ALEMANHA: A Europa à espera de Merkel
20-12-2013 - Rafael Poch
Reeleita à vontade para um terceiro mandato, a chanceler terá de contar com uma União bem diferente da que existia quando chegou ao poder. Fracturada, dividida e em crise de identidade, espera que Berlim retome a iniciativa.
Com a falta de pompa e circunstância que é uma das qualidades da política local, os ministros da GroKo alemã – o acrónimo de “Große Koalition”, a Grande Coligação que acaba de ser declarada palavra do ano – prestaram juramento, um após outro, perante o presidente do Bundestag. Antes disso, Merkel obtivera a bênção formal do Presidente federal, Joachim Gauck, numa audiência breve e sem substância.
Muito pouca publicidade, no início do terceiro mandato de Angela Merkel. A dois mandatos de distância dos chanceleres Konrad Adenauer e Helmut Kohl, com um de vantagem em relação a Gerhardt Schröder e prestes a empatar com Helmut Schmidt.
Será que esta mulher do Leste vai entrar na lista dos grandes chanceleres? Muito dependerá do que acontecer na Europa, nessa União Europeia que usurpa o título continental. Merkel recebeu-a em 2005, ainda sob a propaganda narcisista que associava o seu nome à prosperidade e à paz. A paz europeia ignorou as múltiplas guerras que os membros da nova Europa, nações coloniais, travaram contra o exterior desde o próprio momento da sua integração e que continuam a travar ainda hoje, bem como uma ou outra que, nos Balcãs, ocorreu no seu próprio seio. Quanto à prosperidade, simplesmente desapareceu.
Vários grupos
Portanto, da Europa que Merkel recebeu foram apagados os dois grandes mitos de base. No lugar deles, existe uma fractura. Sempre existiu, mas agora é notória: a Europa de grupos distintos. Um é o dos beneficiários líquidos do euro, que defende a austeridade e a cobrança da totalidade das dívidas dos seus bancos, e tem no centro a Alemanha. Outro, vacilante e fragmentado, é representado pela França. Outro, em diferentes estádios de crise e debilidade, vai de Portugal a Itália, passando por Espanha, e da Eslovénia a Chipre, passando pela Irlanda. E o último, marginalizado como mera periferia e mergulhado na degradação, vai da Grécia à Bulgária, passando pela Roménia e pela Albânia.
Será esta Europa fragmentada que irá atribuir a nota ao terceiro mandato de Merkel. Este inicia-se com um governo de coligação do qual é soberana inquestionável, com um apoio parlamentar esmagador, uma oposição muito reduzida e uma situação socioeconómica global interna ambígua, mas estável, sobretudo se comparada com a da maior parte da Europa.
Reagir ao imprevisto
Dizer que não são de esperar surpresas, neste contexto tão instável, seria um disparate. É verdade que é isso que indica o acordo de coligação de 185 páginas assinado com os social democratas, cujos dirigentes foram estrondosamente derrotados nas eleições de Setembro, mas estão muito satisfeitos por ocuparem os seus novos cargos ministeriais: contudo, a realidade não é ditada por documentos..
Em especial em tempos de crise, governar é reagir ao imprevisto. Angela Merkel quer navegar numa direcção, mas uma mudança dos ventos pode levá-la para qualquer lado. E a Europa não está só em crise na sua vertente ocidental. A Leste, está em incubação uma coisa semelhante a uma Guerra Fria com a Rússia. A UE, com a Alemanha à frente, parece considerar a Ucrânia o seu pátio das traseiras, complica a vida à exportação energética russa e, a partir da NATO, acicata o urso moscovita com todo o tipo de provocações militares: um escudo antimíssil contra o Irão, que não vai ser cancelado, apesar de haver desanuviamento com Teerão.
A Rússia já instalou mísseis no Báltico e o documento da coligação alemã não inclui a tradicional intenção de retirar as bombas norte-americanas, existentes em território alemão.
LA VANGUARDIA BARCELONA
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