Praia privada na França de um rei
28-08-2015 - Vilma Fuentes*
O rei é um cliente que pode comprar milhares de armas ou os famosos aviões Mirage, tão difíceis de vender. Por que não lhe ceder um pedaço do país?
Em princípio, na França não existem praias privadas. O litoral deve ser acessível a todos os cidadãos. O acesso ao mar é um direito inviolável e tão legítimo quanto o direito de respirar: algo que ninguém poderia ter a pretensão de reservar a exclusividade.
No sul da França, nas costas do Mediterrâneo, uma pequena cidade chamada Vallauris Golfe-Jean, bastante conhecida pelos artistas porque Picasso tinha ali um dos seus ateliês de cerâmica, tem dado o que falar neste mês de Agosto, por razões bem diferentes. Acontece que uma estação balneária de Golfe-Jean, onde existe uma praia minúscula, a Mirandole, apreciada por aqueles que preferem seu encanto e tranquilidade, longe dos inconvenientes daquelas praias onde o que eles chamam de “gente diferenciada” se precipita durante as férias de verão.
Bem perto da praia de Mirandole, uma propriedade palaciana, no alto de um penhasco, domina a pequena praia, cujos encantos e tranquilidade também devem ser amplamente apreciados pelo dono da luxuosa mansão. Tudo isso parece normal. O fato menos ordinário é que o feliz proprietário se chama Salman ben Abdelaziz Al Saoud, o rei de Arábia Saudita.
Não se trata de um turista qualquer, mas sim de um mais importante que os chamados VIP, que por si já possuem seus benefícios particulares. Este proprietário goza também do status de chefe de Estado. Um augusto personagem que possui suas tradições, seus hábitos e suas leis. Começou proibindo o acesso à praia para qualquer pessoa que não esteja a seu serviço, transformando-a numa praia privada, ao menos durante suas estadias. Em segundo lugar, por construir um elevador para seu uso pessoal, a fim de descer até a areia sem esforço, e subir com a mesma comodidade. Finalmente, os serviços de segurança foram reforçados pelo governo francês, já que se trata de um chefe de Estado: uma agente francesa, membro desses serviços, foi expulsa do distrito, porque era impensável que alguém do sexo feminino pudesse olhar os homens quando eles estão mais à vontade. Em suma, na França, nessa pequena parte do território, numa vila privada, sem estatuto de embaixada, numa simples residência de veraneio, foram impostas as leis da Arábia Saudita.
Logo surgiu uma carta de protesto, que rapidamente reuniu mais de 150 mil assinaturas de cidadãos indignados, se opondo à privatização desse espaço público e contra o abuso de poder ali presente. É aí que as cosas se complicam. O rei não é só um chefe de Estado, qualidade que lhe outorga uma protecção policial excepcional. É um monarca acompanhado de toda uma delegação, mais de mil pessoas instaladas nos hotéis de luxo da região: excelentes clientes, que gastam fortunas em compras de todo tipo. Uma verdadeira fonte de benefícios constantes e ressoantes. Os comerciantes não apoiaram a iniciativa dos que protestaram, e é compreensível.
Uma disputa de interesses em conflitos, ou talvez em confronto. Os comerciantes renovaram suas boutiques para acolher os ricos e gastadores clientes com os braços abertos, sonhando com lucros inimagináveis, o Estado francês deseja abrir ainda mais os seus braços: Arábia Saudita é um interlocutor que não pode ser tratado como um qualquer. É um cliente que pode comprar milhares de armas ou os famosos aviões Mirage, tão difíceis de vender. Pedidos entre Estados que se cifram em bilhões. Portanto, não é oportuno mexer com as sensibilidades de um monarca pouco acostumado a se sentir contrariado.
Após uma semana, o rei se foi da França de repente. Sem explicações. Se irritou? Vai regressar? Até onde os princípios da República poderão resistir aos interesses superiores das finanças? São perguntas que os franceses se fazem, diante desse caso. Assim como as fazem outras democracias, quando devem negociar com países, digamos, menos democráticos.
* Jornalista e escritora. Em 1969, passou a integrar o Centro Mexicano de Escritores, frequentado por grandes figuras da literatura mexicana, como Juan Rulfo e Salvador Elizondo. Desde 1975, vive em Paris, onde trabalha como correspondente para a imprensa escrita e audiovisual. Colabora actualmente com o periódico La Jornada.
Tradução: Victor Farinelli
La Jornada
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