores, ao lembrar que “foi uma figura com responsabilidade directa em questões daqueles anos de guerra”. Porém, depois agregou que o presidente colombiano “demonstrou ser um homem inteligente e observador, por ter chegado à conclusão de que não existe outro caminho para terminar com esta guerra que não seja o da negociação”.

Construir a paz, segundo o uruguaio, “não é fácil, porque depois enfrentaremos a fenomenal contradição entre a verdade e a justiça. E temos que dizer as coisas como foram, sem covardias, as realidades são cruas. Quem vai dizer as verdades sobre o que aconteceu se está ameaçado de ser preso?”, disse Mujica.

“Se ficamos presos a essa contradição, vamos prolongar a guerra. É preciso seguir algum caminho onde quem tenha a coragem de dizer a verdade talvez tenha que ficar eximido de responsabilidades penais. Provavelmente, seria uma fórmula parecida como a que se usou na África do Sul, o algo nesse sentido”, explicou.

Esse tema, a arquitectura jurídica do que os colombianos chamam de “etapa pós-conflito”, é um dos assuntos ainda pendentes e que despertam polémicas.

Mas não é o único assunto espinhoso. Outro dos pontos ainda sem solução é sobre como os guerrilheiros serão reinseridos na vida política, e como será o eventual plebiscito para que a sociedade se pronuncie sobre o acordo de paz, que será definitivamente assinado no próximo dia 23 de Março, segundo reiterou o presidente Santos.

“Pepe presidente”

Ao iniciar sua intervenção, Mujica expressou sua alegria por estar diante de um numeroso público jovem e ávido por participar de um sistema político de baixa qualidade de representação.

“Existe uma enorme falta de lideranças, e por outro lado, está germinando uma demanda juvenil, e isso não acontece só na América Latina, eu também vi isso na Turquia, na França, na Espanha, no Brasil, na Argentina. Há uma germinação de gente jovem e inquieta”.

Assim como fez Lula no dia anterior, o dirigente uruguaio convocou os jovens, apelou para que participem da política e dos movimentos sociais, e que se envolvam com os partidos políticos, apesar dos seus defeitos. “Pensem com os seus travesseiros” como militar na política para transformar um mundo dominado pelo “consumismo” e pela “exclusão”, foi a base da sua mensagem.

“Pepe presidente”, cantou um grupo de rapazes e garotas no anfiteatro da Praça Mayor, pouco depois que Mujica e sua esposa, a senadora Lucía Topolanski, deixaram o lugar, na noite de quarta-feira.

O intelectual espanhol e fundador do Podemos, Juan Carlos Monedero, destacou o fato de a Praça Mayor de Medellín estar “lotada de juventude” interessada em escutar as palavras do ex-presidente.

“Anotei alguns pontos do discurso de Mujica, disse coisas muito belas, como isso de que `nunca nos poderão derrotar, porque nossos triunfos nunca são definitivos”, ou seja, temos que saber que sempre há mais coisas por conquistas depois, que a democracia sempre está em conflito, em movimento”, declarou Monedero, em entrevista para Carta Maior e para o La Jornada, do México.

Porém, nem todas as ideias de Mujica foram assimiladas pelo mentor do Podemos. Para Monedero, uma paz em troca de um cenário onde não haja justiça é inconveniente.

“Claro que nos processos de paz todos têm que ceder, mas sem verdade, justiça e reparação não se poderá curar as feridas. É preciso deixar aberta a possibilidade de que possa haver justiça” no futuro, opinou Monedero.

Tradução: Victor Farinelli

 

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