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Os establishments políticos e financeiros europeus querem acabar com o Syriza

08-05-2015 - Vicenç Navarro (*)

O objectivo do establishment financeiro e político europeu não é expulsar a Grécia da Zona Euro, e sim expulsar o Syriza do governo grego.

A explicação mais comum sobre o estancamento nas negociações entre o governo do Syriza e os organismos como o Euro grupo, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia, segundo o que aparece nos maiores meios de informação na Espanha, joga toda a responsabilidade da situação à suposta “incompetência dos políticos gregos”, exemplificado a partir do comportamento do seu ministro da Fazenda, Yanis Varoufakis, definido como “teatral e imaturo” por essa imprensa, e “impertinente”, segundo expressão utilizada por seu colega alemão Wolfgang Schäuble. Essas versões mostram o novo governo grego como rígido, incapaz de negociar de forma aberta, introduzindo demandas inoportunas (como o pagamento de compensações do governo alemão ao Estado grego pelos danos causados durante a ocupação nazi em território grego), ou insistindo na reestruturação da dívida pública grega, um tema que o governo grego deveria ser consciente, dizem esses relatos, de que ela é inegociável.

A culpa então é do Syriza e seu governo. O que este deveria fazer, segundo a sabedoria convencional do momento, é respeitar os acordos assinados pelo governo anterior, implantando as medidas de austeridade autorizadas então e eliminando as medidas que apareciam em sua oferta eleitoral, as que incluíam, entre outras propostas, desistir de baixar as aposentadorias, reverter as mudanças da legislação trabalhistas que facilitem a demissão de trabalhadores e travar as ordens de despejo contra pessoas que não conseguem pagar suas dívidas habitacionais (uma paralisação que afectaria negativamente os interesses dos bancos). Sobre a resposta negativa dos grandes organismos europeus para com as medidas, o Syriza afirmou que são as que o eleitorado grego esperava quando os levou ao poder, ao que o establishment político europeu (instrumentalizado pelo establishment financeiro) respondeu que os governos presentes no Euro grupo também foram eleitos democraticamente, e que a aplicação de suas propostas para a Grécia também são resultado de mandatos populares (o que, evidentemente, não corresponde à realidade, pois a grande maioria dos partidos que governam os países da União Europeia, representados pelos ministros da fazenda do Euro grupo, não tinham incluídos em seus programas as tais medidas de austeridade que depois passaram a impor aos seus cidadãos, e um dos exemplos desse fato é o governo Mariano Rajoy, na Espanha. Nenhuma das políticas de austeridade estava na oferta eleitoral do PP, e o mesmo aconteceu com a maioria dos partidos governantes na Zona Euro.

A imposição de tais políticas de austeridade à Grécia é apresentada pelos ministros do Euro grupo como necessária para conseguir a recuperação da economia grega, ignorando que elas causaram um enorme desastre e tragédia humana na mesma Grécia, com a perda de 25% do seu PIB. É interessante, e significativo, verificar que na mesma reunião do Euro grupo, em Riga (capital da Letónia), quando se acusou o Syriza de ser irresponsável por se negar a aceitar as suas propostas, o governo de Rajoy foi apresentado como exemplar, por aplicar disciplinadamente as mesmas medidas de austeridade rejeitadas pelos gregos (“O Euro grupo aplaude as reformas da Espanha”, La Vanguardia, 25 de Abril de 2015).

A agressividade dos economistas liberais e sócio liberais contra o Syriza

As explicações sobre esse suposto estancamento das negociações são promovidas pelos maiores meios de informação da Espanha. Dois economistas mediáticos com amplo espaço nesses meios, e que são especialmente agressivos em sua crítica ao governo do Syriza, são JC Díez, que além de ser uma espécie de correspondente económico do El País é figura próxima a Pedro Sánchez, presidente do PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), e Josep Oliver, que também se move na órbita socialista, na Catalunha, e é grande defensor da necessidade das tais políticas de austeridade, que ele afirma serem as responsáveis pela recuperação económica do país, segundo seu mais recente artigo no El País (“A longa marcha do emprego”, de 24 de Abril de 2015). Esses economistas foram os que reproduziram os argumentos utilizados pelo ministro da fazenda alemão, criticando o governo do Syriza pela paralisação das negociações, e culpando-o também pela considerável deterioração da situação económica grega desde a vitória do Syriza (outro argumento lançado pelo ministro alemão).

Tanto Díez quanto Oliver parecem desconhecer a evidência científica que mostram como as tais políticas de austeridade são as que deterioraram muito o estado da economia da Grécia e da maioria dos países da Euro zona, ao reduzir a demanda doméstica nesses países, sendo uma das maiores causas da grande recessão. Muitos especialistas como Krugman, Stiglitz, Weisbrot, Baker, Galbraith, Jeff Faux e uma longa lista de economistas reconhecidos também explicaram as crises a partir dessa demanda doméstica limitada, causada pelos cortes e arrochos salariais, acrescentando sua voz a uma explicação que surgiu sendo minoritária, e que aos poucos vai ganhando amplo espaço nos círculos académicos europeus (mas não na Espanha), devido às robustas evidências acumuladas durante os últimos anos de recessão. A respeito da suposta recuperação da economia espanhola, esta não se deve às medidas de austeridade. Pelo contrário, foi a partir da diminuição dessas políticas (por motivos eleitorais) e sobretudo a queda no preço do petróleo, a desvalorização do euro e as medidas de expansão monetária do BCE, que levaram a Espanha a experimentar uma leve retomada do crescimento económico, agora apresentada como recuperação.

O objectivo do establishment financeiro e político europeu não é expulsar a Grécia da Zona Euro, e sim expulsar o Syriza do governo grego

Um argumento utilizado frequentemente pelos defensores das políticas de austeridade é que elas são necessárias para “salvar o euro”. Essa “salvação” do euro tem sido uma constante preocupação para eles. O euro, no entanto, nunca esteve em perigo, nem de desaparecer nem de colapsar, tal como alguns analistas vêm demonstrando desde o começo. E a razão pela qual ele nunca esteve em perigo é que a moeda vem beneficiando, sistematicamente, os poucos que mandam na Zona Euro (o establishment financeiro), em detrimento da maioria.

Tal preocupação – de salvar o euro – é utilizada agora, novamente, quando se indica que existe uma possibilidade de que intransigência e incompetência do Syriza forcem a expulsão da Grécia da Zona Euro, pois suas políticas tornam impossível sua permanência na união monetária. Diferente do que dizem esses autores, a última coisa que o establishment político da Euro zona (instrumentalizado pelo establishment financeiro) que é que a Grécia saia da zona. O que desejam (e deve-se salientar esse dado) é expulsar o Syriza do governo grego, ou seja, que seu apoio eleitoral colapso e que seja substituído pelo partido anterior, serviçal aos seus interesses. Esse tem sido e continua sendo o objectivo da agressividade mostrada pelos establishments financeiros, políticos mediáticos europeus. Se mostrou claramente, inclusive antes de o partido ganhar as eleições. As intervenções nas eleições gregas foram nítidas, por parte do BCE, da Comissão Europeia e do Conselho Europeu, além da do governo alemão e seus aliados (como o do espanhol Rajoy), todos participando activamente na campanha contra o Syriza. Nove dias (sim, somente nove dias) depois da vitória eleitoral do partido, o BCE cortou a linha de crédito do governo grego, uma medida de enorme hostilidade (equivalente a um ato bélico), sem sequer esperar para tomar essa decisão quando fosse correspondente segundo a agenda, onde havia um encontro marcado poucos dias depois, com os representantes do novo governo. Essa primeira reacção hostil foi seguida por outras, uma redefinição bem realizada dos termos nos quais os bancos privados gregos podiam emprestar dinheiro ao Estado, comprando dívida pública, uma medida que o BCE nunca havia aplicado aos governos anteriores, responsáveis dos enormes deficit e dívida públicos que o governo do Syriza herdou do seu antecessor.

As medidas foram aplicadas com pleno conhecimento dos que abriram a brecha para uma massiva fuga de capitais: 24 biliões de euros abandonaram o país entre Dezembro e as primeiras semanas de Abril. Uma situação que resulta da enorme agressividade contra o governo do Syriza, e que está diminuindo enormemente a possibilidade do Estado de conseguir empréstimos do mercado financeiro (quer dizer, dos bancos), o que, por sua vez, é resultado das acções tomadas pelo BCE. Nenhum desses factos aparece nos artigos dos economistas JC Díez e Josep Oliver (“Corralito grego agora?”, La Vanguardia, 24 de Abril de 2015). Para eles, o Syriza e seu comportamento, sua suposta rigidez e inflexibilidade, são os responsáveis pela situação na que se encontra o governo.

As políticas de austeridade impostas à Grécia vêm reduzindo o PIB do país em 25%, percentagem nunca alcançada por nenhum país em tempos de paz. E isso está beneficiando o capital financeiro, tanto grego quanto alemão, francês e espanhol, entre outros, com efeitos bastante negativos para a maioria da população grega. A evidência desse panorama é assustadora, mas não chega a ser um obstáculo para o BCE, a Comissão Europeia, o Euro grupo, o Conselho Europeu, o FMI e o governo alemão, que continuam insistindo nas mesmas políticas que levaram à grande crise humanitária. Ninguém menos que o ex-director da sede europeia do FMI, Reza Moghadam, escreveu um artigo para o Financial Times (“Stalemate can be replaced with sanity in eurozone dealings with Greece”, 08 de Abril de 2015) no que concluía que ocorria nessas negociações era profundamente injusto, pois “a Europa está exigindo do actual governo grego a implantação, já nas próximas semanas, de toda uma série de medidas que os governos anteriores não realizaram em vários anos”.

Na verdade, as demandas do governo grego são mais que aceitáveis. São as mesmas que o governo alemão aplicou nos Anos 50. Entre elas, está o pedido de que não seja exigido o pagamento da dívida, a não ser que a economia grega comece a crescer de novo. A rigidez nas negociações está mais presente no comportamento do ministro da fazenda alemão, e no dos seus aliados (os governos português e espanhol, junto com os governos do leste europeu), a maioria de clara orientação neoliberal, e é essa inflexibilidade o que leva à situação actual. Seu objectivo é destruir o Syriza, não vão tirar a Grécia da Zona Euro. Vejam a alegria demonstrada na reportagem do El País (conhecido por sua antipatia para com o Syriza, assim como com o movimento espanhol Podemos) que falava de um suposto declínio no apoio popular ao Syriza (usando uma manobra previsível, e típica da publicação, o El País manipula o título, indicando que “o calvário da negociação reduz o apoio popular ao governo do Syriza” (El País, 24 de Abril de 2015), afirmação que contrasta com os dados apresentados no próprio artigo onde se vê que o apoio ao Syriza aumentou de 36% em Janeiro a 38% agora). A estratégia incluiu especular, como última notícia, com a tentativa de neutralizar, ou inclusive de expulsar, o ministro grego, desejando que os velhos aliados das políticas neoliberais, as tradicionais direitas gregas, voltem ao comando da economia do país, apesar de terem sido as que levaram o país ao desastre. Assim, os interesses de fora poderão novamente controlar a Grécia, como fizeram nos anos que precederam a vitória do Syriza.

Uma última observação. Peço ao leitor que compartilhe este artigo o máximo possível. Não tenho as mesmas caixas de ressonância dos já citados economistas. Pelo contrário, os meios de informação e persuasão da Espanha, conhecidos internacionalmente por sua escassa diversidade, não publicam vozes críticas como a minha. Por isso, devo pedir ao leitor que, como sucedia durante a ditadura, os artigos sejam difundidos passando de mão em mão. Obrigado!

(*) Académico de Políticas Públicas da Universidade Pompeu Fabra, ex-professor de Economia Aplicada da Universidade de Barcelona.

 

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